Revista Iberoamericana de Derecho, Cultura y Ambiente

Revista Iberoamericana de Derecho, Cultura y Ambiente
RIDCA - Edición Nº3 - Derecho Animal

Laura C. Velasco. Directora

15 de julio de 2023

Justiça para animais não humanos: Uma análise de John Rawls a Martha Nussbaum e do Direito Brasileiro
Justicia para los animales no humanos: Un análisis de John Rawls a Martha Nussbaum y el Derecho Brasileño

Autores.Daniela Lavina Carniato y Paulo Junior Trindade dos Santos. Brasil

Daniela Lavina Carniato[1]

Paulo Junior Trindade dos Santos[2]

 

Resumo: O estudo tem como tema a justiça para os animais não humanos nas visões de John Rawls e Martha Nussbaum e o tratamento jurídico conferido à fauna pelo direito brasileiro. Seu objetivo geral é analisar tanto os aspectos da teoria de Nussbaum que representam um avanço, em comparação com a de Rawls, para o reconhecimento dos direitos dos animais, quanto o panorama normativo brasileiro sobre tais criaturas. Seus objetivos específicos são: introduzir as ideias centrais da justiça como equidade que fundamentam o modo como tal perspectiva (des)considera os animais; aprofundar a argumentação de Nussbaum na defesa das capacidades, da dignidade e da posição dos animais como sujeitos de justiça e titulares de direitos básicos; e abordar criticamente o tratamento jurídico que esses seres vêm recebendo no âmbito brasileiro federal. A construção dos argumentos é feita por meio do raciocínio indutivo, com emprego das técnicas bibliográfica e documental e da abordagem qualitativa. O desenvolvimento é dividido em três seções secundárias: (a) a primeira versa sobre a tese central de Rawls acerca do tema, a qual pode ser resumida pela afirmação de que os animais não são sujeitos de justiça básica; (b) a segunda trata da filosofia de Nussbaum atinente aos animais, sustentada pelos pilares dos deveres para além da compaixão, da dignidade para além da racionalidade humana e das capacidades para além do sentir; e (c) a terceira é destinada à análise jurídica do tema.

Palavras-chave: Dignidade animal. Direitos dos animais. John Rawls. Martha Nussbaum.

 

Abstract: The study has as its theme the justice for non-human animals in the visions of John Rawls and Martha Nussbaum and the legal treatment given to the fauna by Brazilian law. Its general objective is to analyze both aspects of Nussbaum’s theory that represent an advance, compared to Rawls’s, for the recognition of animal rights, as well as the Brazilian normative panorama regarding such creatures. Its specific objectives are: to introduce the central ideas of justice as fairness that underlie the way such a perspective (dis)considers animals; to deepen Nussbaum’s arguments in defense of the capacities, the dignity and the position of animals as subjects of justice and holders of basic rights; and critically to approach the legal treatment that these beings have been receiving in the Brazilian federal scope. The construction of arguments is done through inductive reasoning, using bibliographic and documentary techniques and a qualitative approach. The development is divided into three secondary sections: (a) the first deals with Rawls’ central thesis on the subject, which can be summarized by the statement that animals are not subjects of basic justice; (b) the second deals with Nussbaum’s philosophy concerning animals, supported by the pillars of duties beyond compassion, dignity beyond human rationality and capacities beyond feeling; and (c) the third is intended for the legal analysis of the subject.

Keywords: Animal dignity. Animal rights. John Rawls. Martha Nussbaum.

 

Resumen: El tema del estudio es la justicia para los animales no humanos en las visiones de John Rawls y Martha Nussbaum y el tratamiento jurídico dado a la fauna por la ley brasileña. Tiene como objetivo general analizar tanto los aspectos de la teoría de Nussbaum que representan un avance, en comparación con la de Rawls, para el reconocimiento de los derechos de los animales, como el panorama normativo brasileño sobre tales criaturas. Sus objetivos específicos son: introducir las ideas centrales de la justicia como equidad que subyacen en el modo en que esta perspectiva (des)considera a los animales; profundizar los argumentos de Nussbaum en defensa de las capacidades, dignidad y posición de los animales como sujetos de justicia y titulares de derechos basicos; y abordar críticamente el tratamiento jurídico que estos seres han venido recibiendo en el ámbito federal brasileño. La construcción de los argumentos se realiza a través del razonamiento inductivo, utilizando las técnicas bibliográficas y documentales y un enfoque cualitativo. El desarrollo se divide en tres secciones secundarias: (a) la primera trata de la tesis central de Rawls sobre el tema, que puede resumirse en la afirmación de que los animales no son sujetos de justicia básica; (b) el segundo trata de la filosofía de Nussbaum sobre los animales, sustentada en los pilares de los deberes más allá de la compasión, de la dignidad más allá de la racionalidad humana y de las capacidades más allá del sentimiento; y (c) el tercero está destinado al análisis jurídico del tema.

Palabras-clave: Dignidad animal. Derechos animales. John Rawls. Marta Nussbaum.

 

1 INTRODUÇÃO

 

O presente estudo tem como tema a justiça para os animais não humanos nas teorias de John Rawls e Martha Nussbaum e o tratamento jurídico conferido a tais seres pelo direito brasileiro. A teoria de Rawls, com sua justiça como equidade, e a de Nussbaum, com sua abordagem das capacidades, são duas visões de grande relevância contemporânea e que contrastam entre si de modo geral, talvez ainda mais no âmbito relativo à fauna.

A pesquisa parte das hipóteses de que a concepção nussbauniana (a) reconhece a compaixão como importante, porém como não suficiente na tutela dos direitos dos animais; (b) amplia o conceito kantiano de dignidade; e (c) adota a senciência, e não a inteligência, como critério definidor das criaturas englobadas pelo enfoque das capacidades. Para além do âmbito filosófico, o artigo também enfrenta o regime jurídico dos animais no direito brasileiro, com destaque para as normas civis e constitucionais.

Seu objetivo geral é, na verdade, bipartido: analisar tanto os aspectos da teoria de Nussbaum que representam um avanço, em comparação com a de Rawls, para o reconhecimento dos direitos dos animais, quanto o panorama normativo brasileiro sobre tais criaturas. Seus objetivos específicos são: introduzir as ideias centrais da justiça como equidade que fundamentam o modo como tal perspectiva (des)considera os animais; aprofundar a argumentação de Nussbaum na defesa das capacidades, da dignidade e da posição dos animais como sujeitos de justiça e titulares de direitos básicos; e abordar criticamente o tratamento jurídico que esses seres vêm recebendo no âmbito brasileiro federal.

A justificativa é extraída da necessidade de se debater o tema para os interesses próprios dos animais, tendo em vista o tratamento injusto que diariamente são submetidos em diversas instituições da sociedade. Ademais, o estudo contribui para o entendimento do tema, especificamente, e das teorias de Rawls e Nussbaum como um todo. Outras pesquisas filosóficas relacionadas ao assunto ora em análise podem ser consultadas, por exemplo, nos escritos de Peter Singer, filósofo utilitarista, e de Tom Regan, filósofo e ativista abolicionista já falecido – ambos[3] são citados por Nussbaum em sua obra. Já no que tange à seara jurídica, citam-se os estudos de Ingo Wolfgang Sarlet e Tiago Fensterseifer.

O estudo aborda a tese central de Rawls a respeito do tema, isto é, a ideia de que os animais não são sujeitos de justiça básica, bem como a tese central de Nussbaum, exatamente contrária à de Rawls. Ademais, versa, de forma até certo ponto instrumental ao alcance de seus objetivos, sobre algumas noções das filosofias kantiana e utilitarista. Ressalta-se que, apesar de a concepção nussbauniana ser também passível de importantes objeções, especialmente se cotejada do ponto de vista do abolicionismo animal, tais críticas não são apresentadas neste texto.

A construção dos argumentos é realizada por meio do raciocínio indutivo, com emprego das técnicas bibliográfica e documental: a primeira e segunda seções utilizam exclusivamente a técnica bibliográfica, alicerçada em livros e artigos científicos; já a terceira também utiliza a técnica documental, consultando-se documentos jurídicos, como a Constituição Federal, o Código Civil de 2002 e acórdãos de casos judiciais. O exame da perspectiva de Rawls é feito com base nos livros “Uma teoria da justiça”, “O liberalismo político” e “Justiça como equidade: uma reformulação”, traduzidos para a língua portuguesa; já a apreciação do pensamento de Nussbaum é feita com base em “Fronteiras da justiça: deficiência, nacionalidade, pertencimento à espécie”, também traduzido para a língua portuguesa. A abordagem é qualitativa, já que o estudo não realiza medições estatísticas nem pondera dados (MEZZAROBA; MONTEIRO, 2009, p. 110), inclusive no que tange aos casos judiciais apresentados.

O desenvolvimento é segmentado em três seções secundárias, sendo a primeira direcionada à análise da justiça como equidade. Na segunda seção, voltada para o enfoque das capacidades aplicado aos animais não humanos, argumenta-se que a filosofia de Nussbaum, nessa temática, é sustentada por três pilares, que também nomeiam as respectivas seções terciárias: dos deveres para além da compaixão, da dignidade para além da racionalidade humana, e das capacidades para além do sentir. Já a terceira seção secundária é destinada à análise jurídica do tema.

 

2 ANIMAIS NÃO HUMANOS NAS TEORIAS DE JOHN RAWLS E MARTHA NUSSBAUM E NO DIREITO BRASILEIRO

 

Entre os teóricos da filosofia política do século XX, John Rawls é um dos principais representantes, tendo desenvolvido uma teoria, denominada por ele próprio de “justiça como equidade”, repleta de termos cujos significados e aplicações são amplamente discutidos. Dada sua importância, o pensamento influenciou e permanece a influenciar diversos nomes, porém é igualmente objeto de oposições, algumas refutadas pelo próprio filósofo em vida, outras desenvolvidas após seu falecimento.

Uma das críticas refere-se ao modo como a visão rawlsiana considera (ou, melhor dizendo, deixa de considerar) os animais não humanos[4], o que é debatido por Martha Nussbaum em seu livro “Fronteiras da justiça: deficiência, nacionalidade, pertencimento à espécie”, dedicado à memória de Rawls. Embora Nussbaum possa não estar entre as maiores defensoras dos direitos dos animais[5], já que se dedicou com mais afinco a outras temáticas, o enfoque das capacidades aplicado a tais seres representa um grande avanço em termos de justiça e dignidade animal.

Antes de se adentrar no tema do artigo propriamente dito, convém fazer um apontamento a respeito da terminologia adotada na presente análise. Sunstein (2004, p. 4) distingue “bem-estar animal” de “direitos dos animais”, afirmando que os defensores do bem-estar animal advogam por leis mais rígidas contra a crueldade e o tratamento desumano, enquanto que os defensores dos direitos dos animais advogam contra todo e qualquer “uso” – “uso” no sentido kantiano: como meio, e não como finalidade – de animais pelos seres humanos. Apesar disso, o próprio autor destaca que, quando o sofrimento está presente, tal distinção não tem grande importância (SUNSTEIN, 2004, p. 4). Em sentido semelhante, Francione (2010, p. 16) relaciona a posição dos “direitos dos animais” à visão abolicionista, defendida por ele, afirmando que a posição bem-estarista está vinculada à ideia da regulação da exploração.

No presente estudo, todavia, a expressão “direitos dos animais” é empregada num sentido mais genérico que o apontado por Sunstein e Francione, englobando desde direitos relacionados ao bem-estar animal até concepções mais abolicionistas, que se opõem ao uso (ainda que não cruel) dos animais pelos humanos. Ou seja, “direitos dos animais”, neste artigo, é uma expressão entendida como gênero do qual advém espécies de direitos.

 

2.1 ANIMAIS NÃO HUMANOS NA JUSTIÇA COMO EQUIDADE

 

A filosofia desenvolvida por John Rawls é uma abordagem contratualista com um nível de abstração maior que a tradição do contrato social, pois, conforme ele mesmo expõe em “Uma teoria”[6] (RAWLS, 1997, p. 18), o conteúdo do consenso não objetiva dar origem a uma sociedade ou forma de governo específicas, mas sim constituir-se na maneira pela qual princípios de justiça são escolhidos. Apesar de em “Uma teoria” a justiça como equidade pudesse ser interpretada como uma doutrina filosófica abrangente, tal ambiguidade foi resolvida pelo próprio filósofo em “O liberalismo político” e em “Justiça como equidade”, passando a ser retratada como uma concepção política de justiça.

Por ser uma concepção política de justiça, e não uma doutrina abrangente, a justiça como equidade tem como objeto primário a estrutura básica da sociedade, composta pelas principais instituições políticas, sociais e econômicas, responsáveis por distribuir direitos e deveres básicos e determinar as vantagens provenientes da cooperação social (RAWLS, 1997, p. 7-8; 2000, p. 54; 2003, p. 13-14). Os princípios de justiça decorrentes do consenso originário destinam-se, assim, a regular tal estrutura básica.

Uma vez que a sociedade é vista como um sistema equitativo de cooperação social, Rawls constrói uma hipótese para explicar como os princípios de justiça, a serem aplicados à estrutura básica da sociedade, seriam estabelecidos: em uma posição original, correspondente ao estado de natureza da teoria contratualista tradicional, pessoas racionais, livres e iguais, representantes dos cidadãos, escolhem os princípios de justiça política sob um véu da ignorância, o qual elimina o conhecimento acerca das contingências (e. g.: raça, sexo, força física, inteligência, posições sociais e doutrinas abrangentes) das pessoas que elas representam (RAWLS, 2003, p. 22-25). Logo, em razão do véu da ignorância, as partes na posição original estão situadas simétrica ou equitativamente – por isso, “justiça como equidade”.

Pode-se dizer que, na perspectiva rawlsiana, a ideia de cidadania pressupõe no mínimo estes aspectos: liberdade, associada à racionalidade, e igualdade, associada à cooperação social. Os cidadãos são pessoas livres, porque possuem as faculdades (morais) de ter um senso de justiça e de ter uma concepção do bem, além das faculdades (da razão) de julgamento, pensamento e inferência, as quais podem ser revistas a qualquer tempo; são também pessoas iguais, já que todos detém as faculdades morais e da razão num grau mínimo essencial para serem membros cooperativos da sociedade por toda a vida (RAWLS, 2000, p. 61-62).

É fácil depreender, pois, que a justiça como equidade é uma visão de justiça parcial[7] e que pretende ser aplicável diretamente a um objeto específico: a estrutura básica de uma sociedade vista como um sistema fechado, autossuficiente e associado de forma inafastável da cooperação social. Assim, sequer tem o propósito de abranger outras virtudes ou outros setores primários nos quais serão aplicados os princípios de justiça política.

O próprio autor deixa explícito que a teoria por ele proposta limita-se a tratar de problemas clássicos e afins do Estado democrático moderno, ignorando de forma consciente diversos outros problemas relevantes – e considerados relevantes por ele mesmo –, como a justiça entre os Estados, as reivindicações no ambiente de trabalho, a justiça na família, as questões de gênero e a proteção do meio ambiente (RAWLS, 2000, p. 36-37).

No que tange especificamente à temática dos animais não humanos, já nas primeiras páginas de “Uma teoria” Rawls (1997, p. 19) refere que, se a justiça como equidade gerasse resultados razoavelmente bons, um próximo passo seria estudar uma visão que colocasse em discussão outras virtudes além da justiça. Contudo, ainda essa visão mais ampla – a qual ele denomina de “probidade como equidade”, em “Uma teoria”, e “retidão como equidade”, em “Justiça como equidade” (RAWLS, 1997, p. 19; 2003, p. XVIII) – excluiria o problema de como os seres humanos deveriam se comportar em relação aos animais e à natureza como um todo (RAWLS, 1997, p. 19).

Ao seguir tal perspectiva, o filósofo não está defendendo que os animais podem ser tratados conforme o bel-prazer dos homens; pelo contrário, posiciona-se no sentido de considerar incorreto o tratamento cruel dos animais e a destruição de toda uma espécie (RALWS, 1997, p. 569). Todavia, as capacidades de sentir prazer e dor dos animais impõem, segundo a ótica rawlsiana, apenas deveres de compaixão e humanidade, o que significa dizer que a fauna é colocada fora das questões de justiça. Nesse sentido, o filósofo indica, ainda, que as relações do homem com os animais e o restante da natureza deveriam ser objeto de uma “teoria da ordem natural”, no âmbito da metafísica (RAWLS, 1997, p. 569).

Em “O liberalismo político”, Rawls (2000, p. 297) manteve o mesmo raciocínio, argumentando que o problema dos animais não faz parte da razão pública, sendo meramente um aspecto que os cidadãos poderiam decidir segundo seus valores não políticos. Em suas próprias palavras: “[…] o status do mundo natural, e nossa relação apropriada com ele, não é um elemento constitucional essencial, nem uma questão básica de justiça […]” (RAWLS, 2000, p. 297).

O fato de Rawls ter excluído conscientemente da justiça como equidade a questão dos animais pode ser justificado pelo caráter dúplice de sua teoria, que mescla aspectos da tradição contratualista e do pensamento kantiano: tanto o contratualismo clássico quanto a filosofia moral de Kant baseiam-se, entre outros elementos, na racionalidade. Ademais, a ideia de sociedade como um sistema cooperativo fundado na reciprocidade, em que até certos seres humanos, desprovidos daquelas faculdades morais e da razão em um “nível mínimo”, não são considerados pessoas, corrobora a exclusão dos animais no âmbito da justiça, relegando-os ao plano da mera compaixão.

 

2.2 ANIMAIS NÃO HUMANOS NA TEORIA NUSSBAUNIANA

 

Ainda que Nussbaum não tenha se dedicado tanto à temática dos direitos dos animais quanto o fez, por exemplo, a respeito do feminismo e do enfoque das capacidades aplicado aos seres humanos, a autora faz uma ampla exposição de seu posicionamento no livro “Fronteiras da justiça”. No sexto capítulo do escrito, intitulado “Além da ‘compaixão e humanidade’: justiça para os animais não humanos”[8], a autora fundamenta a aplicabilidade do enfoque das capacidades também a tais seres.

A questão é denunciada como sendo um dos três problemas não solucionados pela teoria de Rawls, para a qual a autora destina suas maiores críticas. Os outros dois problemas concernem à inclusão das pessoas com impedimentos no conceito de cidadania e à ampliação da justiça para o âmbito global. Além de criticar a concepção rawlsiana, todavia, Nussbaum apresenta objeções ao utilitarismo, à filosofia moral kantiana e ao contratualismo clássico, argumentando em favor da abordagem das capacidades.

Diferentemente de Nussbaum, Rowlands (2009, p. 4) entende que a obra de John Rawls fornece um quadro viável para a atribuição de direitos morais a animais não humanos. O autor afirma que a posição original[9] não pressupõe nem a condição de igualdade de poder entre os contratantes, nem a condição de racionalidade dos destinatários dos direitos derivados, ainda que os contratantes sejam tidos como pessoas racionais: a própria racionalidade é um atributo imerecido e, portanto, deve ser excluída por intermédio do véu da ignorância (ROWLANDS, 2009, p. 148-149). Essa perspectiva, segundo o professor, conduz ao entendimento de que os animais também estão incluídos na ideia de justo do contratualismo de Rawls (ROWLANDS, 2009, p. 151).

Nussbaum, por seu turno, desenvolve uma visão própria acerca dos direitos dos animais, a qual pode ser vista como sustentada por três pilares ou ideias fundamentais: (1) dos deveres para além da compaixão; (2) da dignidade para além da racionalidade humana; e (3) das capacidades para além do sentir. Essas três noções serão detalhadas a seguir.

 

2.2.1 Deveres para além da compaixão

 

Uma das grandes críticas formuladas por Nussbaum à teoria rawlsiana, e ao contratualismo de forma geral, diz respeito à identificação[10] dos representantes na posição original (que são pessoas racionais, livres e iguais) com os seres para os quais se destinam os princípios de justiça. Para os contratualistas clássicos, a pergunta “quem faz os princípios e as leis?” possui a mesma resposta do questionamento “para quem são feitos os princípios e as leis?” (NUSSBAUM, 2013, p. 439).

Portanto, como os animais não podem participar de uma escolha consensual – já que não possuem o tipo de inteligência que se exige para uma atuação nesse sentido –, e não há ninguém que represente seus interesses na posição original, eles são simplesmente desconsiderados como sujeitos primários de justiça (NUSSBAUM, 2013, p. 20-21 e 411). Esse raciocínio conduz à ideia de que os deveres dos seres humanos para com os animais limitam-se ao âmbito (máximo) da compaixão.

Rawls não aprofunda as consequências da existência dos deveres de compaixão para com os animais, já que, ressalta-se, não está preocupado com a temática. Já Nussbaum (2013, p. 413) reforça a importância de se considerar os interesses dos animais não humanos como questão de justiça, afirmando que a compaixão, diferentemente do domínio da justiça, pode ocultar o dever de responsabilização diante de atos que ocasionam o sofrimento de outros seres. Considerar um ato como injusto também significa que a criatura lesionada possui o direito de não ser tratada de tal maneira (NUSSBAUM, 2013, p. 413).

Assim, para Nussbaum, o reconhecimento como questão de justiça implica dois efeitos: a responsabilização dos seres humanos diante de atos que prejudiquem os animais, e a atribuição de direitos imediatos básicos a tais seres. Colocá-los no patamar da justiça básica não significa, contudo, retirar-lhes um olhar caridoso ou compassivo; significa que a compaixão, a amizade e o afeto são vistos como importantes, porém não suficientes na tutela dos direitos dos animais. Significa, melhor dizendo, que os animais possuem direitos básicos e merecem uma vida digna independentemente dos sentimentos nutridos pelos seres humanos.

Uma vez que considera os animais como titulares de direitos, Nussbaum distancia-se tanto da abordagem dos deveres de compaixão, amparada por Rawls, quanto da visão dos deveres indiretos. De acordo com Regan (2013, p. 22), essa segunda visão estabelece que os seres humanos possuem deveres em relação aos animais, porém nunca deveres para com eles. Para exemplificar: se “B” machuca o cão de “A”, “B” está sendo incorreto em relação a “A”, pois causou um dano ao cão (propriedade) de “A”.

Os deveres indiretos são defendidos por Kant em Lectures of ethics. Partindo do pressuposto de que todos os animais existem apenas como meios, já que não possuem autoconsciência, o filósofo sustenta que “[…] nós não temos deveres imediatos para com os animais; nossos deveres para com eles são deveres indiretos para com a humanidade.” (KANT, 1997, p. 212, tradução nossa)[11] Como bem aponta Lacerda (2012, p. 41), a perspectiva dos deveres indiretos está presente na legislação brasileira, em que o cuidado no que tange os animais é visto como um dever do ser humano para com ele próprio.[12]

Ao posicionar as questões atinentes aos direitos dos animais no campo da justiça, a teoria nussbauniana representa um grande avanço em relação às filosofias kantiana e rawlsiana. Esse reconhecimento corrobora o dever de o ser humano adotar uma postura ativa na garantia das capacidades dos animais de forma não condicionada à existência de um sentimento particular de empatia ou amizade para com eles; contribui, também, para uma compreensão de justiça animal não restrita às criaturas com as quais o ser humano normalmente possui maior contato, como cães e gatos.

 

2.2.2 Dignidade para além da racionalidade humana

 

A consideração dos animais como sujeitos primários de justiça e titulares de direitos, exposto no primeiro pilar, está diretamente vinculada à segunda ideia fundamental da teoria nussbauniana: a dignidade para além da racionalidade humana. A dignidade animal, conforme se argumenta a seguir, é simultaneamente a origem dos deveres de justiça para com a fauna e a concepção básica do enfoque das capacidades ampliado aos animais não humanos.  Segundo Strapazzon e Tramontina (2017, p. 31), a dignidade é o núcleo originário da perspectiva nussbauniana, já as capacidades são sua linguagem e categoria central.

Como se percebe da citação contida no penúltimo parágrafo da subseção anterior, a filosofia moral kantiana não reconhece deveres diretos para com os animais por lhes faltar a autoconsciência. Em “Fundamentação da metafísica dos costumes”, Kant (2007, p. 68, grifo do autor) reforça que a pessoalidade e a dignidade estão intrinsecamente relacionadas à racionalidade: “Os seres cuja existência depende, não em verdade da nossa vontade, mas da natureza, têm contudo, se são seres irracionais, apenas um valor relativo como meios e por isso se chamam coisas, ao passo que os seres racionais se chamam pessoas […]”. Em outras palavras, enquanto que os seres considerados irracionais possuem um valor como simples meios e, assim, são “coisas”, os seres racionais são dotados do atributo da pessoalidade e não podem ser tratados meramente como meios, sendo detentores de dignidade.

Nussbaum (2013, p. 162-163) sustenta que é justamente a separação entre a pessoalidade e a animalidade que torna problemática a filosofia moral kantiana, aspecto que está presente também na teoria de Rawls. Para Kant, segundo a filósofa explica, os animais não humanos (e também o lado animal da própria vida humana) estão inseridos no reino da necessidade natural, ao passo que os seres humanos com a capacidade complexa do raciocínio moral e prudencial estão no reino da liberdade racional e moral, onde está inserida a dignidade (NUSSBAUM, 2013, p. 163). Tal visão, além de excluir do âmbito da dignidade as pessoas com impedimentos mentais graves, nega que os animais não humanos possam ser considerados fins em si mesmos.

Ao discorrer acerca das capacidades e impedimentos dos seres humanos, no terceiro capítulo de “Fronteiras da justiça”, Nussbaum (2013, p. 196) expõe que o enfoque das capacidades não separa as noções de animalidade e racionalidade: partindo da noção aristotélica do ser humano como animal político e da ideia de Marx de que os seres humanos necessitam de uma pluralidade de atividades vitais, vislumbra a racionalidade como apenas um aspecto da animalidade e, assim, reconhece diversos tipos de dignidade animal, todos merecedores de respeito e tratamento justo. Tal racionalidade, todavia, se constitui em uma variedade de formas de raciocínio prático, sendo a necessidade corporal, incluindo a necessidade de cuidado, uma de suas características (NUSSBAUM, 2013, p. 197).

Importante ressaltar o entendimento de Nussbaum acerca do atributo da racionalidade. Diferentemente de Rawls, para quem os seres racionais são aqueles que possuem as faculdades de ter um senso de justiça e de ter uma concepção do bem, além das faculdades de julgamento, pensamento e inferência, a racionalidade nussbauniana é observada de forma não idealizada, como um aspecto da própria animalidade. Isso conduz Nussbaum a reconhecer a dignidade também na animalidade, nas diversas formas de vida animal.

No capítulo específico da justiça para os animais, Nussbaum (2013, p. 414) reforça que o enfoque das capacidades se baseia na ideia do animal não humano como ele próprio um agente e sujeito primário em busca de uma existência plena. Por consequência do reconhecimento da dignidade animal, concebe os animais não humanos como criaturas que possuem autonomia e personalidade, atributos estes que, segundo argumenta, devem ser protegidos pelo homem em um paternalismo moderado, sensível às várias maneiras de florescimento que as espécies buscam (NUSSBAUM, 2013, p. 460-463).

Assim como Nussbaum, Francione (2010, p. 19), que se autointitula como abolicionista, defende a necessidade do reconhecimento da personalidade moral dos animais. No entanto, diferentemente da autora, opõe-se a qualquer tipo de regulamentação bem-estarista por entender que tal posição reafirma o pensamento de que os animais não humanos possuem um valor moral inferior ao dos humanos, mantendo seu caráter de propriedade, de commodity (FRANCIONE, 2010, p. 27). O autor também argumenta que é falsa a ideia de que a regulamentação do bem-estar levaria à abolição da exploração animal[13], tese defendida por aqueles que ele denomina de “novos bem-estaristas”, categoria na qual inclui Peter Singer, Robert Garner (que, inclusive, é coautor do livro ora referenciado) e a maioria das grandes organizações de defesa dos animais dos Estados Unidos da América e da Europa (FRANCIONE, 2010, p. 48).

As considerações até aqui feitas já permitem perceber que a filosofia de Nussbaum amplia a noção kantiana de dignidade – tratar um ser como simultaneamente um fim em si mesmo, e não como mero meio sujeito às vontades alheias – para também alcançar os animais não humanos. Com isso, passa a admitir outros atributos, como a autonomia e a personalidade na vida animal, contribuindo novamente para o alcance dos direitos desses seres. Resta analisar de que maneira o enfoque das capacidades é aplicável os animais.

 

2.2.3 Capacidades para além do sentir

 

Na abertura do capítulo de “Fronteiras da justiça” específico ao tema, Nussbaum (2013, p. 113) menciona que o problema relativo aos animais não humanos na ótica rawlsiana poderia ser resolvido de dois modos: reconhecendo um certo nível de inteligência em algumas espécies de animais e rejeitando a ideia de que somente aqueles que participaram da elaboração do contrato poderiam ser sujeitos primários de uma teoria de justiça.

A leitura isolada de tal passagem poderia conduzir ao entendimento precipitado de que a filósofa adota o oscilante atributo da inteligência[14] como requisito para conceber status moral a um ser. Apesar de a visão nussbauniana de dignidade não separar a racionalidade da animalidade, como se expôs na subseção anterior, parece mais estável, ou menos sujeito a interpretações muito divergentes, observar a questão da justiça para os animais a partir de uma perspectiva diferente. Há quem considere, por exemplo, que somente são animais inteligentes alguns primatas ou certas espécies de mamíferos ou, ainda, cães de raças específicas.

No curso de sua argumentação, porém, Nussbaum (2013, p. 444) faz evidenciar ter adotado a senciência como critério de definição do status moral das criaturas, observando a capacidade de sentir como “[…] uma capacidade mínima para pertencimento na comunidade de seres que possuem direitos básicos de justiça.” Ressalta-se, porém, que a referida capacidade é mínima, não única; isto é, a capacidade de sentir não é o único elemento com valor intrínseco para a concepção de justiça básica da autora. Essa noção de capacidade mínima decorre do fato de Nussbaum (2013, p. 445) sustentar que todos os seres que possuem uma ou outra das capacidades relevantes também possuem a capacidade de sentir.

A respeito da senciência, o Dicionário Michaelis (c2021) confere ao adjetivo “senciente” dois significados: “Que sente ou tem sensações; sensível” e “Que recebe impressões”. Apesar de Nussbaum não fazer uma conceptualização da senciência, é possível perceber claramente que a autora identifica tal atributo com a capacidade de sentir (e não, por exemplo, com a capacidade de raciocínio), referindo que os seres sencientes são os “seres sensíveis”.[15] Adotando uma interpretação semelhante, Francione (2010, p. 15) define a senciência como “ser consciente de modo perceptual”; em suas próprias palavras: “A única característica cognitiva requerida é que os animais não humanos sejam sencientes – ou seja, que eles sejam conscientes de modo perceptual. […] Se um ser não é senciente, então ele pode estar vivo, mas não há nada que prefira, queira ou deseje.”[16]

O fato de o enfoque das capacidades[17] não se preocupar apenas com a capacidade de sentir dor e prazer é um dos aspectos que o afasta das filosofias utilitaristas. E é por esse motivo que a filósofa, por exemplo, defende adequadamente a esterilização (ou outros métodos não violentos) no controle populacional de animais transmissores de doenças como preferível a quaisquer formas de morte, mesmo que indolores (NUSSBAUM, 2013, p. 475). Por certo que a morte indolor é preferível a uma morte cruel, porém mesmo a morte indolor deve ser evitada.

Nesse cenário, Nussbaum analisa em que medida as dez capacidades do enfoque aplicado aos seres humanos poderiam ser também apreciadas na formulação de princípios políticos básicos e políticas públicas em favor dos direitos dos animais. No presente artigo científico, apenas as considerações principais, relativas a circunstâncias que suscitam maior dúvida (e. g.: adestramento, esterilização e outras formas de controle populacional, criação e abate de animais para alimentação) serão enfrentadas.

Para os humanos, a lista é composta pelas seguintes capacidades: vida; saúde do corpo; integridade física; sentidos, imaginação e pensamento; emoções; razão prática; afiliação; (relacionamento com) outras espécies; lazer; e controle sobre o próprio ambiente (NUSSBAUM, 2013, p. 91/93). Para os animais não humanos, a única capacidade acerca da qual Nussbaum (2013, p. 487) menciona não haver um exato análogo é a razão prática, não a descartando, porém, de imediato; pelo contrário, afirma que se houver alguma criatura capaz de construir objetivos e projetos, então essa capacidade deve ser considerada.

No que tange à vida, Nussbaum (2013, p. 480) reforça que “[…] todos os animais possuem o direito a continuar suas vidas, independentemente de possuírem ou não tal interesse consciente, a não ser, e até, que a dor e a decrepitude não tornem mais a morte um dano.” No caso de seres com capacidade reduzida de sentir, ou mesmo sem essa capacidade (aqui ela menciona os insetos), refere que o aniquilamento motivado (para prevenir danos a colheitas, por exemplo), diferentemente do assassinato gratuito, não fere nenhum direito baseado na justiça (NUSSBAUM, 2013, p. 480-481). Para o caso dos seres com capacidade de sentir, demonstra ser favorável a uma abordagem que se concentra, primeiramente, em banir todas as formas de crueldade, para, na sequência, buscar um consenso também contra o abate (ainda que não cruel) para alimentação, ao menos dos animais mais “complexamente sensíveis”[18] (NUSSBAUM, 2013, p. 481).

No que diz respeito à saúde do corpo e à integridade física, Nussbaum (2013, p. 483-484) expõe que as formas de tratamento que exigem disciplina por parte dos animais, como o adestramento de cavalos, não só não violam seus direitos básicos, como também possibilitam o florescimento de suas capacidades. No mesmo sentido, observa a prática da esterilização (obviamente, não cruel) como compatível com vidas florescentes, afirmando que ela favorece a relação harmoniosa entre os próprios animais (NUSSBAUM, 2013, p. 483-484). A questão do adestramento está vinculada, também, com a quarta capacidade, com base na qual Nussbaum (2018, p. 486) defende que alguns animais possuem direitos a uma educação apropriada.

Relativamente às capacidades de emoção, filiação, relacionamento com outras espécies e lazer, Nussbaum (2013, p. 486-488) argumenta que os animais possuem o direito de não serem isolados forçosamente e de viverem sem medo, além do direito de formarem ligações com seres da mesma e de outras espécies, embora o enfoque das capacidades entenda que os danos mais sérios provocados por membros mais fortes aos mais fracos devam ser impedidos. No que tange à capacidade de controle sobre o próprio ambiente, Nussbaum (2013, p. 489) ressalta a importância de os animais serem vistos como titulares imediatos de direitos, ainda que o guardião humano seja quem tenha que invocar o Poder Judiciário para exigir tais direitos, assim como acontece com as crianças.

O pertencimento à espécie[19] é uma propriedade relevante para a perspectiva nussbauniana, servindo de parâmetro para a definição de quais capacidades são importantes para cada espécie animal, além de afastar os direitos dos animais da ótica estrita dos direitos humanos (NUSSBAUM, 2013, p. 445; LACERDA, 2012, p. 47). Por outro lado, ainda que a espécie tenha relevância, a abordagem das capacidades tem como foco de preocupação o dano individual (de cada membro de cada espécie), admitindo, porém, a possibilidade de justificar atenção especial para as espécies ameaçadas (NUSSBAUM, 2013, p. 438).

O foco no dano individual é outra característica da concepção nussbauniana que a afasta de filosofias utilitaristas. Uma visão coletiva excludente das individualidades poderia conduzir a um utilitarismo que vislumbra como justificáveis, se não houver um dano coletivo (como o risco de extinção de espécies), as situações em que as capacidades dos animais, individualmente considerados, não são alcançadas.

Percebe-se, pois, que o enfoque das capacidades é uma abordagem que avança na proteção dos direitos dos animais tanto em relação à filosofia kantiana, que não reconhece nenhum dever imediato dos seres humanos para com animais, quanto em relação ao pensamento rawlsiano, o qual admite a existência apenas de deveres de compaixão. Avança, ainda, ao ser comparada com as teorias utilitaristas[20], que podem ficar limitadas às questões da dor e do prazer e justificar danos individuais em nome do bem-estar geral.

Ao lado de todas as diferenças já apresentadas neste estudo, é possível apontar uma semelhança entre as teorias de Rawls e Nussbaum, além do fato de ambas serem liberais: assim como a justiça como equidade, o enfoque das capacidades não configura uma doutrina moral abrangente (NUSSBAUM, 2013, p. 478). Logo, pode tornar-se objeto de um consenso sobreposto entre seres humanos que seguem concepções metafísicas diversas, por se basear em juízos éticos (e não metafísicos) e considerar os interesses dos animais não humanos questões de justiça básica.

 

2.3 NATUREZA JURÍDICA DOS ANIMAIS NÃO HUMANOS NO DIREITO BRASILEIRO

 

Após a exposição referente às teorias de Rawls e Nussbaum, com foco nas contribuições teóricas da filósofa para o reconhecimento dos animais não humanos como sujeitos de justiça, chega-se ao segundo nível deste trabalho, que tem o objetivo de abordar criticamente o tratamento jurídico que tais seres vêm recebendo no âmbito brasileiro federal.

A Constituição Federal, de 1988, e o atual Código Civil, de 2002, são certamente os principais documentos normativos a respeito da natureza jurídica dos animais no direito brasileiro, a partir dos quais pode-se extrair seu “cerne conceitual”. O Código Civil estabelece que os animais – e aqui não há distinção entre animais de estimação, de produção ou silvestres[21] – são bens móveis, conforme redação do art. 82[22] (BRASIL, 2002), sendo também referidos como semoventes. Ao serem qualificados como bens, ou seja, “coisas”, não possuem personalidade jurídica nos termos da legislação, diferentemente das pessoas físicas[23] e até mesmo das pessoas jurídicas[24]. A leitura de tal dispositivo desassociada da Constituição Federal poderia levar à conclusão de que, por serem bens, os animais poderiam ser tratados por seus “titulares” da forma que eles desejassem, sem nenhuma restrição.   

Todavia, a Constituição Federal impõe expressamente a vedação de práticas que coloquem em risco a função ecológica da fauna e da flora, que provoquem a extinção de espécies ou que submetam os animais – e aqui também não há qualquer distinção entre animais de estimação, de produção ou silvestres – à crueldade, conforme consta do art. 225, § 1º, inciso VII[25] (BRASIL, 1988). A lei que regulamenta o referido inciso, além dos incisos I, II e III do art. 225, foi editada no ano de 2000, resultando na Lei n. 9.985, que também instituiu o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza (BRASIL, 2000).

Recentemente, em setembro de 2021, no julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) n. 640, o Supremo Tribunal Federal declarou a ilegitimidade das interpretações do art. 25, §§ 1º e 2º, da Lei n. 9.605/1998[26] que possam resultar na autorização de abate de animais, silvestres e domésticos, apreendidos em situação de maus-tratos. A decisão se fundamentou no já explanado art. 225, § 1º, inciso VII, da Constituição Federal (BRASIL, 2021).

Cabe ressaltar que, apesar de formalmente posterior à Constituição Federal, o Código Civil de 2002 é fruto de um projeto elaborado na década de 1970, ou seja, na vigência da Constituição anterior (MORAES, 2006, p. 236), pouco refletindo o espírito constitucional em vários temas, não só no que tange à fauna. Assim, é necessário realizar uma constitucionalização do art. 81 do Código Civil, isto é, uma interpretação constitucional do referido dispositivo, a partir da qual se pode extrair aquele “cerne conceitual” da natureza jurídica dos animais não humanos: se, de um lado, os animais são considerados coisas, de outro, seus titulares não podem lhes conferir o tratamento que desejarem, sendo proibidos de, no mínimo, submetê-los à crueldade, por força constitucional. Na verdade, a própria leitura conjugada da Constituição Federal e do Código Civil permite concluir que os animais, mesmo que considerados bens, não são como quaisquer outros bens, até porque, nada surpreendentemente, são dotados de vida e senciência.

A equiparação jurídica de animais não humanos a bens móveis, ainda que limitada pela proibição ao tratamento cruel, está longe de representar uma tutela efetiva dos interesses e direitos dos animais, a começar pela possibilidade de flexibilização do significado de “crueldade” ou mesmo pela própria limitação da tutela dos animais à proibição do tratamento cruel. Nesse ponto, há momentos em que as linhas bem-estaristas e abolicionistas se compatibilizam, outros em que se distanciam.

Há que se ressaltar também a distinção entre o tratamento conferido aos animais de estimação em relação aos de produção. A temática é sensível porque concentra elementos culturais e até religiosos, além do interesse da classe dos criadores pecuaristas. Um exemplo desse tratamento desigual é a Lei n. 14.064/2020, conhecida como Lei Sansão, a qual aumentou as penas cominadas pela Lei n. 9.605/1998 ao crime de maus-tratos, porém apenas quando o animal for cão ou gato: pena de reclusão, de dois a cinco anos, multa e proibição da guarda, enquanto que para os demais animais a pena é de detenção, de três meses a um ano, e multa (BRASIL, 1998; 2020). De qualquer forma, não há como ignorar o avanço de tal legislação relativamente à tutela de cães e gatos.

A Lei n. 14.064/2020 também merece destaque num ponto bem específico, mas que ilustra um grande salto no regime jurídico de cães e gatos: em vez de utilizar a palavra “posse”, termo juridicamente aplicável apenas na relação da pessoa com seus bens, a legislação emprega a palavra “guarda”, que carrega consigo um caráter muito mais familiarista que possessório. Embora o próprio Código Civil de 2002 utilize a palavra “guarda” também para se referir à relação pessoa-bens, como no inciso I do art. 497[27] e no art. 629[28], o termo é mais amplamente utilizado nas relações pessoa-pessoa, sobretudo entre pais e filhos menores ou incapazes[29], a exemplo da guarda compartilhada.

O emprego da palavra “guarda” certamente não foi feito de modo acidental, estando em consonância com o tratamento que muitos animais domésticos, sobretudo cães e gatos, vêm recebendo nos últimos anos pela própria sociedade, passando a ser reconhecidos não como meros seres postos ao bel-prazer de seus guardiões ou tutores – ou “coisas”, no sentido kantiano –, mas sim como verdadeiros integrantes da família. Atualmente já existem casos no Poder Judiciário visando unicamente à regulamentação da guarda de animal de estimação. Como exemplo, cita-se a Apelação Cível n. 0308062-30.2016.8.24.0008, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, que determinou a anulação da sentença de primeira instância que indeferiu a inicial e extinguiu o processo sem resolução do mérito, ao não admitir o pedido de regulamentação de guarda de animal de estimação, pela inexistência de previsão legal sobre o tema (SANTA CATARINA, 2020).

A decisão supramencionada se fundamentou no julgamento do Recurso Especial n. 1.713.167, pelo Superior Tribunal de Justiça, em 2018, que admitiu a regulamentação da guarda de animal de estimação adquirido na constância do relacionamento, em virtude da dissolução da união estável (BRASIL, 2018).  Embora o relator tenha consignado que “[…] a guarda e as visitas devem ser estabelecidas no interesse das partes, não do animal, pois o afeto tutelado é o das partes […]”, destacou que a saúde do animal também deve ser considerada, como mandamento constitucional (BRASIL, 2018).

O reconhecimento da senciência dos animais não humanos, sejam eles de estimação, silvestres ou de produção, a progressiva inclusão dos animais domésticos ou domesticados no seio da família, bem como as próprias questões ambientais são fatores que revelam a necessidade de uma reformulação do regime jurídico da fauna no direito brasileiro. A atribuição da personalidade jurídica a animais encontra resistência por parte de uma linha, pode-se dizer, mais conservadora de juristas, os quais costumam observar o ponto como uma equiparação absurda dos animais aos seres humanos. Trata-se de uma crítica no mínimo curiosa, já que a personalidade no direito brasileiro não é reconhecida apenas à pessoa natural, mas também às pessoas jurídicas – que, vale lembrar são ficções jurídicas –, e nem por isso se argumenta que há uma “equiparação absurda” entre seres humanos e pessoas jurídicas.

Portanto, se a lei reconhece personalidade jurídica a uma pessoa ficcional, ou seja, a uma entidade que não é pessoa física, não seria nenhum absurdo cogitar o reconhecimento de uma espécie de personalidade aos animais não humanos, que, diferentemente das pessoas jurídicas, são seres muitíssimo reais. Com isso haveria um verdadeiro salto de paradigmas, uma passagem do paradigma antropocêntrico ao biocêntrico ou ecocêntrico, cuja transição, na verdade, já está em curso (SARLET; FENSTERSEIFER, 2021, p. 335).

O próprio Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do Recurso Especial n. 1.797.175, já acolheu, em junho de 2019, a dimensão ecológica da dignidade da pessoa humana e, para além disso, a dignidade animal e a possibilidade de limitação de direitos fundamentais dos seres humanos com base no reconhecimento de interesses não humanos, conforme se extrai da íntegra da decisão que determinou a manutenção da guarda de um papagaio que vivia há 23 anos em cativeiro com sua guardiã, que o criava em sua residência sem a autorização perante o órgão competente (BRASIL, 2019).

Para os animais de estimação, com os quais o ser humano possui maior contato e afetividade, atribuir-lhes direitos da personalidade apenas conferiria juridicidade a uma situação que se verifica há tempos no mundo fático, como o direito à integridade física. Para animais de produção, ainda que capazes de construir laços afetivos com o ser humano da mesma forma que típicos seres de estimação, o reconhecimento de direitos da personalidade por certo representaria um salto imenso.

 

3 CONCLUSÃO

 

A justiça como equidade de John Rawls constitui-se seguramente em uma das teorias de filosofia política mais importantes do final do século XX, sendo inaugurada por “Uma teoria da justiça” e refinada em “O liberalismo político” e “Justiça como equidade: uma reformulação”. Por sua vez, Martha Nussbaum, filósofa com reconhecimento singular no meio científico, aponta no livro “Fronteiras da justiça: deficiência, nacionalidade, pertencimento à espécie” que a teoria rawlsiana não resolveu três problemas: um deles é a justiça para os animais não humanos, tema deste estudo.

Nesse cenário, o presente artigo demonstra, alcançando seu primeiro objetivo específico, que a teoria de Rawls observa os interesses dos animais não humanos como alheios ao âmbito da justiça básica. Mesclando elementos do contratualismo clássico e da filosofia kantiana, ambos fundados na racionalidade, a justiça como equidade posiciona os animais em um patamar inferior: dos deveres advindos da mera compaixão.

A pesquisa indica, na sequência, alcançando também o segundo objetivo específico, que o tratamento dos animais não humanos na filosofia de Nussbaum é diametralmente diverso daquele sustentado por Rawls, a começar pelo fato de que tais criaturas são vistas como sujeitos primários de justiça. Isso significa dizer que, na concepção nussbauniana, os animais são titulares de direitos básicos imediatos, de modo que os seres humanos não possuem, para com eles, deveres de mera compaixão, como Rawls argumenta, ou deveres indiretos, como defende Kant. Esse reconhecimento dos deveres para além da compaixão é o primeiro pilar da perspectiva da autora.

A filosofia nussbauniana fundamenta-se, ainda, em outros dois pilares: o da dignidade para além da racionalidade humana e o das capacidades para além do sentir. A partir do segundo pilar, Nussbaum reconhece diversos tipos de dignidade animal, afastando-se da noção kantiana segundo a qual os animais, tidos como seres irracionais, são “coisas” que podem ser tratadas meramente como meios aos interesses dos seres racionais. Com isso, a filósofa reconhece que tais criaturas possuem também autonomia e personalidade.

A partir do terceiro pilar, Nussbaum argumenta que a senciência, ou a capacidade de sentir, não é a única capacidade que possui valor intrínseco segundo sua compreensão de justiça básica, distanciando-se, nesse momento, de filosofias utilitaristas. Assim, defende que todas as dez capacidades de sua abordagem, destinadas originalmente aos humanos, podem ser também alcançadas pelos animais conforme as características de cada espécie: vida; saúde do corpo; integridade física; sentidos, imaginação e pensamento; emoções; razão prática; afiliação; (relacionamento com) outras espécies; lazer; e controle sobre o próprio ambiente.

Por fim, no que tange ao tratamento conferido pelo direito brasileiro à fauna, pode-se indicar que a colocação dos animais não humanos no mesmo patamar dos bens móveis, ainda que com a proibição da submissão à crueldade, é insuficiente para tutelar de forma satisfatória seus interesses. Todavia, atualmente já se percebe uma mudança no regime jurídico de tais criaturas, especialmente no que tange aos animais de estimação, a começar pelo acolhimento como verdadeiros membros da família, evidenciada juridicamente pela passagem da “posse” para a “guarda”. Nesse cenário, o reconhecimento da personalidade jurídica dos animais não é um absurdo, tampouco uma ideologia, mas sim mais um passo rumo a um paradigma jurídico biocêntrico e à recepção da dignidade animal.

 

REFERÊNCIAS

 

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* O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – Brasil (CAPES) – Código de Financiamento 001.

 

 

[1] Mestra pelo Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade do Oeste de Santa Catarina (Unoesc), concentrado em temas de Direitos Fundamentais, no qual foi bolsista de dedicação exclusiva da CAPES. Graduada em Direito pela mesma Universidade. Advogada. E-mail: dani_carniato@hotmail.com. Orcid: https://orcid.org/0000-0001-7472-689X. Lattes: http://lattes.cnpq.br/8271852645873462.

[2] Doutor e Mestre em Direito pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos). Graduado em Direito pela Universidade do Oeste de Santa Catarina (Unoesc), onde, atualmente, atua como professor da graduação e da pós-graduação stricto sensu. Advogado. E-mail: pjtrindades@hotmail.com. Orcid: https://orcid.org/0000-0001-9092-3391. Lattes: http://lattes.cnpq.br/1485583351425783.

[3] Rowlands (2009, p. 2-3) aponta que foram os filósofos Peter Singer, com seu utilitarismo, e Tom Regan, com sua teoria dos direitos naturais dos animais, que realizaram os trabalhos mais influentes a respeito da libertação animal.

[4] A expressão “animais não humanos” é empregada por Martha Nussbaum certamente com a finalidade de marcar a semelhança existente entre os seres humanos (que poderiam ser referidos como “animais humanos”) e as demais criaturas dotadas do atributo da animalidade. A própria autora, contudo, também utiliza a expressão reduzida “animais” para fazer referência aos “animais não humanos”, já que, apesar de ser menos precisa, evita a repetição de palavras e a poluição textual. A mesma metodologia é seguida neste artigo.

[5] Apesar de o posicionamento favorável aos direitos dos animais ser frequentemente associado ao período entre o final do século XX e início do século XXI – em decorrência, por exemplo, da inclusão da matéria no centro de pautas políticas, bem como da ascensão dos movimentos pró-vegetarianismo e veganismo –, trata-se de assunto com origens não tão recentes. Já nos séculos XVIII e XIX, Jeremy Bentham e John Stuart Mill comparavam os maus-tratos aos animais com a discriminação racial e a escravidão de seres humanos, conforme aponta Sunstein (2004, p. 2-3).

[6] Referência reduzida do título do livro “Uma teoria da justiça” (RAWLS, 1997), utilizada para evitar repetições excessivas da palavra “justiça”.

[7] “Parcial” no sentido de não ser abrangente.

[8] O livro Frontiers of justice foi publicado pela primeira vez em 2006 (NUSSBAUM, 2006), enquanto que a versão traduzida para a língua portuguesa teve sua primeira publicação em 2013 (NUSSBAUM, 2013). Contudo, uma versão (mais enxuta) semelhante ao capítulo “Além da ‘compaixão e da humanidade’” foi publicada – com o mesmo título, inclusive – no livro Animal rights: current debates and new directions, de 2004, organizado pela própria Nussbaum e por Cass Sunstein (NUSSBAUM, 2004). Para a publicação em Frontiers of justice, houve um aprofundamento das questões já levantadas no capítulo do livro com Sunstein.

[9] Rowlands (2009, p. 143) defende que a posição original de Rawls não é uma questão de estar logicamente nem metafisicamente em uma situação, mas sim configura um processo de raciocínio, que pode ser descrito da seguinte maneira: “Na verdade, eu tenho a propriedade P. Mas e se eu não tivesse P? Quais princípios de moralidade eu iria querer adotar se eu não tivesse P?” Tradução livre do seguinte trecho: “‘As a matter of fact, I have property P. But what if I did not have P? What principles of morality would I want adopted if I didn’t have P?’” (ROWLANDS, 2009, p. 143).

[10] É essa identificação que não é vista por Rowlands (2009, p. 148-149) como parte necessária da teoria de Rawls.

[11] Tradução livre do seguinte trecho: “[…] it follows that we have no immediate duties to animals; our duties towards them are indirect duties to humanity.” (KANT, 1997, p. 212)

[12] A questão jurídica será aprofundada na última seção secundária deste estudo.

[13] Francione (2010, p. 49) argumenta que, na verdade, as práticas bem-estaristas de abate, por exemplo, geralmente reduzem os custos da produção e, mesmo quando não o fazem, não há qualquer evidência de que a demanda pelo consumo de alimentos de origem animal diminua em razão da regulamentação bem-estarista. A própria ideia de bem-estar, segundo o autor, coloca os consumidores numa posição mais confortável em relação â exploração animal (FRANCIONE, 2010, p. 51).

[14] Oscilante pois “inteligência” é um termo com sentidos que diferem bastante entre si, não havendo sequer um sentido denotativo homogêneo. O primeiro significado vinculado à palavra no Dicionário Michaelis (c2021), por exemplo, a define como “Faculdade de entender, pensar, raciocinar e interpretar; entendimento, intelecto, percepção, quengo”.

[15] Essa conclusão é extraída a partir da leitura de todo o capítulo “Além da ‘compaixão e humanidade’: justiça para os animais não humanos”, sobretudo das páginas 443-444 e 480-481 (NUSSBAUM, 2013). Cabe ressaltar que, na publicação original, o termo empregado pela autora é sentience; veja-se um exemplo: “Sentience is not the only thing that matters for basic justice […]” (NUSSBAUM, 2006, p. 361).

[16] Tradução livre do seguinte trecho (FRANCIONE, 2010, p. 15): “The only cognitive characteristic that is required is that nonhumans be sentient — that is, that they be perceptually aware. […] If a being is not sentient, then the being may be alive, but there is nothing that the being prefers, wants, or desires.”

[17] Bastos (2018, p. 55) utiliza a expressão “abordagem das competências”. Lacerda (2012, p. 46) refere como “teoria das capacidades ou competências”.

[18] Expressão empregada pela autora (NUSSBAUM, 2013, p. 481).

[19] O “pertencimento à espécie” significa que a categoria “espécie” deve ser analisada, mas na medida em que os animais de espécies diferentes prosperam de maneiras também diferentes (BASTOS, 2018, p. 55), cada uma a seu modo, e não no sentido de que uma espécie é superior à(s) outra(s), o que poderia caracterizar um especismo.

[20] Certamente existem perspectivas utilitaristas marcadas entre si por diferenças significativas (assim como as filosofias contratualistas), porém este estudo não objetiva apontar tais distinções.

[21] A fauna silvestre também é regida por lei especial, a Lei n. 5.197/1967, a qual estabelece que os animais silvestres, seus ninhos, abrigos e criadouros são propriedades do Estado, sendo proibidas, em regra, sua utilização, perseguição, destruição, caça ou apanha (BRASIL, 1967).

[22] “Art. 82. São móveis os bens suscetíveis de movimento próprio, ou de remoção por força alheia, sem alteração da substância ou da destinação econômico-social.” (BRASIL, 2002)

[23] “Art. 2º A personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro.” (BRASIL, 2002)

[24] “Art. 52. Aplica-se às pessoas jurídicas, no que couber, a proteção dos direitos da personalidade. […] Art. 985. A sociedade adquire personalidade jurídica com a inscrição, no registro próprio e na forma da lei, dos seus atos constitutivos (arts. 45 e 1.150).” (BRASIL, 2002)

[25] “Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações. § 1º Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público: […] VII – proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade.” (BRASIL, 1988)

[26] “Art. 25. Verificada a infração, serão apreendidos seus produtos e instrumentos, lavrando-se os respectivos autos. § 1º Os animais serão prioritariamente libertados em seu habitat ou, sendo tal medida inviável ou não recomendável por questões sanitárias, entregues a jardins zoológicos, fundações ou entidades assemelhadas, para guarda e cuidados sob a responsabilidade de técnicos habilitados. § 2º Até que os animais sejam entregues às instituições mencionadas no § 1o deste artigo, o órgão autuante zelará para que eles sejam mantidos em condições adequadas de acondicionamento e transporte que garantam o seu bem-estar físico.” (BRASIL, 2000)

[27] “Art. 497. Sob pena de nulidade, não podem ser comprados, ainda que em hasta pública: I – pelos tutores, curadores, testamenteiros e administradores, os bens confiados à sua guarda ou administração;” (BRASIL, 2002, grifo nosso).

[28] “Art. 629. O depositário é obrigado a ter na guarda e conservação da coisa depositada o cuidado e diligência que costuma com o que lhe pertence, bem como a restituí-la, com todos os frutos e acrescidos, quando o exija o depositante.” (BRASIL, 2002, grifo nosso)

[29] Citam-se como exemplos os seguintes artigos: art. 1.566, inciso IV; art. 1.583 ao art. 1.590; art. 1.612; art. 1.634, inciso II; e art. 1.724 (BRASIL 2002).

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