Revista Iberoamericana de Derecho, Cultura y Ambiente
RIDCA - Edición Nº3 - Derecho Internacional
Fernando Tarapow - Priscila Caneparo. Directores
15 de julio de 2023
Aportes pedagógicos da cooperação jurídica internacional na era digital.
Aportes pedagógicos de la cooperación jurídica internacional en la era digital
Autores. Lúcio Gomes Dantas y Priscila Caneparo dos Anjos. Brasi.
Lúcio Gomes Dantas[1]
Priscila Caneparo dos Anjos[2]
1. INTRODUÇÃO
Em um contexto de
globalização, onde as fronteiras se diluem devido ao grande e rápido acesso à
informação, torna-se imprescindível que os Estados soberanos venham, na mesma
velocidade, adequar-se a essa nova sociedade global que está se consolidando,
cada vez mais.
Essa nova sociedade,
fortemente marcada pelo surgimento de um cidadão que desenvolve atividades e
relacionamentos além de suas fronteiras nacionais, vê-se na busca de
instrumentos que auxiliem novos paradigmas, fazendo com que surja, então, a
cooperação jurídica internacional.
A cooperação jurídica
internacional é um tema que ocupa muito dos estudos recentes. Uma vez que,
dependente da evolução dos conceitos de soberania estatal, só pôde se
desenvolver quando esta permitiu flexibilizações em seus entendimentos
tradicionais e que, comumente, está dividida em três grandes ramos: a
cooperação internacional propriamente dita, reconhecimento e execução de
sentenças alienígenas e tramitação internacional de atos processuais, a qual
pode ser dado por intermédio, basicamente, da carta rogatória, do pedido de
auxílio direto e da comunicação espontânea.
Na verdade, apesar do termo
cooperação jurídica internacional ocupar, hoje, parcela dos trabalhos
doutrinários, cada um de seus ramos possui uma forte construção de longa data,
guardando características, aplicações e evoluções próprias.
Nesse sentido, este trabalho
pretende realizar um estudo do auxílio direto, tendo em vista ser este o meio
mais ágil, eficaz e que corresponde às necessidades da era digital que, hoje, o
Direito se encontra. Compreende-se, ainda, que essa cooperação permeia um grupo
e permite que objetivos coletivos sejam atingidos por meio da combinação de
esforços individuais e colaborativos. No mundo digital, essa cooperação ocorre
cada vez mais em formatos inovadores, como em redes sociais, grupos de conversa
e cooperação online, tornando-se um recurso estratégico para pessoas e
organizações.
Ao abordar o método dedutivo
como abordagem metodológica de pesquisa, neste trabalho, considera-se que esta
lógica caminha do particular para o geral, ou seja, pesquisa-se diversas vezes
algum fato e se percebe a repetição do mesmo resultado, podendo ser suspeitado
como verdadeiro. Já com o método
indutivo se caminha
inversamente, ou seja, do geral para o particular, considera-se que se um
fenômeno ocorrer tal como vários os outros que acarretaram num mesmo resultado,
então esse terá o mesmo resultado já descrito.
2. A COOPERAÇÃO INTERNACIONAL
Acredita-se que para que a
cooperação jurídica internacional tenha alcançado as delimitações que hoje se
estabelecem, especialmente com o apoio de outros poderes judiciários para a
consolidação de direitos aos cidadãos, estejam onde estes estiverem, fora de
extrema importância, em um primeiro momento, o desenrolar da própria cooperação
internacional.
Avalia-se que essa
cooperação internacional já vem de tempos antigos, acompanhando toda a
história. Já no pensamento grego clássico, com a filosofia de Platão, a
cooperação se mostrava necessária para a prevalência da paz sobre a guerra, nas
então Cidades-Estados gregas. Com o passar dos tempos, ao chegar no período
medieval, pode ser observado que a cooperação se deu nas estruturas da fé. Ou
seja, a Igreja, os nobres e aqueles que representavam o poder se uniam em prol
da prevalência do sistema feudal.
No entanto, foi com o
mercantilismo e com a necessidade advinda do comércio, que se imaginou uma
cooperação entre as leis. Com o passar dos tempos, a cooperação foi se mostrou
necessária em diferentes contextos, tais como proteções territoriais, aliados
em guerras, além de inúmeras outras situações relatadas pela História. Investiga-se
que, na Europa, centro do pensamento do mundo até então, a ideia de cooperação se
restringiu aos ideais teóricos, uma vez que os Estados se pautavam,
essencialmente, em sua soberania. Para esboçar um pouco sobre esse histórico,
dita-se por Marcovitch (1994, p. 152), que:
A cooperação internacional tem como um
dos seus primeiros pressupostos a ideia da “alteridade”, isto é: o respeito de
um Estado pela existência de outros Estados, cujos objetivos podem e devem ser
por eles próprios traçados. […] Mas se o Sistema de Equilíbrio de Poder
europeu permitiu o florescimento e a afirmação das ideias de independência e
soberania, restringindo os sonhos de dominação universal, é igualmente certo se
dizer que nele a noção de cooperação internacional no foi muito além da de
alianças ocasionais entre as potências, com vistas a evitar o surgimento de um
Estado hegemônico.
Nesse contexto, pode ser
dito que só com o advento das duas grandes guerras, ocorridas no século 20, com
o fenômeno cada vez mais intenso da globalização, com a crescente circulação de
bens, capitais, serviços e pessoas, com o fim do mundo dividido pela Guerra
Fria, além da criação de organismos multinacionais (empresas transnacionais,
organizações internacionais, blocos regionais), é que a cooperação entre os
Estados se demonstrou imprescindível.
No desenrolar histórico,
entende-se que a cooperação internacional mudou seus parâmetros. Outrora, só se
preocupava com a paz e, hoje, mais do que isso, preocupa-se com a manutenção da
paz e, de igual maneira, com o próprio desenvolvimento.
Assim sendo, a cooperação
internacional, de maneira ampla, pode ser entendida como o intercâmbio do país
com o meio externo, com a finalidade de intensificar seu relacionamento em
setores específico e de canalizar apoios para seu esforço de desenvolvimento.
Dessa forma, pelo prisma ético, essa cooperação abrange as pessoas envolvidas
em direção ao reconhecimento claramente de que elas não podem conseguir o que
desejam sem a cooperação dos outros (SEN, 2011). Desenvolve um comportamento
cooperativo diante da norma do grupo ou do país em benefício de todos.
Exprime-se que, hoje, bem
verdade, a própria cooperação acaba por ser alvo de críticas ferrenhas, sendo
que muitos a consideram como um próprio meio de dominação. Acredita-se que,
nesse contexto, não se pode generalizar. Pois, existem aqueles que se utilizam
da cooperação como um recurso para se apoderar de vantagens, mas há também
outros tantos que a transformaram em um instrumento de desenvolvimento, não
distorcendo seus significados.
Nesse contexto, importante
se faz caracterizar algumas situações atuais que se levam em conta para que a
cooperação não perca a sua coerência, efetividade e confiabilidade, sendo tais:
a) a vigência da democracia
e dos direitos humanos, com preferência à democracia representativa, reforçando
a política de suspensão de ajuda em caso de ruptura institucional ou violações
massivas de direitos humanos;
b) o reforço da economia de
mercado, exigindo reformas e redução do tamanho do Estado nesse campo, com a
devida abertura comercial;
c) a redução do gasto
militar, obrigando a limitar esse gasto nos países em desenvolvimento;
d) a defesa do meio
ambiente, condicionando concretamente a ajuda internacional à existência de
políticas de preservação e à sustentabilidade dos projetos de desenvolvimento;
e) o combate ao
narcotráfico, outorgando recursos especiais aos países produtores em troca de
colaboração na política de controle.
Como visto, pode-se dizer que
a cooperação internacional é, sem dúvidas, o melhor meio de se alcançar,
definitivamente, a paz, o desenvolvimento e, mais ainda, a noção de que o
global deve ser aplicado ao local e vice-versa. Afinal, também, do ponto de
vista econômico, pode-se reinventar um modo de produção e consumo baseados na
cooperação das iniciativas locais que impactam no global (ZAOUAL, 2006).
Nesse
sentido, aponta-se para uma
ética do bem comum ou uma ética social baseada em uma nova economia das
iniciativas locais como base de pertencimento, frente aos apelos totalitários
da economia globalizada neoliberal. A ideia-base da economia de comunhão ou do
bem comum é a de traduzir na prática aspectos da cooperação. Amplia-se, dessa
maneira, uma política civilizatória que pode indicar para uma economia da
solidariedade ao progredir em direção ao outro, portanto, aponta-se para a
alteridade.
1.1 Classificação da Cooperação
Internacional
A classificação da
cooperação internacional acompanhou o próprio desenrolar da história humana. Adequou-se
e se aprimorou no decorrer das necessidades que nela, até hoje, repousam.
Segundo sua classificação
geral, a cooperação internacional pode ser dividida, segundo sua natureza, em:
a) cooperação bilateral, como iniciativa entre dois países; b) cooperação
multilateral, como iniciativa entre mais de dois países, podendo contar com a
presença de organismos internacionais; e c) cooperação trilateral, como iniciativa
envolvendo dois países em desenvolvimento e um país doador ou dois países
doadores e um em desenvolvimento.
Adentrando a esse
entendimento, importante ressaltar que após a Segunda Guerra Mundial, como já
fora dito, observou-se o surgimento de organismos internacionais, os quais, até
hoje, contribuem para a implementação do desenvolvimento nos Estados (BERRO;
BARREIRO, 1997). E que as Organizações das Nações Unidas (ONU), como órgão
universal, participam ativamente dessa busca por desenvolvimento, sendo alguns
de seus órgãos indispensáveis à materialização da cooperação, quais sejam: a
Assembleia Geral e o Conselho Econômico e Social; o Programa das Nações Unidas
para o Desenvolvimento (PNDU); o Fundo das Nações Unidas para a Infância
(UNICEF); a Conferência das Nações Unidas para o Comércio e o Desenvolvimento
(UNCTAD); o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA); e o Alto
Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR).
Outros órgãos regionais também
contribuem para que sejam possíveis a cooperação internacional e o consequente
desenvolvimento integral dos Estados, sendo que os mais necessitados acabam por
serem os países com menos recursos financeiros.
O que se observa, nesse
sentido, é uma maior institucionalização da própria cooperação internacional,
mas o que não pode ser esquecido, segundo Hurrell (1995), é que não há qualquer
relação direta entre essa institucionalização e sua eficácia no contexto em
pauta.
Ao se tecer tais
considerações, a cooperação se divide, ainda, segundo seu tipo, como cooperação
financeira, descentralizada, para o desenvolvimento, técnica, jurídica,
bilateral e multilateral, oficial, dentre outras.
Nesse trabalho, recorta-se,
de maneira detalha, a cooperação jurídica internacional[3], passando-se, nesse
momento, à análise e discussão de alguns pontos e conceitos desse tipo de
cooperação.
1.2 Cooperação Jurídica Internacional
A cooperação jurídica
internacional – demonstrando-se como uma das espécies da própria cooperação
internacional – vem sendo considerada, dia pós dia, como uma ferramenta
indispensável ao auxílio dos Estados em diversos nos mais variados âmbitos
jurídicos, com a sua utilização na uniformização e harmonização de institutos
que possuem aplicação extraterritorial, no auxílio na prevenção e combate de
crimes transfronteiriços, na mais fácil regulamentação e controle das empresas
transnacionais, entre tantos outros exemplos.
Para melhor compreensão do
que vem a ser esse instituto, transcreve-se as ideia de Silva (2006 p. 173),
por ilustrar bem o que se quer compreender:
A cooperação jurídica internacional deve
ser compreendida como um intercâmbio amplo entre Estados soberanos, de atos
públicos – legislativos, administrativos e judiciais -, e destinada à segurança
e estabilidade das relações transnacionais. A denominada cooperação
interjurisdicional, típica entre tribunais de diversos Estados, alcança os atos
judiciais jurisdicionais propriamente ditos e os atos judiciais não decisórios,
os de mera comunicação processual (citação, notificação e intimação) e os de
instrução probatória.
Tendo em vista tal conceito,
ainda assim, num contexto de globalização e a consequente intensificação das
relações entre Estados e sujeitos sob diferentes tutelas jurisdicionais, essa
cooperação jurídica se encontra aquém do que as necessidades demandam. Sendo
que há muito que se desenvolver segundo seus prismas, para que atendam, de
maneira enérgica, as demandas que as relações sob a sua tutela demandam.
Em relação ao Brasil, diz-se
que o Estado participa do movimento da própria comunidade internacional, que
tem se empenhado, de maneira enérgica, para que a cooperação internacional
venha a se materializar por intermédio de protocolos internacionais. Tanto os
instrumentos internacionais de caráter bi, como multilateral têm sido, ao longo
dos tempos, ratificados e transformados em lei interna pelo Brasil, como o
intuito de transparecer, cada vez mais, a materialização dessa cooperação.
Assim compreendido, vale
salientar que a cooperação está dividida em ativa, quando a autoridade do país
solicita alguma medida administrativa ou judicial em outro; passiva, quando a
autoridade recebe uma solicitação de um país; ou espontânea, de acordo com os
instrumentos internacionais ratificados pelo Brasil.
Outra classificação
interessante para este estudo é a de que a cooperação jurídica internacional tem
ligação ao seu conteúdo: pode ser penal – quando da instrução inquisitorial ou
processual, policial ou civil, em sentido amplo.
No campo penal, a cooperação
pode se destinar à feitura de atos instrutórios de impulso processual
(citações, notificações, intimações) e atos executórios (extradição, privação
de liberdade, obtenção de provas orais ou provas documentais, entrega vigiada e
constrição de bens). Já a cooperação de matéria policial se dá por intermédio da
Interpol (Polícia Internacional), quando for necessária a captura de criminosos
internacionais.
No que tange à área cível,
visa a prática de atos instrutórios de impulso processual (citações,
notificações, intimações) ou executórios (produção de provas, constrição de
bens, repatriação de ativos, execução de sentenças e outras medidas).
Dessa forma, o presente
trabalho também quer focar na cooperação jurídica internacional cível, ao analisar
o instituto do auxílio direto que, mais especificamente, tanto se atém às
demandas advindas das transformações do Direito na era digital.
3. O AUXÍLIO DIRETO
O pedido de auxílio direto –
chamado de pedido de assistência legal, solicitação de auxílio jurídico,
pedido de cooperação legal ou request for legal assistance – irá
atender os campos civis e penais, sendo uma solicitação para realização de atos
processuais (citações, intimações, notificações e oitivas, investigação,
quebras de sigilo, bloqueio de bens, oitiva de testemunhas e investigados).
Vale pontuar que o auxílio
direto depende, no Brasil, da existência de algum documento multilateral ou
bilateral que comprove a cooperação recíproca com o país que se trata sobre o
pedido de auxílio direto. Esse instrumento deve, também, expressar a dispensa
da emissão da carta rogatória para as questões anteriormente descrita entre o
Brasil e um outro Estado.
Estima-se que são nesses
instrumentos que os Estados podem, de forma mais enérgica, desenvolverem o
instituto do pedido de auxílio direto e desconsiderarem a já ultrapassada carta
rogatória.
O auxílio direto surgiu com
a Convenção de Nova York sobre Prestação de Alimentos no Exterior[4] (cooperação civil) e fora
posteriormente confirmado pelo Acordo de Assistência Legal Mútua em Matéria
Penal[5] (cooperação penal), pela
Convenção de Palermo[6] (cooperação em matéria de lavagem
de dinheiro) e pela Convenção de Mérida[7] (cooperação em matéria de
corrupção).
Tal como a carta rogatória,
o pedido de auxílio direto divide-se em auxílio direto ativo (pedido
feito pela autoridade brasileira a um outro Estado) e em auxílio direto
passivo (pedido feito pela autoridade de um outro Estado à brasileira).
Pontua-se que o pedido de
auxílio passivo depende de mera solicitação, sendo o pedido deferido ou não
pelo judiciário brasileiro, provando, mais uma vez, a sua maior celeridade em
comparação com outros instrumentos da cooperação jurídica internacional.
3.1 Requisitos do Auxílio Direto
Os pedidos de auxílio
direto passivo são recebidos no Departamento de Recuperação de Ativos e
Cooperação Judiciária Internacional do Ministério da Justiça (DRCI), sendo ali
analisados. Se preencherem os requisitos, então são encaminhados à autoridade
competente. Se não os preencherem, necessitando serem corrigidos,
complementados ou alterados, são devolvidos à autoridade remetente para que
essa então o faça corretamente.
Apesar de possuírem
requisitos, esses se mostram muito mais facilmente preenchidos que os da carta
rogatória, sendo eles assim descritos: a) base legal por meio da qual se efetua
a solicitação – acordo ou garantia de reciprocidade; b) indicação da autoridade
requerente; c) indicação das autoridades centrais requerente e requerida; d)
sumário contendo número(s) e síntese(s) do(s) procedimento(s) ou processo(s) no
país requerente os quais servem de base ao pedido de cooperação; e)
qualificação completa de precisa das pessoas às quais o pedido se refere (nome,
sobrenome, nacionalidade, lugar de nascimento, endereço, data de nascimento, e,
sempre que possível, nome da genitora, profissão e número do passaporte); f)
narrativa clara, objetiva, concisa e completa, no próprio texto do pedido de
cooperação jurídica internacional, e base factual que lhe deu origem (…); g)
referência e transcrição literal e integral do texto dos dispositivos legais
aplicáveis, destacando-se, em matéria criminal, os tipos penais; h) descrição
detalhada do auxílio solicitado, (…); i) descrição do objeto do pedido de
cooperação jurídica internacional; j) qualquer outra informação que possa ser
útil à autoridade requerida, para os efeitos de facilitar o cumprimento do
pedido de cooperação jurídica internacional; k) outras informações solicitadas
pelo Estado requerido; e l) assinatura da autoridade requerente, loca e data.
No que concerne ao pedido
de auxílio direto ativo, o próprio Ministério da Justiça brasileira, mais
especificamente, o DRCI, disponibiliza um modelo de formulário para o próprio
auxílio direto.
3.2 Defesa da Constitucionalidade do
Pedido Auxílio Direto
Muito tem se debatido se o
pedido de auxílio direto é ou não uma medida constitucional, cabível de ser
aplicada, indiscutivelmente, no direito brasileiro. A querela sobre sua
constitucionalidade repousa, primeiramente, sobre o possível conflito de
competência que pode ser gerado, uma vez que o art. 7°, da Resolução n.09, não
especificou quais casos devem ser aplicadas as cartas rogatórias (sendo
competência do STJ) e em quais deve incidir o pedido de auxílio direto, caso em
que a competência será de juízes de primeiro ou segundo grau e muitos podem
entender que esses terão, então, competência internacional.
Para embasar a ideia de que
o instituto de auxílio direto é constitucionalmente aceito, transcreve-se o
entendimento de Araujo (2004, p. 124):
Prevê
a devolução ao Ministério da Justiça para cumprimento de pedidos que não
ensejam juízo de delibação, ainda que tenham sido encaminhados ao STJ por meio
de cartas rogatórias (art. 7°, parágrafo único). O STJ já estava sinalizando
nesta direção quando recebia pedidos de informação do direito estrangeiro, que
tecnicamente não são medidas judiciais, ou quando houvesse tratado e a diligência
pudesse ser cumprida diretamente. É que como os sistemas jurídicos são
distintos, pode ocorrer que determinado pedido que pode ser cumprido
diretamente, sem necessidade de análise por parte da autoridade judicial, seja
erroneamente encaminhado ao Tribunal apenas por conta de ser titulado como
carta rogatória. É o caso, por exemplo, quando o tribunal estrangeiro necessita
de uma certidão ou informação sobre o andamento de um processo, o que não
precisa ser objeto de análise quanto à sua admissibilidade e se em conformidade
com o ordenamento jurídico nacional, por serem públicas tais informações.
Por
mais que esteja transparentemente o pedido de auxílio direto conforma-se com o
ordenamento jurídico brasileiro, há aqueles que defendem a ideia de que a
competência do STJ para a concessão do exequatur de carta rogatória – e
até mesmo para a homologação de sentença estrangeira – está prevista na própria
Constituição brasileira. Enquanto o pedido de auxílio direto vem a ser, por
assim dizer, uma construção doutrinária que não encontra parâmetros taxativos
sequer na Resolução n. 09 do STJ.
Acontece
que, como já fora anteriormente descrito, o pedido de auxílio direto encontra
parâmetros delimitados pelo próprio Ministério da Justiça, por intermédio do Departamento de Recuperação de Ativos e
Cooperação Jurídica Internacional (DRCI) e, ainda, somente poderá ser utilizado
quando o Brasil possuir tratado bi ou multilateral, prevendo a cooperação
judiciária internacional por intermédio, também, do pedido de auxílio direto,
com o país estrangeiro que se pretende fazer uso de tal instituto.
Dessa
maneira, aqueles que defendem a inconstitucionalidade do pedido de auxílio
direto parecem não levar em consideração que no art. 5°, parágrafo 2°, da
própria Constituição Federal de 1988 (BRASIL, 1988). Onde há a previsão de que
os direitos e garantias, adotados por tratados pelo Brasil, não serão excluídos
do próprio ordenamento jurídico.
Assim
sendo, prevendo a necessidade de um documento internacional que o Brasil seja
parte legítima para a utilização do instituto do auxílio direto, fica mais do
que claro a sua própria constitucionalidade.
Outro
ponto que deve ser levado em consideração é o de que o debate acerca da
constitucionalidade do instituto, sendo esse um instrumento de cooperação
jurídica entre os Estados, está abarcado no próprio conceito de solidariedade[8] (MENEZES, 2007), tão
presente no Direito Internacional contemporâneo e, também, na atual
Constituição brasileira.
Nesse
sentido, quando se tem em mente o artigo 4° da Constituição (BRASIL, 1988)[9], imagina-se que o
princípio da solidariedade, no âmbito das relações internacionais que o Brasil
desenvolve, deixa de ser, até mesmo, uma faculdade para se tornar uma
obrigatoriedade, contida, como visto, no documento legal de maior expressão no
país.
Mais
uma vez, como justificativa constitucional, prova-se que o auxílio direto
merece, sim, ser considerado constitucional, em conformidade com as leis
brasileiras. E, mais ainda, deve vir a ser utilizado, uma vez que permite a maior
e melhor cooperação jurídica entre os Estados.
Além
disso, como já fora dito, o pedido de auxílio direto só vem facilitar a
celeridade judicial e a produção do resultado do processo judicial em tempo
hábil, seja este correndo aqui ou em uma jurisdição estrangeira.
4. CONCLUSÃO
Os efeitos da crescente
globalização, que se alastraram das mais variadas formas e em praticamente todo
o planeta, incidiram nos âmbitos da vida social, cultural e econômica, vindo a
serem observados, inclusive, no próprio Direito. A esse respeito, a
globalização pode, inclusive, deixar sequelas quanto à contemplação de uma novo
caráter social que surge na sociedade moderna, que é a de que há um sujeito não
cooperativo, despreparado para lidar com a complexidade e a diferença (SENNETT,
2012).
A cooperação jurídica
internacional é, sem dúvidas, o instituto do Direito que melhor se adequa aos
novos conceitos globais, uma vez que seu âmbito de aplicação depende dos novos
contornos advindos das relações internacionais, tanto entre sujeitos, como
entre Estados. Afinal, a sociedade se amplia e se enriquece quando capacita a
cada um de seus cidadãos, e sobretudo quando os capacita para a cooperação.
Apesar de seus conceitos, em
linhas gerais, guardarem ligação com a atual realidade em que se apresenta,
seus principais institutos foram, ao longo dos tempos, adequando e
aprimorando-se.
O primeiro deles, a
cooperação internacional propriamente dita, veio a desenvolver-se segundo os
avanços e a necessidades da própria história, sendo que, hoje, auxilia o
combate dos crimes transnacionais e a instrução de demandas cíveis. Dependeu,
em contextos recentes, especialmente do comprometimento dos Estados em nível
internacional, por intermédio de tratados sobre o tema.
Referindo-se à tramitação de
atos processuais, pode-se dizer que, apesar da carta rogatória ainda ser o
instrumento mais presente na realização de tais atos, a tendência é que outros
instrumentos – especialmente os pedidos de auxílio direto -, quando forem
possíveis de aplicarem-se no caso concreto – substituam-na, garantindo a
eficácia máxima desse próprio ramo da cooperação jurídica internacional.
Em suma, com esse estudo, o
que se pôde constatar é que, na atualidade, a cooperação jurídica internacional
guarda grande relevância para o desenvolvimento não apenas do Direito, mas sim
de toda sociedade digital e interconectada de um modo geral.
REFERÊNCIAS
AMORIM,
Edgar Carlos. Direito Internacional Privado. Rio de Janeiro: Forense,
2000.
ARAUJO,
Nádia de. Direito Internacional Privado: teoria e prática brasileira.
2 ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2004.
BARCELOS,
Andréa Beatriz Rodrigues. Cooperação internacional para recuperação de ativos provenientes
de lavagem de capitais. Revista Jurídica do Ministério Público do Estado de
Minas Gerais, Belo Horizonte, n. 7, jul./dez. 2006.
BERRO,
Mariano; BARREIRO, Fernando; CRUZ, Anabel. América
Latina y la Cooperación Internacional. Uruguai: Rosgal S.A., 1997.
BRANT, Leonardo Nemer Caldeira. O Brasil e
os novos desafios do Direito Internacional. Rio de Janeiro: Forense, 2004.
BRASIL.
[Constituição (1988)]. Constituição da República Federativa do Brasil.
Brasília, DF: Senado Federal, 2016. 496 p. Disponível em: https://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/518231/CF88_Livro_EC91_2016.pdf
Acesso em: 02 jul. 2023.
CASELLA,
Paulo Borba. Cooperação judiciária internacional. Rio de Janeiro:
Renovar, 2002.
COSNARD,
Michel. La Soumission des États aux Tribunaux Internes. Paris: Éditions A. Pedone, 1996.
DAVIN,
João. A criminalidade organizada transnacional: a cooperação judiciária
e policial na EU. Coimbra: Livraria Almedina, 2004.
DEL’OLMO,
Florisbal de Souza. Direito Internacional Privado: abordagens, legislação,
jurisprudência. Rio de Janeiro: Forense, 2006.
DOLINGER,
Jacob. Direito Internacional Privado: Parte Geral. 9 ed. Rio de
Janeiro: Renovar, 2008.
HURRELL,
Andrew. O Ressurgimento do Regionalismo na Política Mundial. Contexto
Internacional, Rio de Janeiro, v. 17, n. 1, p. 23-59, jan./jun. 1995.
Disponível em: https://www.academia.edu/7311651/O_ressurgimento_do_regionalismo_na_politica_mundial_Hurrel
Acesso em: 23 jun. 2023.
MARCOVITCH,
Jacques. Cooperação Internacional: Estratégia e Gestão. São
Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1994.
MAYER, Pierre; HEUZÉ, Vincent. Droit International Prive. 7 ed. Paris:
Montchrestien, 2001.
MENEZES, Wagner. Direito Internacional na
América Latina. Curitiba: Juruá, 2007.
RECHSTEINER,
Beat Walter. Direito
Internacional Privado:
teoria e prática. 6 ed. São Paulo: Saraiva, 2007.
REZEK,
Francisco. Direito Internacional Público. 10 ed. São Paulo: Saraiva,
2005.
RIGAUX,
François. Derecho Internacional Privado: parte general. Madrid:
Civitas, 1985.
SEN,
Amartya. A ideia de Justiça. São Paulo: Companhia das Letras, 2011.
SENNETT,
Richard. Juntos: os rituais, os prazeres e a política da cooperação. Rio
de Janeiro: Record, 2012.
SILVA,
Ricardo Perlingeiro Mendes da. Cooperação jurídica internacional e Auxílio
Direito. Revista CEJ, Brasília, v. 10, n. 32, p. 75-79, jan./mar. 2006.
Disponível em: //revistacej.cjf.jus.br/cej/index.php/revcej/article/view/701. Acesso
em: 20 maio 2023.
ZAOUAL, Hassan. Nova economia das iniciativas
locais: uma introdução ao pensamento pós-global. Rio de Janeiro: DP&A;
Consulado Geral da França; COOPE/UFRJ, 2006.
[1] Doutor
em Educação pela Universidade de Brasília; mestre em Psicologia; MBA em
Administração Acadêmica e Universitária; especialista em Administração e
Planejamento Escolar; licenciado em Filosofia. Membro do Instituto dos Irmãos
Maristas. Exerce os cargos de Professor Colaborador do Programa de
Pós-Graduação Stricto Sensu de Educação e de Coordenador de
Internacionalização da Universidade Católica de Brasília. Conselheiro de
Administração do Marista Brasil, UBEE-UNBEC e PMBCN.
[2] Doutora em Direito Internacional
(PUC-SP). Professora do Programa de Pós-Graduação em Governança, Tecnologia e
Inovação da Universidade Católica de Brasília. Professora do Programa de
Pós-Graduação em Direito da Ambra University. Membro e parecerista da Academia
Brasileira de Direito Internacional.
Membro e Pesquisadora da RED de Derecho América Latina y Caribe. Membro
da Associação Iberoamericana de Derecho, Cultura Y Ambiente. Delegada da
Diplomacia Civil para a Organização Mundial do Comércio (OMC) e para o Conselho
Econômico e Social (ONU).
[3] Deixa-se de lado as expressões
“cooperação interjurisdicional” e “cooperação judiciária internacional” para se
utilizar o termo “cooperação jurídica internacional”. Uma vez que esta denota a
ideia, também, dos pedidos feitos e/ou recebidos por autoridades da Polícia ou
do Ministério Público.
[4] Incorporada à legislação brasileira
pelo Decreto 56.826/1965.
[5] Decreto 3.810/2001.
[6] Decreto 5.015/2004.
[7] Decreto 5.687/2006.
[8] Segundo Wagner Menezes (2007): o
Princípio da Solidariedade é a matriz do Direito Internacional contemporâneo, é
o princípio que norteia a ação dos povos, dos Estados e das organizações
internacionais e que pode conduzir à consciência coletiva da necessidade de uma
sociedade internacional mais jurisdicionalizada.
[9] Artigo 4°: A República Federativa do
Brasil rege-se nas suas relações internacionais pelos seguintes princípios: I –
independência nacional; II – prevalência dos direitos humanos; III –
autodeterminação dos povos; IV – não – intervenção; V – igualdade entre os
Estados; VI – defesa da paz; VII – solução pacífica dos conflitos; VIII –
repúdio ao terrorismo e ao racismo; IX – cooperação entre os povos para o
progresso da humanidade; X – concessão de asilo político.