Revista Iberoamericana de Derecho, Cultura y Ambiente
RIDCA - Edición Nº2 - Derecho Ambiental
Mario Peña Chacón. Director
20 de diciembre de 2022
Refugiados ambientais climáticos como consequência da inobservância da proteção do direito fundamental ao meio ambiente
Refugiados ambientales climáticos como consecuencia de la iobservancia de la protección del derecho fundamental al medio ambiente
Autores. Tamara Brant Bambirra y Deilton Ribeiro Brasil. Brasil
Tamara Brant Bambirra[1]
Deilton Ribeiro Brasil[2]
RESUMO
O presente trabalho busca, através do método descritivo-analítico, trazer reflexões sobre a proteção ao direito ambiental especialmente no que tange o refugiado ambiental climático. Busca, inicialmente, contextualizar a situação atual das pessoas obrigadas a sair do seu local de origem em razão de infortúnios ambientais no mundo, melhor respondida por meio da teoria da sociedade de risco, enfatizando que essa modalidade de deslocamento resulta de um intenso processo de crescimento econômico. Examina como as intervenções humanas no meio ambiente agravaram as alterações do clima no globo terrestre, propiciando o surgimento dessa nova categoria de refugiados. Visa assim verificar como os deslocamentos humanos provocados pelas mudanças do clima têm afetado a sociedade contemporânea.
PALAVRAS CHAVE: Refugiado ambiental; Refugiado climático; Direito fundamental ao meio ambiente.
ABSTRACT
The present work seeks, through the descriptive-analytical method, to bring reflections on the protection of the environmental law, especially regarding the climatic environmental refugee. It initially seeks to contextualize the current situation of people forced to leave their place of origin due to environmental misfortunes in the world, best answered through the risk society theory, emphasizing that this modality of displacement results from an intense process of growth economic. It examines how human interventions in the environment have aggravated climate change across the globe, leading to the emergence of this new category of refugees. Thus, it aims to verify how human displacements caused by climate change have affected contemporary society.
KEYWORDS: Environmental refugee; Climatic refugee; Fundamental right to the environment.
1. INTRODUÇÃO
O estudo contemporâneo acerca do refúgio teve seu início na primeira parte do século XX e foi motivado principalmente pela Primeira Grande Guerra Mundial. E se intensificou após a Segunda Grande Guerra Mundial que devastou grande parte do continente europeu e também do Asiático e trouxe consequências que se perduram até os dias atuais.
O refúgio é exemplo dos reflexos decorrentes dos conflitos bélicos em que milhares de pessoas foram obrigados a deixarem seus lares em busca de recomeço em outro canto do planeta. Contudo, a questão dos refugiados vai muito além dos motes relativos às guerras e pode ser também motivada por razões de raça, nacionalidade, opinião política, religião ou pertencimento a grupo social.
A ausência de conflitos armados bélicos de grandes proporções em nível global, como foram as duas guerras do século XX, poderia representar uma era em que o refúgio se tornasse algo excepcional e relativo à poucas partes do globo. Contudo, o aumento das temperaturas do planeta combinado com as repentinas mudanças climáticas fez surgir um novo grupo de refugiados, que são os refugiados climáticos.
O trabalho se valeu do método descritivo-analítico para buscar demonstrar como a questão dos refugiados climáticos é negligenciada pela sociedade por ser tratar de situações que na maioria das vezes escapa a capacidade de percepção humana de curto prazo (BECK, 2019). E como os países podem convergir para evitar a incidência cada vez maior desses refugiados, assegurando o direito ao meio ambiente equilibrado.
O artigo se valeu de pesquisa bibliográfica, através da leitura de artigos, livros, dissertações e teses acerca do tema. Além de recorrer à pesquisa documental, para apresentar os números e prognósticos que tangenciam os refugiados do clima e buscar soluções para que sejam cada vez mais equacionados os números e efeitos decorrentes dessa crise humanitária.
2. DIREITO FUNDAMENTAL AO MEIO AMBIENTE E O REFÚGIO
A Segunda Guerra Mundial proporcionou diversas alterações na comunidade internacional, houve um significativo desenvolvimento tecnológico e científico, e a sociedade em geral passou a reivindicar por direitos que transcendem o individual e o social.
Depois de preocupações em torno da liberdade e das necessidades humanas, surge uma nova convergência de direitos, volvida à essência do ser humano, sua razão de existir, ao destino da humanidade, pensando o ser humano enquanto gênero e não adstrito ao indivíduo ou mesmo a uma coletividade determinada (ARAÚJO, 1999, p.78). Em 1972, com a declaração de Estocolmo, houve o reconhecimento do direito ao meio ambiente como um direito fundamental, ou seja, o direito a um ambiente equilibrado que proporciona uma vida saudável, o direito a uma vida digna em um ambiente de qualidade.
A declaração de Estocolmo determinou uma obrigação de melhor proteção ao meio ambiente, para as gerações presentes e futuras, estabelecendo um dever de cuidado com o ambiente uma vez que a saúde da população depende diretamente do equilíbrio ambiental (TOSTES, 1994, p. 119). O direito ao meio ambiente, com a Conferência de Estocolmo, passou a ser identificado como direito fundamental de terceira dimensão, devido ao seu caráter transindividual.
Ou seja, com a chegada de um sistema especial de proteção internacional aos direitos fundamentais, aparece também uma nova dimensão desses direitos, os direitos da humanidade. Estes têm por objeto bens que pertencem a toda humanidade, incluindo às futuras gerações, não podendo dessa forma ser objeto de apropriação por ninguém em particular, definindo a obrigação da sua proteção e preservação como forma de garantir o direito da humanidade em sua totalidade (MARUM, 2000, p. 13).
Para se ter um meio ambiente equilibrado é necessário a preservação da natureza de forma abrangente, ou seja, todos os seus recursos e elementos, sendo estes essenciais à vida humana bem como para a manutenção do equilíbrio ecológico. No Brasil, a Constituição Federal de 1988 elevou a questão ambiental a um patamar de proteção necessária à sadia qualidade de vida, incluindo o meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo, como um direito fundamental já reconhecido internacionalmente na expressão de direitos humanos (COELHO; RIBEIRO, 2019, p.41).
É consenso, já por algum tempo, que os direitos fundamentais não se limitam aos estabelecidos no artigo 5º da Constituição de 1988, estando diluídos em outros títulos e capítulos, expressa ou implicitamente, até mesmo em razão da abertura concedida pelo §2º, do citado dispositivo, que, em redação clara, assim dispõe: “os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte” (THOMÉ, 2014, p. 123).
O artigo 225 da Constituição Federal de 1988 pode ser considerado como núcleo fundador do direito de todos ao meio ambiente ecologicamente equilibrado:
Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações
Sendo assim, ao considerar o meio ambiente como direito, com a qualidade de ser ecologicamente equilibrado, quis o constituinte tutelar não qualquer ambiente, mas aquele que resultasse de um equilíbrio entre as (dinâmicas) relações travadas entre o homem e a natureza e que, portanto, impusesse a proteção e defesa para as presentes e futuras gerações (DUARTE, 2006, p.92).
O meio ambiente é uma garantia da coletividade devendo ser protegido de forma mais severa uma vez que está diretamente ligado à qualidade de vida, bem como ao direito à vida. Sendo assim, prepondera o entendimento de que o meio ambiente é um direito fundamental indispensável ao bem estar humano.
É reconhecido que o cidadão tem o direito de usufruir de um ambiente equilibrado, todavia, esse exercício traz consigo o dever de uma utilização racional dos recursos ambientais. Embora exista intensa legislação sobre o tema, a proteção ambiental exige mais, na medida em que é apenas através da adoção de mecanismos de controle e aplicação da lei de forma eficaz que se poderão alcançar medidas sustentáveis de amparo ao meio ambiente. A constitucionalização do direito ambiental demonstra a importância que se reconhece ao tema. Todavia, essa importância apenas ganha força se for refletida na conduta social (BRASIL;FREITAS, 2019)
As guerras de grande proporção e seus desdobramentos representam algumas das páginas mais marcantes da primeira metade do século XX. E dentre os desdobramentos das Guerras está a questão dos refugiados climáticos.
A Guerra dos Balcãs que ocorreu entre os anos de 1912 e 1914 marcou o início da transferência involuntária de diversos grupos de minorias éticas naquela região, como continuidade das hostilidades bélicas, essas transferências perduraram até os primeiros anos da década de 1920 (ANDRADE, 2001, p. 116).
A Liga das Nações foi criada no curso da Primeira Guerra Mundial, através da assinatura do Tratado de Versalhes entre os anos de 1914 e 1918, tendo como principal objetivo a manutenção da paz e a segurança internacional. Contudo, diversas pessoas foram perseguidas, ficaram sem casa ou passaram por situação de pobreza extrema e até mesmo foram deportadas por consequência da Guerra.
Nos anos que precederam a guerra e até mesmo durante o conflito, grandes contingentes de refugiados dos impérios russo e otomano foram para a Europa central e do oeste, bem como para a Ásia (ANDRADE, 2001, p. 116). Os delegados de países-membros da Liga das Nações adotaram estratégias de amparo a esses indivíduos, visando: fazer uma definição da situação jurídica dos refugiados, organizar a sua repatriação ou reassentamento, realizando atividades de assistência e socorro (JUBILUT, 2007, p. 74).
A solução para essa crise de refugiados veio com a criação de um Certificado de Identidade para os Refugiados Russos, aprovado em uma conferência em Genebra em julho de 1922 e adotado por 53 países, devido ao interesse em facilitar a liberdade de movimentação e sobretudo a legalidade destes (MEDEIROS, 2018, p. 235 e seg.).
O documento foi denominado Passaporte Nansen, em homenagem a seu idealizador Dr. Fridjtof Nansen e foi o primeiro documento internacional de identidade dos refugiados, sendo responsável por devolver a personalidade jurídica aos refugiados russos, e se tornando o primeiro passo para lhes possibilitar a autossuficiência (MEDEIROS, 2018, p. 235 e seg).
O Passaporte Nansen foi um documento útil não apenas para os refugiados, mas também aos governos que passaram a controlar com maior precisão a quantidade de refugiados presentes em seu território (MEDEIROS, 2018, p. 235 e seg).
Entre os anos de 1939 e 1945, os progressos até então alcançados foram deixados de lado, ficando inoperantes, devido à Segunda Grande Guerra Mundial. No ano de 1944, nos Estados Unidos, em Dumbarton Oaks, uma conferência realizada entre a China, União Soviética, Grã-Bretanha e o Estados Unidos deu origem a Organização das Nações Unidas (ONU) e foi constituído também um conselho de segurança responsável pela paz (NAÇÕES UNIDAS, 2017 a, online).
A Declaração Universal dos Direitos do Homem foi instituída em 1948 visto a grande preocupação com as questões humanitárias e positivou a questão do asilo. Contudo, ela não aborda a situação dos refugiados (NAÇÕES UNIDAS, 2009, online). O direito de asilo é um direito natural dos indivíduos perseguidos, fundamentado no direito à proteção. Esse direito encontra amparo em um dever, em uma obrigação correlata e de responsabilidade dos Estados, sendo um dever humanitário internacional. Ou seja, deve ser assegurado o direito à proteção a qualquer pessoa que se sinta perseguida (PEREIRA, 2009, p. 49).
O refúgio segundo Carvalho (2000, p. 4) é quase sempre o único caminho que se abre aos desgraçados que se abalam em busca de amparo, de socorro, de sobrevivência e também de justiça. Trata-se de um resguardo das graves violações de direito humanitário interacional. Foi instituído em 1951 o Alto Comissário das Nações Unidas para Refugiados sendo que mais tarde foi criada a Convenção das Nações Unidas sobre o Estatuto dos Refugiados.
Em 1984, através de um encontro com representantes de dez países latino-americanos, que tinha como intuito debater sobre a situação dos refugiados na América-latina, foi então assinada a Declaração de Cartagena, na qual ampliou o conceito de refugiados incluindo o termo “violação maciça de direitos humanos” (NAÇÕES UNIDAS, 2011, online).
É importante diferenciar o instituto de asilo do de refugiado, sendo que a primeira distinção seria histórica uma vez que asilo existe desde a Antiguidade e o refúgio surgiu após a Primeira Guerra Mundial (PEREIRA, 2009, p. 49). Outra diferença seria o caráter regional de asilo, ao passo que o refúgio é assegurado internacionalmente, já que tem por base cinco motivos que se baseiam no temor da perseguição, quais sejam: raça, religião, opinião política, pertencimento a um determinado grupo social e nacionalidade (PEREIRA, 2009, p. 49).
A concessão ou não de asilo se configura como ato discricionário do Estado, não enseja em obrigações internacionais para ele e independe de elaboração de políticas públicas que visem a integração do asilado político. Já o reconhecimento da condição de refugiado a um indivíduo por parte de um Estado, por sua vez, faz com que nasça para a nação que o acolheu “a obrigação de integrá-lo à comunidade e, igualmente, decorrem para o país obrigações internacionais” (PEREIRA, 2009, p. 66).
Contudo, ao contrário do asilo, para o refúgio existem algumas cláusulas que regulam a sua exclusão e cessação. O refugiado pode contar também com o apoio do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR), que é um órgão vinculado às Nações Unidas e tem como função primordial dar aporte aos refugiados (PEREIRA, 2009, p. 66).
Denota-se que ambos os institutos, asilo e refúgio, são amparados Pelo Direito Internacional dos Direitos Humanos. Os pressupostos para definição de refúgio são claros e objetivos e se encontram delimitados. Entretanto, os pressupostos de asilo são discricionários, e cabe ao Estado que irá receber o asilado fazer o juízo de valor acerca da condição do indivíduo que está pedindo o asilo.
O refúgio para que seja tipificado faz-se necessário a extraterritorialidade. O asilo, por sua vez, não exige tal fato. Outra diferença é que a concessão de asilo é um direito constitutivo, enquanto a do refúgio se configura com direito declaratório.cterização açu ne aquele individuo realmente est
O Direito Internacional dos Refugiados tem como finalidade proteger os indivíduos que por motivos de raça, nacionalidade, opinião política, religião ou pertencimento a grupo social, foram forçados a abandonar seus lares para irem viver em uma região do globo que não a sua de costume e de origem (PEREIRA, 2009, p. 34).
A condição de refugiado sempre se fez presente na história da humanidade, pretendo garantir a efetiva proteção da pessoa humana, uma vez que homens e mulheres por questões de conflitos armados, perseguições e outros já elencados nesse trabalho, abandonam seu lar em busca de refúgio e abrigo e países distintos daqueles de sua origem ou residência, por considerarem que este é mais seguro e lhes possibilitarão maior chance de sobrevivência.
É possível averiguar, depois de uma análise dos acordos e convenções internacionais que em quaisquer dos documentos nenhuma menção é feita referente aos refugiados climáticos, sendo este o principal enfoque deste estudo, motivo pelo qual será abordado em um capitulo único posteriormente.
3. AS MUDANÇAS CLIMÁTICAS E OS REFUGIADOS DO CLIMA
O Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas das Nações Unidas (IPCC) estima que há probabilidade de 90% que as desenfreadas mudanças climáticas do planeta são causadas pelas ações humanas (GIDDENS, 2010, p. 41). O IPCC tem feito prognósticos acerca das mudanças climáticas. Foram apontados seis diferentes cenários possíveis de se concretizarem até o ano 2100, em relação às mudanças no clima (GIDDENS, 2010, p. 41).
O cenário mais favorável indica que a temperatura do planeta ainda irá aumentar, porém, em um nível que se compreende entre 1,1 e 2,9 ºC. Caso esse cenário venha a se concretizar, é esperado que o aumento do nível do mar fique entre 18 e 38 centímetros (GIDDENS, 2010, p. 41). A previsão mais catastrófica indica que o aumento da temperatura do planeta pode chegar a mais de 6ºC, até o ano 2100. Um aumento dessa proporção, pode vir a causar uma elevação do nível do mar entre 26 e 50 centímetros (GIDDENS, 2010, p. 41-42).
O prognóstico mais provável de vir a se efetivar traz uma previsão de aumento da temperatura planetária na ordem de 4ºC, ocasionando uma elevação do nível oceânico em cerca de 48 centímetros (GIDDENS, 2010, p. 42). O planeta é atualmente movido praticamente por carvão, gás e petróleo. E é a queima desses combustíveis a principal causa do aquecimento global e a diminuição dos efeitos climáticos causados por esses produtos passa diretamente pela substituição deles (GIDDENS, 2010, p. 41).
A humanidade, infelizmente, ainda não é capaz de substituir os combustíveis fósseis por outras formas renováveis – e não poluentes – de energia, sem comprometer o crescimento econômico do planeta. A dificuldade de obtenção de crescimento econômico sem prejudicar o planeta faz nascer o grande dilema que contrapõe economia e ecologia e traz ameaças a saúde do planeta.
O aumento do nível do mar decorre do derretimento das geleiras nos polos do planeta. A consequência direta disso é que ocorre “escoamento maior e mais precoce das águas de rios alimentados pelas geleiras e pela neve”. Outros efeitos como antecipação das estações do ano e o deslocamento de várias espécies animais, também podem ser desencadeados em decorrência das mudanças climáticas (GIDDENS, 2010, p. 42).
O Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas das Nações Unidas também alerta para o fato de que podem vir a ocorrer guerras, ainda no século atual, motivadas por recursos naturais. Além de inundações em cidades litorâneas, fator que pode desencadear migrações em massa. As mudanças climáticas também têm potencial para fazer com que áreas que já são secas fiquem ainda mais áridas (GIDDENS, 2010, p. 42).
A elevação do nível do mar pode fazer com que os tsunamis tenham seu poder de destruição ainda maior. Estima-se que um aumento de 0,5 metro no nível do oceano fará que o risco de tsunamis em Macau seja duplicado. E como essa parte do continente asiático é composta por países de planícies baixas, faz com que o risco seja cada vez maior para essas populações (BRAUN, 2018, online).
O último grande terremoto que abalou Tóquio no Japão, ocorreu em 1923 e vitimou cerca de 100 mil pessoas, além de destruir 360 mil prédios. Porém, nos dias atuais, há pelo menos três vezes mais pessoas vivendo naquela região metropolitana. Isso faz crer que outro terremoto de magnitude semelhante à do ano de 1923, possa vir a vitimar mais pessoas, além de ocasionar prejuízo financeiro na ordem de 4,3 trilhões de dólares americanos (GIDDENS, 2010, p. 51).
O terremoto ocorrido no Oceano Índico ainda em 2004, vitimou cerca de 250 mil pessoas, além de causar diversos danos patrimoniais e extrapatrimoniais (GIDDENS, 2010, p. 50). Eventos climáticos dessa natureza, caso voltem a ocorrer com intensidade ainda maior têm potencial para provocar migrações em massa, fazendo com que ocorra grande incidência de refugiados climáticos.
Bangladesh é outro país que se encontra profundamente ameaçado por eventual aumento do nível do mar. É estimado que se o nível do oceano for elevado em 45 centímetros, cerca de 10% do país ficará submerso, por se tratar de um país de terras baixas (GIDDENS, 2010, p. 222).
O controle das mudanças climáticas é um dos grandes desafios da humanidade no terceiro milênio e para que ele seja devidamente alcançado é essencial que as ações sejam tomadas coletivamente. É importante que os líderes mundiais tenham consciência que as suas atitudes ou omissões acerca do clima pode vir a afetar países que estão localizados em outros continentes.
Giddens (2010, p. 88), alerta para o fato de que a existência daqueles que ainda nem nasceram pode vir a ser afetada pelas políticas atuais de utilização dos recursos naturais do planeta, principalmente dos combustíveis fósseis. Ulrich Beck em sua obra “Sociedade de Risco – Rumo a uma outra modernidade”, ainda em 1986, abordava os riscos produzidos pelos seres humanos. Ele alertava para o fato de que os riscos decorrentes de contaminações químicas e nucleares, agrotóxicos e outros fatores que poderiam causar as mudanças climáticas “escapam inteiramente à capacidade perceptiva humana imediata”. Fazendo com que os riscos decorrentes da modernidade possuam alcance universal e sejam ao mesmo tempo incalculáveis e imprevisíveis (BECK, 2019, p. 32 e 33).
O fato de os riscos não serem perceptíveis de plano dão margem ao negacionismo que é uma das grandes ameaças à saúde do planeta. O negacionismo fortalece o nacionalismo radical e se mostra como ferramenta alinhada à extrema direita e usada como mecanismo impeditivo da governança global. O nacionalismo radical é atualmente uma das maiores, ou a maior ameaça à governança global. O atual desafio da humanidade no aspecto global é unificar o pensamento. O controle do clima exige que os países abdiquem da sua soberania e tomem atitudes na busca pela convergência, primando sempre pelo bem comum do planeta, como uma unidade (HARARI, 2018, p. 154).
Yuval Noah Harari alerta para o fato de que “o isolacionismo nacionalista talvez seja mais perigoso no contexto de mudança climática do que no contexto de uma guerra nuclear”. A questão climática se mostra de extrema delicadeza devido ao fato de que um país pode zerar seu nível de emissão de gases e ainda assim sofrer as consequências climáticas causadas por outra nação (2018, p. 155).
As questões sobre refugiados climáticos vêm ganhando maior destaque internacional e para assegurar a proteção necessária a essas pessoas vem sendo criados órgãos de proteção, bem como legislações de proteção humanitária aos refugiados em todo o mundo. As demandas referentes a refugiados estão sendo debatidas e atualmente fazem parte dos principais problemas humanitários mundiais, sendo importante destacar que, como consequência das mudanças climáticas surgiu um novo grupo de refugiados, originando assim uma maior interdependência da comunidade internacional.
Essa nova categoria de refugiados, chamados de refugiados ambientais ou refugiados climáticos, surgem por resultado das mudanças climáticas, conforme supramencionado. O novo grupo vem aumentando contingencialmente os índices mundiais de refugiados, entretanto ainda não possuem um efetivo amparo jurídico no âmbito internacional.
Apesar de existir robusta proteção jurídica nacional e internacional aos refugiados, ela não contempla, de forma expressa, o refugiado ambiental. As condições ambientais – pelo menos, ainda – não são oficialmente consideradas causa jurídica que fundamente concessão de refúgio (ANDRADE; ANGELUCCI, 2016, p. 191).
Os refugiados climáticos são considerados migrantes forçados. Alexander Betts entende que existem dois grupos de migrantes que necessitam de uma efetiva proteção e compõem a categoria dos chamados migrantes vulneráveis (RAMOS, 2011, p. 67). O primeiro grupo, é composto por aqueles que a necessidade de proteção guarda relação com as condições do país de origem, ou seja, não está relacionado com conflitos ou perseguições, como por exemplo a degradação ambiental, mudanças climáticas, desastres naturais ou até mesmo as graves dificuldades econômicas e sociais (RAMOS, 2011, p. 67).
Enquanto, segundo grupo de migrantes, por sua vez, diz respeito a aqueles que foram vítimas de violações de direitos humanos praticados durante o processo de movimentação, circulação ou deslocamento. Sendo assim, os refugiados devem ser considerados somente como um grupo, dentro de uma ampla categoria de migrantes (RAMOS, 2011, p. 67).
A alta complexidade tangente às migrações que decorrem de causas ambientais, um dos fatos que justificam a ausência de uma definição cristalina para o conceito de refugiado ambiental. Existem inúmeras expressões, para o conceito, tais como, “refugiados ambientais”, “refugiados climáticos”, “migrantes ambientalmente forçados”, “migrantes ambientalmente induzidos” (RAMOS, 2011, p. 21).
Os refugiados ambientais podem ser definidos como aqueles que tiveram que se deslocar de forma forçada de seu habitat de origem, ainda que temporariamente, em decorrência de consequências climáticas decorrentes, ou não, de ações humanas e que venha a causar danos diretos à sua qualidade de vida (ANDRADE; ANGELUCCI, 2016, p. 191).
Os refugiados climáticos são indivíduos que são forçados a deixarem seu território de origem ou residência, independente de perseguição de qualquer natureza ou situação econômica. Eles são refugiados exclusivamente por um contexto ambiental. As migrações podem ser classificadas como voluntárias e involuntárias, entretanto vale observar que em algumas situações pode haver uma multiplicidade de fatores que vão resultar e gerar um movimento migratório. David Turton, que é diretor emérito do Centro de Estudos para Refugiados, da Universidade de Oxford, entende que a expressão “migração involuntária” deve ser substituída pela expressão “migração compulsória”. Tal substituição ajudaria a evitar o equivocado entendimento de que esse tipo de migração tem caráter deliberado (RAMOS, 2011, p. 68).
A pesquisa busca analisar as migrações compulsórias ou forçadas, especialmente no que tange aos refugiados ambientais, no qual são sujeitos em construção, ou seja, estão se reconstituindo, vez que, em sua grande maioria, por serem refugiados por um contexto ambiental de deterioração, não possuem nenhuma perspectiva de retorno, visto que muitas vezes não há sequer para onde voltar.
A Organização das Nações Unidas estima que aproximadamente 25 milhões de pessoas são forçadas a deixarem os seus países a cada ano, devido a problemas ambientais, tais como secas, inundações, incêndios, tempestades. O Centro de Monitoramento de Deslocamento Interno da ONU estima que até 2050 provavelmente esse número alcançará a um bilhão de pessoas (NAÇÕES UNIDAS b, 2017, online).
A legislação brasileira acerca da questão dos refugiados climáticos ainda é incipiente. O fenômeno dos refúgios climáticos também ocorre no Brasil. Exemplo disso é o alto número de brasileiros que deixam as cidades áridas do nordeste e buscam recomeço nas grandes e médias cidades do sul e sudeste do país (FRANCO FILHO, 2013, online).
O provável motivo que justifica o fato de o Brasil não tutelar a situação jurídica dos refugiados climáticos está na ausência de eventos climáticos catastróficos de grande magnitude no território do país. Esse fato causa a falsa impressão de que a aridez da região nordeste não é motivo de deslocamento de brasileiros.
As responsabilidades decorrentes dos deslocados internos, ou seja, aqueles que ocorrem no território do próprio Estado, incidem sobre o governo nacional e as autoridades locais. No entanto, não deve ser descartada a necessidade de um amparo jurídico internacional para a promoção e efetivação tanto referente aos deslocados internos e principalmente aos refugiados climáticos, visando garantir a segurança e o bem-estar desses indivíduos.
Os países que possuem proporções continentais como o Brasil, em tese, possibilitam o deslocamento interno, como é o exemplo do indivíduo que se desloca de uma zona árida da região nordeste, em busca de melhores condições de vida na região sudeste do país. E esse deslocamento é por vezes negligenciado até mesmo pelas autoridades que desconhecem a gravidade da situação, ou pelo menos se omitem diante da mesma.
A seca é tão catastrófica quanto a inundação, contudo, por ser um fenômeno que se intensifica de forma lenta e gradativa, talvez não cause tanta comoção como um tsunami, por exemplo. Provavelmente essa é a razão pela qual a coletividade em regra se solidariza mais com as vítimas dos terremotos e negligencia a situação daqueles que vivem em áreas áridas e são obrigados a buscarem refúgios em outras partes do planeta.
Os prognósticos indicam que a incidência de eventos climáticos catastróficos vai se intensificar nas próximas décadas. E para buscar evitar, ou pelo menos minimizar os efeitos desses eventos, será necessária convergência entre pessoas e países, para agirem em conjunto e unirem suas forças e tecnologias para anteciparem os episódios climáticos e tomarem as providências necessárias para se protegerem da melhor forma possível.
A condição de refugiado ambiental deve ser encarada como perda continua de autonomia e da individualidade, na qual existe constante cerceamento de direitos, em virtude do exilio forçado de indivíduos daquele no qual era o local em que eles gostariam de permanecer (COSTA, 2011, p. 3). O refúgio climático do terceiro milénio é provavelmente a única forma de expatriação de indivíduos que não envolva diretamente conflito bélico, ou expulsão decorrente de fatores essencialmente políticos
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A mudança climática também está relacionada à vulnerabilidade, ou seja, fenômenos climáticos terão um impacto maior sobre aquelas pessoas que estão em situações vulneráveis devido à sua geografia ou condição social. Significa que essas pessoas serão menos capazes de se adaptarem ou responderem aos efeitos das mudanças climáticas.
Conforme supramencionado, evidências científicas afirmam que as mudanças climática são reais e que é esperado que tal fato altere a variabilidade normal do clima e cause a inúmeras consequências, como desastres naturais mais graves do que estamos vendo frequente. Tendo como uma das consequências da mudança climática a migração humana forçada
O mundo está enfrentando as incidências das mudanças climáticas, em desastres naturais, alimentos, energia, mercados financeiros e econômica mundial. E embora não possamos prever exatamente o momento e a magnitude desses fenômenos, o que pode ser feito é mudar o modelo econômico baseado no crescimento ilimitado por um modelo que envolve o desenvolvimento sustentável.
A Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH) visa em seu escopo apresentar um rol de direitos e garantias para a proteção da pessoa humana em caráter irrestrito e consequentemente proibir que certo indivíduo seja vítima de todo e qualquer tipo de discriminação. A situação jurídica dos refugiados desde o início do século XX passou a ser uma questão de grande relevância nos assuntos atinente ao Direito Internacional e consequentemente também aos direitos humanos.
O novo milênio consolidou uma era de paz em nível global. A DUDH completou mais de 70 anos e desde então nenhum outro conflito bélico de proporções globais voltou a ocorrer no planeta, o que seria forte indício de que o refúgio em massa viesse a se tornar algo do passado. Contudo, uma ameaça que antes parecia distante, atualmente tem se tornado cada vez mais perigosa, que são as mudanças climáticas e seus efeitos.
A crise dos refugiados climáticos é provavelmente um dos problemas mais sérios em âmbito global que a sociedade tem enfrentado no terceiro milênio. As secas, inundações, incêndios, tempestades e outros eventos climáticos como terremotos e tsunamis têm se tornado cada vez mais comuns. E o prognóstico da ONU é de que se tornará cada vez mais recorrente.
A solução para o enfrentamento das mudanças climáticas está na governança global. E para tal, faz-se necessário que os países busquem de maneira conjunta e ordenada, formas de reduzir as emissões de gases estufa para frear o aquecimento global. É também importante que as nações busquem agir de maneira conjunta para se valer de suas tecnologias para anteciparem os eventos climáticos e a partir disso agirem para minimizar seus danos e proteger o máximo possível as pessoas por eles afetadas.
A situação dos refugiados internos jamais poderá ser negligenciada pelo país em que eles se encontram. É dever do Estado garantir ao seu cidadão os direitos fundamentais positivados DUDH e consequentemente em seus planos constitucionais. Os efeitos decorrentes das secas, incêndios e tempestades são tão catastróficos quanto os relacionados aos terremotos e tsunamis. E por isso, exigem respostas à altura por parte do poder público na proteção aos mais vulneráveis.
A proteção aos refugiados climáticos somente ocorrerá de forma satisfatória se for realizada em âmbito irrestrito e visando proteger aqueles que são os mais vulneráveis dos efeitos do clima. É importante que as lideranças políticas mundiais tenham em mente que a saúde e o futuro do planeta dependem das ações tomadas agora. E que as ações tomadas de forma negligentes e as omissões podem custar a vida e a saúde de pessoas e também do próprio planeta.
REFERENCIAS
ANDRADE, José Henrique Fischel de. Breve reconstituição histórica da tradição que culminou na Proteção Internacional dos Refugiados. In O Direito Internacional dos Refugiados: uma perspectiva brasileira. Organizadores: Nádia de Araújo e Guilherme Assis de Almeida. Rio de Janeiro: Renovar, 2001.
ANDRADE, Mário Cesar da Silva; ANGELUCCI, Paola Durso. Refugiados ambientais: mudanças climáticas e responsabilidade internacional. HOLOS, [S.l.], v. 4, p. 189-196, set. 2016. ISSN 1807-1600. Disponível em: http://www2.ifrn.edu.br/ojs/index.php/HOLOS/article/view/4165/1523. Acesso em: 13 nov. 2021.
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[1] Mestre em Proteção dos Direitos Fundamentais pela Universidade de Itaúna-MG. Pós-graduada em direito público e privado. Bacharel em Direito pela Faculdade Dom Hélder Câmara (ESDHC). E-mail: brantbambirra@gmail.com. Lattes: http://lattes.cnpq.br/7810074408710555. ORCID: https://orcid.org/0000-0003-4267-6175.
[2] Pós-Doutor em Direito pela UNIME, Itália. Professor da Graduação e do PPGD em Direito da Universidade de Itaúna (UIT) e das Faculdades Santo Agostinho de Sete Lagoas (FASASETE-AFYA). E-mail: deilton.ribeiro@terra.com.br. Lattes: http://lattes.cnpq.br/1342540205762285. ORCID: http://orcid.org/0000-0001-7268-8009.