Revista Iberoamericana de Derecho, Cultura y Ambiente

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RIDCA - Edición Nº3 - Derecho Internacional

Fernando Tarapow - Priscila Caneparo. Directores

15 de julio de 2023

Aportes pedagógicos da cooperação jurídica internacional na era digital.
Aportes pedagógicos de la cooperación jurídica internacional en la era digital

Autores. Lúcio Gomes Dantas y Priscila Caneparo dos Anjos. Brasi.

Lúcio Gomes Dantas[1]

Priscila Caneparo dos Anjos[2]

 

1. INTRODUÇÃO

 

Em um contexto de globalização, onde as fronteiras se diluem devido ao grande e rápido acesso à informação, torna-se imprescindível que os Estados soberanos venham, na mesma velocidade, adequar-se a essa nova sociedade global que está se consolidando, cada vez mais.

Essa nova sociedade, fortemente marcada pelo surgimento de um cidadão que desenvolve atividades e relacionamentos além de suas fronteiras nacionais, vê-se na busca de instrumentos que auxiliem novos paradigmas, fazendo com que surja, então, a cooperação jurídica internacional.

A cooperação jurídica internacional é um tema que ocupa muito dos estudos recentes. Uma vez que, dependente da evolução dos conceitos de soberania estatal, só pôde se desenvolver quando esta permitiu flexibilizações em seus entendimentos tradicionais e que, comumente, está dividida em três grandes ramos: a cooperação internacional propriamente dita, reconhecimento e execução de sentenças alienígenas e tramitação internacional de atos processuais, a qual pode ser dado por intermédio, basicamente, da carta rogatória, do pedido de auxílio direto e da comunicação espontânea.

Na verdade, apesar do termo cooperação jurídica internacional ocupar, hoje, parcela dos trabalhos doutrinários, cada um de seus ramos possui uma forte construção de longa data, guardando características, aplicações e evoluções próprias.

Nesse sentido, este trabalho pretende realizar um estudo do auxílio direto, tendo em vista ser este o meio mais ágil, eficaz e que corresponde às necessidades da era digital que, hoje, o Direito se encontra. Compreende-se, ainda, que essa cooperação permeia um grupo e permite que objetivos coletivos sejam atingidos por meio da combinação de esforços individuais e colaborativos. No mundo digital, essa cooperação ocorre cada vez mais em formatos inovadores, como em redes sociais, grupos de conversa e cooperação online, tornando-se um recurso estratégico para pessoas e organizações.

Ao abordar o método dedutivo como abordagem metodológica de pesquisa, neste trabalho, considera-se que esta lógica caminha do particular para o geral, ou seja, pesquisa-se diversas vezes algum fato e se percebe a repetição do mesmo resultado, podendo ser suspeitado como verdadeiro. Já com o método indutivo se caminha inversamente, ou seja, do geral para o particular, considera-se que se um fenômeno ocorrer tal como vários os outros que acarretaram num mesmo resultado, então esse terá o mesmo resultado já descrito.

 

2. A COOPERAÇÃO INTERNACIONAL

 

Acredita-se que para que a cooperação jurídica internacional tenha alcançado as delimitações que hoje se estabelecem, especialmente com o apoio de outros poderes judiciários para a consolidação de direitos aos cidadãos, estejam onde estes estiverem, fora de extrema importância, em um primeiro momento, o desenrolar da própria cooperação internacional.

Avalia-se que essa cooperação internacional já vem de tempos antigos, acompanhando toda a história. Já no pensamento grego clássico, com a filosofia de Platão, a cooperação se mostrava necessária para a prevalência da paz sobre a guerra, nas então Cidades-Estados gregas. Com o passar dos tempos, ao chegar no período medieval, pode ser observado que a cooperação se deu nas estruturas da fé. Ou seja, a Igreja, os nobres e aqueles que representavam o poder se uniam em prol da prevalência do sistema feudal.

No entanto, foi com o mercantilismo e com a necessidade advinda do comércio, que se imaginou uma cooperação entre as leis. Com o passar dos tempos, a cooperação foi se mostrou necessária em diferentes contextos, tais como proteções territoriais, aliados em guerras, além de inúmeras outras situações relatadas pela História. Investiga-se que, na Europa, centro do pensamento do mundo até então, a ideia de cooperação se restringiu aos ideais teóricos, uma vez que os Estados se pautavam, essencialmente, em sua soberania. Para esboçar um pouco sobre esse histórico, dita-se por Marcovitch (1994, p. 152), que:

A cooperação internacional tem como um dos seus primeiros pressupostos a ideia da “alteridade”, isto é: o respeito de um Estado pela existência de outros Estados, cujos objetivos podem e devem ser por eles próprios traçados. […] Mas se o Sistema de Equilíbrio de Poder europeu permitiu o florescimento e a afirmação das ideias de independência e soberania, restringindo os sonhos de dominação universal, é igualmente certo se dizer que nele a noção de cooperação internacional no foi muito além da de alianças ocasionais entre as potências, com vistas a evitar o surgimento de um Estado hegemônico.

 

Nesse contexto, pode ser dito que só com o advento das duas grandes guerras, ocorridas no século 20, com o fenômeno cada vez mais intenso da globalização, com a crescente circulação de bens, capitais, serviços e pessoas, com o fim do mundo dividido pela Guerra Fria, além da criação de organismos multinacionais (empresas transnacionais, organizações internacionais, blocos regionais), é que a cooperação entre os Estados se demonstrou imprescindível.

No desenrolar histórico, entende-se que a cooperação internacional mudou seus parâmetros. Outrora, só se preocupava com a paz e, hoje, mais do que isso, preocupa-se com a manutenção da paz e, de igual maneira, com o próprio desenvolvimento.

Assim sendo, a cooperação internacional, de maneira ampla, pode ser entendida como o intercâmbio do país com o meio externo, com a finalidade de intensificar seu relacionamento em setores específico e de canalizar apoios para seu esforço de desenvolvimento. Dessa forma, pelo prisma ético, essa cooperação abrange as pessoas envolvidas em direção ao reconhecimento claramente de que elas não podem conseguir o que desejam sem a cooperação dos outros (SEN, 2011). Desenvolve um comportamento cooperativo diante da norma do grupo ou do país em benefício de todos.  

Exprime-se que, hoje, bem verdade, a própria cooperação acaba por ser alvo de críticas ferrenhas, sendo que muitos a consideram como um próprio meio de dominação. Acredita-se que, nesse contexto, não se pode generalizar. Pois, existem aqueles que se utilizam da cooperação como um recurso para se apoderar de vantagens, mas há também outros tantos que a transformaram em um instrumento de desenvolvimento, não distorcendo seus significados.

Nesse contexto, importante se faz caracterizar algumas situações atuais que se levam em conta para que a cooperação não perca a sua coerência, efetividade e confiabilidade, sendo tais:

a) a vigência da democracia e dos direitos humanos, com preferência à democracia representativa, reforçando a política de suspensão de ajuda em caso de ruptura institucional ou violações massivas de direitos humanos;

b) o reforço da economia de mercado, exigindo reformas e redução do tamanho do Estado nesse campo, com a devida abertura comercial;

c) a redução do gasto militar, obrigando a limitar esse gasto nos países em desenvolvimento;

d) a defesa do meio ambiente, condicionando concretamente a ajuda internacional à existência de políticas de preservação e à sustentabilidade dos projetos de desenvolvimento;

e) o combate ao narcotráfico, outorgando recursos especiais aos países produtores em troca de colaboração na política de controle.

Como visto, pode-se dizer que a cooperação internacional é, sem dúvidas, o melhor meio de se alcançar, definitivamente, a paz, o desenvolvimento e, mais ainda, a noção de que o global deve ser aplicado ao local e vice-versa. Afinal, também, do ponto de vista econômico, pode-se reinventar um modo de produção e consumo baseados na cooperação das iniciativas locais que impactam no global (ZAOUAL, 2006).

Nesse sentido, aponta-se para uma ética do bem comum ou uma ética social baseada em uma nova economia das iniciativas locais como base de pertencimento, frente aos apelos totalitários da economia globalizada neoliberal. A ideia-base da economia de comunhão ou do bem comum é a de traduzir na prática aspectos da cooperação. Amplia-se, dessa maneira, uma política civilizatória que pode indicar para uma economia da solidariedade ao progredir em direção ao outro, portanto, aponta-se para a alteridade.

 

1.1 Classificação da Cooperação Internacional

 

A classificação da cooperação internacional acompanhou o próprio desenrolar da história humana. Adequou-se e se aprimorou no decorrer das necessidades que nela, até hoje, repousam.

Segundo sua classificação geral, a cooperação internacional pode ser dividida, segundo sua natureza, em: a) cooperação bilateral, como iniciativa entre dois países; b) cooperação multilateral, como iniciativa entre mais de dois países, podendo contar com a presença de organismos internacionais; e c) cooperação trilateral, como iniciativa envolvendo dois países em desenvolvimento e um país doador ou dois países doadores e um em desenvolvimento.

Adentrando a esse entendimento, importante ressaltar que após a Segunda Guerra Mundial, como já fora dito, observou-se o surgimento de organismos internacionais, os quais, até hoje, contribuem para a implementação do desenvolvimento nos Estados (BERRO; BARREIRO, 1997). E que as Organizações das Nações Unidas (ONU), como órgão universal, participam ativamente dessa busca por desenvolvimento, sendo alguns de seus órgãos indispensáveis à materialização da cooperação, quais sejam: a Assembleia Geral e o Conselho Econômico e Social; o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNDU); o Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF); a Conferência das Nações Unidas para o Comércio e o Desenvolvimento (UNCTAD); o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA); e o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR).

Outros órgãos regionais também contribuem para que sejam possíveis a cooperação internacional e o consequente desenvolvimento integral dos Estados, sendo que os mais necessitados acabam por serem os países com menos recursos financeiros.

O que se observa, nesse sentido, é uma maior institucionalização da própria cooperação internacional, mas o que não pode ser esquecido, segundo Hurrell (1995), é que não há qualquer relação direta entre essa institucionalização e sua eficácia no contexto em pauta.

Ao se tecer tais considerações, a cooperação se divide, ainda, segundo seu tipo, como cooperação financeira, descentralizada, para o desenvolvimento, técnica, jurídica, bilateral e multilateral, oficial, dentre outras.

Nesse trabalho, recorta-se, de maneira detalha, a cooperação jurídica internacional[3], passando-se, nesse momento, à análise e discussão de alguns pontos e conceitos desse tipo de cooperação.

 

1.2 Cooperação Jurídica Internacional

 

A cooperação jurídica internacional – demonstrando-se como uma das espécies da própria cooperação internacional – vem sendo considerada, dia pós dia, como uma ferramenta indispensável ao auxílio dos Estados em diversos nos mais variados âmbitos jurídicos, com a sua utilização na uniformização e harmonização de institutos que possuem aplicação extraterritorial, no auxílio na prevenção e combate de crimes transfronteiriços, na mais fácil regulamentação e controle das empresas transnacionais, entre tantos outros exemplos.

Para melhor compreensão do que vem a ser esse instituto, transcreve-se as ideia de Silva (2006 p. 173), por ilustrar bem o que se quer compreender:

A cooperação jurídica internacional deve ser compreendida como um intercâmbio amplo entre Estados soberanos, de atos públicos – legislativos, administrativos e judiciais -, e destinada à segurança e estabilidade das relações transnacionais. A denominada cooperação interjurisdicional, típica entre tribunais de diversos Estados, alcança os atos judiciais jurisdicionais propriamente ditos e os atos judiciais não decisórios, os de mera comunicação processual (citação, notificação e intimação) e os de instrução probatória.

 

Tendo em vista tal conceito, ainda assim, num contexto de globalização e a consequente intensificação das relações entre Estados e sujeitos sob diferentes tutelas jurisdicionais, essa cooperação jurídica se encontra aquém do que as necessidades demandam. Sendo que há muito que se desenvolver segundo seus prismas, para que atendam, de maneira enérgica, as demandas que as relações sob a sua tutela demandam.

Em relação ao Brasil, diz-se que o Estado participa do movimento da própria comunidade internacional, que tem se empenhado, de maneira enérgica, para que a cooperação internacional venha a se materializar por intermédio de protocolos internacionais. Tanto os instrumentos internacionais de caráter bi, como multilateral têm sido, ao longo dos tempos, ratificados e transformados em lei interna pelo Brasil, como o intuito de transparecer, cada vez mais, a materialização dessa cooperação.

Assim compreendido, vale salientar que a cooperação está dividida em ativa, quando a autoridade do país solicita alguma medida administrativa ou judicial em outro; passiva, quando a autoridade recebe uma solicitação de um país; ou espontânea, de acordo com os instrumentos internacionais ratificados pelo Brasil.

Outra classificação interessante para este estudo é a de que a cooperação jurídica internacional tem ligação ao seu conteúdo: pode ser penal – quando da instrução inquisitorial ou processual, policial ou civil, em sentido amplo.

No campo penal, a cooperação pode se destinar à feitura de atos instrutórios de impulso processual (citações, notificações, intimações) e atos executórios (extradição, privação de liberdade, obtenção de provas orais ou provas documentais, entrega vigiada e constrição de bens). Já a cooperação de matéria policial se dá por intermédio da Interpol (Polícia Internacional), quando for necessária a captura de criminosos internacionais.

No que tange à área cível, visa a prática de atos instrutórios de impulso processual (citações, notificações, intimações) ou executórios (produção de provas, constrição de bens, repatriação de ativos, execução de sentenças e outras medidas).

Dessa forma, o presente trabalho também quer focar na cooperação jurídica internacional cível, ao analisar o instituto do auxílio direto que, mais especificamente, tanto se atém às demandas advindas das transformações do Direito na era digital.

 

3. O AUXÍLIO DIRETO

 

O pedido de auxílio direto – chamado de pedido de assistência legal, solicitação de auxílio jurídico, pedido de cooperação legal ou request for legal assistance – irá atender os campos civis e penais, sendo uma solicitação para realização de atos processuais (citações, intimações, notificações e oitivas, investigação, quebras de sigilo, bloqueio de bens, oitiva de testemunhas e investigados).

Vale pontuar que o auxílio direto depende, no Brasil, da existência de algum documento multilateral ou bilateral que comprove a cooperação recíproca com o país que se trata sobre o pedido de auxílio direto. Esse instrumento deve, também, expressar a dispensa da emissão da carta rogatória para as questões anteriormente descrita entre o Brasil e um outro Estado.

Estima-se que são nesses instrumentos que os Estados podem, de forma mais enérgica, desenvolverem o instituto do pedido de auxílio direto e desconsiderarem a já ultrapassada carta rogatória.

O auxílio direto surgiu com a Convenção de Nova York sobre Prestação de Alimentos no Exterior[4] (cooperação civil) e fora posteriormente confirmado pelo Acordo de Assistência Legal Mútua em Matéria Penal[5] (cooperação penal), pela Convenção de Palermo[6] (cooperação em matéria de lavagem de dinheiro) e pela Convenção de Mérida[7] (cooperação em matéria de corrupção).

Tal como a carta rogatória, o pedido de auxílio direto divide-se em auxílio direto ativo (pedido feito pela autoridade brasileira a um outro Estado) e em auxílio direto passivo (pedido feito pela autoridade de um outro Estado à brasileira).

Pontua-se que o pedido de auxílio passivo depende de mera solicitação, sendo o pedido deferido ou não pelo judiciário brasileiro, provando, mais uma vez, a sua maior celeridade em comparação com outros instrumentos da cooperação jurídica internacional.

 

3.1 Requisitos do Auxílio Direto

 

Os pedidos de auxílio direto passivo são recebidos no Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Judiciária Internacional do Ministério da Justiça (DRCI), sendo ali analisados. Se preencherem os requisitos, então são encaminhados à autoridade competente. Se não os preencherem, necessitando serem corrigidos, complementados ou alterados, são devolvidos à autoridade remetente para que essa então o faça corretamente.

Apesar de possuírem requisitos, esses se mostram muito mais facilmente preenchidos que os da carta rogatória, sendo eles assim descritos: a) base legal por meio da qual se efetua a solicitação – acordo ou garantia de reciprocidade; b) indicação da autoridade requerente; c) indicação das autoridades centrais requerente e requerida; d) sumário contendo número(s) e síntese(s) do(s) procedimento(s) ou processo(s) no país requerente os quais servem de base ao pedido de cooperação; e) qualificação completa de precisa das pessoas às quais o pedido se refere (nome, sobrenome, nacionalidade, lugar de nascimento, endereço, data de nascimento, e, sempre que possível, nome da genitora, profissão e número do passaporte); f) narrativa clara, objetiva, concisa e completa, no próprio texto do pedido de cooperação jurídica internacional, e base factual que lhe deu origem (…); g) referência e transcrição literal e integral do texto dos dispositivos legais aplicáveis, destacando-se, em matéria criminal, os tipos penais; h) descrição detalhada do auxílio solicitado, (…); i) descrição do objeto do pedido de cooperação jurídica internacional; j) qualquer outra informação que possa ser útil à autoridade requerida, para os efeitos de facilitar o cumprimento do pedido de cooperação jurídica internacional; k) outras informações solicitadas pelo Estado requerido; e l) assinatura da autoridade requerente, loca e data.

No que concerne ao pedido de auxílio direto ativo, o próprio Ministério da Justiça brasileira, mais especificamente, o DRCI, disponibiliza um modelo de formulário para o próprio auxílio direto.

 

3.2 Defesa da Constitucionalidade do Pedido Auxílio Direto

 

Muito tem se debatido se o pedido de auxílio direto é ou não uma medida constitucional, cabível de ser aplicada, indiscutivelmente, no direito brasileiro. A querela sobre sua constitucionalidade repousa, primeiramente, sobre o possível conflito de competência que pode ser gerado, uma vez que o art. 7°, da Resolução n.09, não especificou quais casos devem ser aplicadas as cartas rogatórias (sendo competência do STJ) e em quais deve incidir o pedido de auxílio direto, caso em que a competência será de juízes de primeiro ou segundo grau e muitos podem entender que esses terão, então, competência internacional.

Para embasar a ideia de que o instituto de auxílio direto é constitucionalmente aceito, transcreve-se o entendimento de Araujo (2004, p. 124):

Prevê a devolução ao Ministério da Justiça para cumprimento de pedidos que não ensejam juízo de delibação, ainda que tenham sido encaminhados ao STJ por meio de cartas rogatórias (art. 7°, parágrafo único). O STJ já estava sinalizando nesta direção quando recebia pedidos de informação do direito estrangeiro, que tecnicamente não são medidas judiciais, ou quando houvesse tratado e a diligência pudesse ser cumprida diretamente. É que como os sistemas jurídicos são distintos, pode ocorrer que determinado pedido que pode ser cumprido diretamente, sem necessidade de análise por parte da autoridade judicial, seja erroneamente encaminhado ao Tribunal apenas por conta de ser titulado como carta rogatória. É o caso, por exemplo, quando o tribunal estrangeiro necessita de uma certidão ou informação sobre o andamento de um processo, o que não precisa ser objeto de análise quanto à sua admissibilidade e se em conformidade com o ordenamento jurídico nacional, por serem públicas tais informações.

Por mais que esteja transparentemente o pedido de auxílio direto conforma-se com o ordenamento jurídico brasileiro, há aqueles que defendem a ideia de que a competência do STJ para a concessão do exequatur de carta rogatória – e até mesmo para a homologação de sentença estrangeira – está prevista na própria Constituição brasileira. Enquanto o pedido de auxílio direto vem a ser, por assim dizer, uma construção doutrinária que não encontra parâmetros taxativos sequer na Resolução n. 09 do STJ.

Acontece que, como já fora anteriormente descrito, o pedido de auxílio direto encontra parâmetros delimitados pelo próprio Ministério da Justiça, por intermédio do  Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica Internacional (DRCI) e, ainda, somente poderá ser utilizado quando o Brasil possuir tratado bi ou multilateral, prevendo a cooperação judiciária internacional por intermédio, também, do pedido de auxílio direto, com o país estrangeiro que se pretende fazer uso de tal instituto.

Dessa maneira, aqueles que defendem a inconstitucionalidade do pedido de auxílio direto parecem não levar em consideração que no art. 5°, parágrafo 2°, da própria Constituição Federal de 1988 (BRASIL, 1988). Onde há a previsão de que os direitos e garantias, adotados por tratados pelo Brasil, não serão excluídos do próprio ordenamento jurídico.

Assim sendo, prevendo a necessidade de um documento internacional que o Brasil seja parte legítima para a utilização do instituto do auxílio direto, fica mais do que claro a sua própria constitucionalidade.

Outro ponto que deve ser levado em consideração é o de que o debate acerca da constitucionalidade do instituto, sendo esse um instrumento de cooperação jurídica entre os Estados, está abarcado no próprio conceito de solidariedade[8] (MENEZES, 2007), tão presente no Direito Internacional contemporâneo e, também, na atual Constituição brasileira.

Nesse sentido, quando se tem em mente o artigo 4° da Constituição (BRASIL, 1988)[9], imagina-se que o princípio da solidariedade, no âmbito das relações internacionais que o Brasil desenvolve, deixa de ser, até mesmo, uma faculdade para se tornar uma obrigatoriedade, contida, como visto, no documento legal de maior expressão no país.

Mais uma vez, como justificativa constitucional, prova-se que o auxílio direto merece, sim, ser considerado constitucional, em conformidade com as leis brasileiras. E, mais ainda, deve vir a ser utilizado, uma vez que permite a maior e melhor cooperação jurídica entre os Estados.

Além disso, como já fora dito, o pedido de auxílio direto só vem facilitar a celeridade judicial e a produção do resultado do processo judicial em tempo hábil, seja este correndo aqui ou em uma jurisdição estrangeira.

 

4. CONCLUSÃO

 

Os efeitos da crescente globalização, que se alastraram das mais variadas formas e em praticamente todo o planeta, incidiram nos âmbitos da vida social, cultural e econômica, vindo a serem observados, inclusive, no próprio Direito. A esse respeito, a globalização pode, inclusive, deixar sequelas quanto à contemplação de uma novo caráter social que surge na sociedade moderna, que é a de que há um sujeito não cooperativo, despreparado para lidar com a complexidade e a diferença (SENNETT, 2012).

A cooperação jurídica internacional é, sem dúvidas, o instituto do Direito que melhor se adequa aos novos conceitos globais, uma vez que seu âmbito de aplicação depende dos novos contornos advindos das relações internacionais, tanto entre sujeitos, como entre Estados. Afinal, a sociedade se amplia e se enriquece quando capacita a cada um de seus cidadãos, e sobretudo quando os capacita para a cooperação.

Apesar de seus conceitos, em linhas gerais, guardarem ligação com a atual realidade em que se apresenta, seus principais institutos foram, ao longo dos tempos, adequando e aprimorando-se.

O primeiro deles, a cooperação internacional propriamente dita, veio a desenvolver-se segundo os avanços e a necessidades da própria história, sendo que, hoje, auxilia o combate dos crimes transnacionais e a instrução de demandas cíveis. Dependeu, em contextos recentes, especialmente do comprometimento dos Estados em nível internacional, por intermédio de tratados sobre o tema.

Referindo-se à tramitação de atos processuais, pode-se dizer que, apesar da carta rogatória ainda ser o instrumento mais presente na realização de tais atos, a tendência é que outros instrumentos – especialmente os pedidos de auxílio direto -, quando forem possíveis de aplicarem-se no caso concreto – substituam-na, garantindo a eficácia máxima desse próprio ramo da cooperação jurídica internacional.

Em suma, com esse estudo, o que se pôde constatar é que, na atualidade, a cooperação jurídica internacional guarda grande relevância para o desenvolvimento não apenas do Direito, mas sim de toda sociedade digital e interconectada de um modo geral.

 

REFERÊNCIAS

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[1] Doutor em Educação pela Universidade de Brasília; mestre em Psicologia; MBA em Administração Acadêmica e Universitária; especialista em Administração e Planejamento Escolar; licenciado em Filosofia. Membro do Instituto dos Irmãos Maristas. Exerce os cargos de Professor Colaborador do Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu de Educação e de Coordenador de Internacionalização da Universidade Católica de Brasília. Conselheiro de Administração do Marista Brasil, UBEE-UNBEC e PMBCN.

[2] Doutora em Direito Internacional (PUC-SP). Professora do Programa de Pós-Graduação em Governança, Tecnologia e Inovação da Universidade Católica de Brasília. Professora do Programa de Pós-Graduação em Direito da Ambra University. Membro e parecerista da Academia Brasileira de Direito Internacional.  Membro e Pesquisadora da RED de Derecho América Latina y Caribe. Membro da Associação Iberoamericana de Derecho, Cultura Y Ambiente. Delegada da Diplomacia Civil para a Organização Mundial do Comércio (OMC) e para o Conselho Econômico e Social (ONU).

[3] Deixa-se de lado as expressões “cooperação interjurisdicional” e “cooperação judiciária internacional” para se utilizar o termo “cooperação jurídica internacional”. Uma vez que esta denota a ideia, também, dos pedidos feitos e/ou recebidos por autoridades da Polícia ou do Ministério Público.

[4] Incorporada à legislação brasileira pelo Decreto 56.826/1965.

[5] Decreto 3.810/2001.

[6] Decreto 5.015/2004.

[7] Decreto 5.687/2006.

[8] Segundo Wagner Menezes (2007): o Princípio da Solidariedade é a matriz do Direito Internacional contemporâneo, é o princípio que norteia a ação dos povos, dos Estados e das organizações internacionais e que pode conduzir à consciência coletiva da necessidade de uma sociedade internacional mais jurisdicionalizada.

[9] Artigo 4°: A República Federativa do Brasil rege-se nas suas relações internacionais pelos seguintes princípios: I – independência nacional; II – prevalência dos direitos humanos; III – autodeterminação dos povos; IV – não – intervenção; V – igualdade entre os Estados; VI – defesa da paz; VII – solução pacífica dos conflitos; VIII – repúdio ao terrorismo e ao racismo; IX – cooperação entre os povos para o progresso da humanidade; X – concessão de asilo político. 

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