Revista Iberoamericana de Derecho, Cultura y Ambiente

Revista Iberoamericana de Derecho, Cultura y Ambiente
RIDCA - Edición Nº2 - Derecho Ambiental

Mario Peña Chacón. Director

20 de diciembre de 2022

A urbanização de áreas rurais pela expansão hoteleira e residencial em regiões de vocação turística.
La urbanización de áreas rurales a través de la ampliación de hotelera y residencial en comarca con vocación turística

Autores. Ailor Carlos Brandelli, Carlos Alberto Lunelli y Felipe Franz Wiencke. Brasil

Ailor Carlos Brandelli*

Carlos Alberto Lunelli*

Felipe Franz Wiencke*

RESUMO: As duas últimas décadas inauguraram uma nova vocação à destinação das propriedades no Vale dos Vinhedos, interior do Município de Bento Gonçalves: a expansão da rede hoteleira e a criação de condomínios fechados. Tais empreendimentos decorrem da aquisição de áreas agrícolas que por vezes, encontravam-se ocupadas com o plantio de centenárias cepas de videiras, trazidas pelos primeiros colonizadores italianos. As edificações causam considerável impacto paisagístico, viário, de vizinhança e por vezes, têm diminuído significativamente as áreas de plantio de videiras, cujos cultivares são necessários para manutenção da Denominação de Origem (DO), que adota regras específicas de cultivo e de processamento das uvas autorizadas. O reconhecimento da necessidade de controle da expansão hoteleira e residencial implica em promover a proteção da vocação vitivinícola da localidade, criando-se elementos próprios de zoneamento ambiental, integrado com os municípios limítrofes, diretrizes específicas para a localidade e um planejamento socioeconômico que possibilite a manutenção e viabilidade das propriedades existentes, afetas ao plantio das uvas e seu processamento, já fragilizadas frente ao embate econômico decorrente do crescimento.   

PALAVRAS-CHAVE: Urbanização; Ambiente; Vulnerabilidade; Vitivinicultura; Ideologia.

ABSTRACT: The last two decades have inaugurated a new vocation for the destination of properties in Vale dos Vinhedos, in the interior of the Município de Bento Gonçalves: the expansion of the hotel chain and the creation of gated condominiums. Such enterprises result from the acquisition of agricultural areas that, at times, were occupied with the planting of centenary vines, brought by the first Italian settlers. The buildings cause a considerable landscape, road and neighborhood impact, and sometimes have significantly reduced the vine planting areas, whose cultivars are necessary for the maintenance of the Appellation of Origin, which adopts specific cultivation and processing rules of authorized grapes. The recognition of the need to control hotel and residential expansion implies promoting the protection of the wine-growing vocation of the locality, creating its own environmental zoning elements, integrated with the bordering municipalities, specific guidelines for the locality and a socioeconomic planning that enables the maintenance and viability of the existing properties, related to the planting of grapes and their processing, already weakened in the face of the economic struggle resulting from growth.

KEYWORDS: Urbanization; Environment; Vulnerability; Wine-Growing; Ideology.

INTRODUÇÃO

            A região do Vale dos Vinhedos, desde o tempo da chegada dos primeiros imigrantes italianos, teve importante protagonismo no sustento das famílias e no desenvolvimento de um modelo social, com forte matriz religiosa, cuja organização e desenvolvimento dos grupos sociais partia da construção inicial de uma capela ou igreja, evoluindo para a agricultura de subsistência com a venda de excedentes, consolidando-se no plantio das videiras e na produção dos vinhos, reconhecidos internacionalmente pela sua qualidade. Nesse diapasão, a sociedade moderna assenta a compreensão de subserviência às ideologias de matriz econômica e política, que observa a natureza como provedora de recursos, qualquer seja o custo desfavorável aos que nela habitam.  O Vale dos Vinhedos também se consolida como importante destino turístico, por sua geografia, história e outras singulares características, que agora vão ameaçadas pelo crescimento desordenado, decorrente de sua ocupação territorial por condomínios fechados, grandes empreendimentos hoteleiros e atrativos comerciais que se dissociam de sua origem vitivinícola. Nesse interim, à luz do método hermenêutico, com procedimento monográfico, pela técnica de pesquisa em fontes bibliográficas e documentais, observando a trilogia dos manuais, obras especificas e artigos científicos, faz-se necessária a criação de normas específicas que atentem para a melhor ocupação territorial, comprometidas com a participação popular, acenando para um novo modelo de compreensão ambiental, cuja ideologia assenta-se em assegurar a vocação vitivinícola que deu origem ao Vale, sob pena de inviabilizar seu propósito inicial.

1. A VOCAÇÃO TURÍSTICA NO VALE DOS VINHEDOS: DA IMIGRAÇÃO ITALIANA À CONSTRUÇÃO DA PAISAGEM VITIVINÍCOLA

            O Vale dos Vinhedos, pequena fração de terra com área aproximada de 81 km² entre os municípios de Bento Gonçalves, Garibaldi e Monte Belo do Sul, localizados na Serra Gaúcha do Estado do Rio Grande do Sul, é um dos mais importantes destinos para o Enoturismo, encontrando-se em uma ascensão vertiginosa nas últimas duas décadas, consolidando-se ainda mais, com o propósito dos turistas em apreciar a gastronomia, a cultura e as encantadoras paisagens, formadas, em sua maioria, pela arquitetura italiana e pelo cultivo de videiras, algumas delas centenárias, dispostas em parreirais, preferencialmente sustentados por árvores vivas (Plátanos), seguindo a tradição cultural de plantio já praticada no norte da Itália.

            Os imigrantes italianos lapidaram essas íngremes encostas, fruto de seu trabalho árduo, desde os primeiros anos da colonização, cuja chegada assinala como marco inicial o ano de 1875.  No sítio do município de Bento Gonçalves, há um apanhado histórico sobre o início da imigração italiana, assim referindo:

O cultivo da videira Isabel tomou expressão acentuada após a chegada dos imigrantes italianos aos altos da Serra, a partir de 1875. No início, cultivavam apenas para o consumo da família. Por volta de 1980 o êxito dessa variedade era tão surpreendente que os colonos iniciaram a comercialização do vinho Isabel para a capital do Estado e outras cidades. (De Paris, s.d.)

            Essa identidade no cultivo das videiras e na produção do vinho sobressai como um diferencial na colonização da região, trazendo ainda a forte influência religiosa, com a construção de igrejas e pequenos capiteis, a organização de pequenas vilas, após a distribuição dos lotes, previamente numerados e que deram origem ao nome de algumas localidades. No Vale dos Vinhedos, encontram-se também as localidades do 8 da Graciema, que correspondia ao lote número 8 e seguintes (o ponto de referência é a Capela de Nossa Senhora das Graças); o 15 da Graciema, e também o 6 da Leopoldina (local onde estão situadas as Capelas das Almas e de Nossa Senhora das Neves, esta, que teria sido construída em um período de forte seca, utilizando-se vinho ao invés de água para a edificação da estrutura), dentre outras tantas comunidades, tomando-se a nomenclatura dos lotes como principal referência. Já ao plantio das videiras, percebe-se que:

O cultivo da videira foi um dos elementos centrais de resgate da cultura dos imigrantes. O sistema adotado da condução das videiras no Brasil foi o mesmo praticado na Região do Trento Alto Adige, do Vêneto e outras regiões da Itália. As práticas culturais dos imigrantes adaptaram-na assim como era utilizada pelos imigrantes alemães que forneceram as mudas. (PIANA GIORIDANI, 2020, p. 263)

            A mesma autora lembra que os primeiros imigrantes italianos chegaram na Linha Leopoldina, hoje Vale dos Vinhedos, em 24 de dezembro de 1875, local esse em que construíram o primeiro núcleo habitado (2020, p. 262) e que, seguindo semelhante modo de fazer, foram organizando as outras comunidades e consolidando o plantio de uvas e de produção de vinhos. Isso também se repetiu, em semelhantes proporções, nos municípios vizinhos, como Farroupilha, Garibaldi e Caxias do Sul, entre outros. Sobre esse importante período, Dal Pizzol e Pastor observam que:

Estava assim se iniciando, em 1875, a grande imigração italiana para o sul do Brasil, que lhe coube a função histórica de serem os primeiros povoadores e os legítimos fundadores das prósperas cidade do nordeste gaúcho, em terras situadas nos altipiano entre os rios Caí e Antas. […]  No local de destino, ao alto da Serra, a demarcação dos primeiros lotes obedecia a uma dimensão máxima com as pequenas propriedades e a proximidade de vizinhos e parentes. As novas dimensões e a cobertura de misteriosas matas causavam ao imigrante mal-estar, medo e sensação de total isolamento em relação aos vizinhos. Por esses detalhes, ocorreram muitas reclamações da Comissão; assim, as áreas foram sendo reduzidas, gerando lotes que, inicialmente, eram de 60 e, posteriormente, de 44, 30 e 24 hectares. (2016, p. 85-86)

            A construção do espaço regional e a vitivinicultura, trazido para um recorte regional, na Serra Gaúcha e no Vale dos Vinhedos, traz importante vinculação com a imigração italiana, que traduziu para aquela região todos os saberes sobre o manejo da terra e a plantação de videiras. Ivanira Falcade percebe que:

A evolução da vitivinicultura no estado do Rio Grande do Sul está diretamente ligada ao contexto da colonização italiana, iniciada em 1875, baseada na pequena propriedade e no trabalho familiar. Embora, no princípio, as videiras não tenham vingado, o imigrante manteve a cultura, por tratar-se de importante elemento identitário. (2004, p. 202).

            Prossegue afirmando:

A ocupação das terras em toda a região foi rápida. O reduzido tamanho dos lotes em relação ao número de filhos nas famílias dos imigrantes formou, desde logo, um excedente de população que passou a buscar novas áreas para se estabelecerem, especialmente por ocasião do casamento. […] O imigrante italiano era ao mesmo tempo um agricultor e um artesão. Nas pequenas propriedades o imigrante construiu um espaço caracterizado pela policultura e com diversificação de atividades, o que as tornava relativamente autossuficientes. A produção era realizada em pequena escala, de forma artesanal e com mão de obra familiar. Além dos italianos, chegaram à região, ainda nas últimas décadas do século XIX, algumas centenas de imigrantes poloneses e portugueses, tendo se localizado, respectivamente, em vales e nas cidades. (2004, p. 204).

            Esse modelo de construção e organização das cidades pelos imigrantes italianos também foi percebido em outras regiões do Brasil, vinculados ao padrão vindo de Portugal e que já moldava outras regiões. Para Rech e Rech, “o modelo atual de cidade apenas ampliou o projeto das Ordenações. […] O direito português, na realidade, valorizava muito os espaços públicos, os prédios institucionais como a igreja, a prefeitura, o pelourinho”. (2016, p. 40). Segundo José Júlio da Ponte Neto, observa-se que:

No Brasil, entretanto, implantou-se uma estrutura administrativa por meio de adaptações das Ordenações Manuelinas e Filipinas às condições da colônia, principalmente quanto à organização municipal. Ademais, o Brasil caracteriza-se para a metrópole como fonte de exploração econômica […]. Por isso, não é difícil explicar que a política e o aparelho institucional e administrativo constituídos objetivavam a manutenção de situação de dependência à metrópole […]. Nesse sentido histórico e econômico, Portugal não demonstrou preocupação em estabelecer políticas de povoamento ordenado. Ao contrário, as cidades brasileiras foram geradas à revelia de planejamento. (2008, p. 37-39).  

Celso Antônio Pacheco Fiorillo, quando analisa a ótica do planejamento das cidades, compreende que:

As cidades do Brasil […] foram construídas a partir do século XVI em face da enorme extensão da costa e da necessidade de nela estabelecer, para sua defesa, os primeiros núcleos de povoamento e principalmente diante dos objetivos de Portugal, que “antes cuidava de explorar que colonizar. […] De qualquer maneira é importante registrar que as novas cidades seguiram um modelo uniforme: via de regra um tabuleiro de linhas retilíneas que definiam uma série de quarteirões iguais, quase sempre quadrados. No centro da cidade, suprimiam-se ou reduziam-se alguns quarteirões, conseguindo-se uma praça sobre a qual eram construídos edifícios importantes, a saber, a igreja, o paço municipal, as casas dos mercadores e dos colonos mais ricos. (FIORILLO, 2009, p. 1-2).

            Além dos mencionados imigrantes, que se juntaram aos italianos que aqui chegaram, a região experimentou uma forte influência francesa, advinda das congregações religiosas que se estabeleceram em cidades da Serra Gaúcha. O vizinho município de Garibaldi teve a alfabetização de seus primeiros moradores através das escolas administradas por tais congregações, somando-se a isso, além da produção dos vinhos, também o despertar da produção de espumantes, pela tradicional família Peterlongo, oriundas da região do Tirol Italiano, a qual lhe reserva, até os atuais dias, o título de Capital Nacional do Espumante.

            Esse espaço social delineado pelos imigrantes italianos, que permearam a organização através das experiências vivenciadas em seu país de origem, alicerçado com muita ênfase num modelo baseado na estruturação comunitária vinculada à religião católica, por eles praticada, partia, de imediato, com a edificação de uma igreja ou pequena capela e, ao entorno, a sede da localidade. Dal Pizzol e Pastor lembram que “pode-se constatar a conotação dos caminhos universais da vitivinicultura, paralelos aos trilhados pela marcha da Igreja Católica, o que contribui para explicar a presença de ritos e símbolos do catolicismo em muitos locais” (2016, p. 81). Concomitantemente, o trabalho nas propriedades rendia uma farta produção agrícola, além da criação de animais para abate, como porcos, galinhas, coelhos, bois e vacas, o que se traduzia em uma realidade que não era presente quando partiram da Itália, que, mesmo unificada, trazia uma preponderância de atividade agrária em seu território. Piana Giordani ressalva que:

O traço da cultura vinícola, além de marcar a paisagem, transformou o território em um espaço social, fazendo com que seus moradores se reconhecessem dentro de uma produção vitícola e também de competição entre produtores. Disso aflorou uma marca cultural dos imigrantes. […] No final do século XIX e início do século XX, pela adaptação da videira ao solo, com o clima favorável presente no território e o cultivo vitícola como parte da cultura dos imigrantes, previa-se que, com o melhoramento técnico da condução das videiras e da qualidade do vinho, ele poderia tornar-se um referencial também econômico para a região. (2019, p. 104-106).

            Os imigrantes italianos experimentaram adversidades na produção vitícola, em especial, quanto ao fato de que as mudas trazidas de seu país de origem, não se adaptaram às características aqui existentes. Havia assim, o saber fazer do plantio e do cultivo das videiras, no entanto, necessária a adaptação de uma variedade que fosse resistente ao clima dessa região, pelo que:

[…] a cultura vitícola se consolida com a vinda dos imigrantes italianos para o Brasil e sua instalação na região hoje conhecida como Serra Gaúcha. Em um primeiro momento, estes trouxeram suas vinhas da Europa. Mas estas não se adaptaram prontamente ao solo e clima da região. Em pouco tempo foram substituídas pelas videiras americanas e híbridas. Neste aspecto, deve-se destacar que, desde a vinda dos imigrantes italianos, o Rio Grande do Sul tem sido o maior estado produtor brasileiro de uvas para elaboração de vinho. (BRUCH, 2018, p. 2).

            A variedade de uva que preponderou nesse período e que foi amplamente adotada pelos imigrantes italianos, foi a vitis vinifera denominada “Isabel”, de origem americana, que já predominava em outras regiões do Rio Grande do Sul, especialmente nas proximidades da Lagoa dos Patos, já que a umidade daquela região era considerada imprópria para as uvas europeias. Também cultivada na Argentina e Uruguai, hoje é encontrada em algumas regiões da Itália, sendo conhecida como “fragolina”.

            O plantio em grande escala da variedade Isabel na Serra Gaúcha deu origem à paisagem atual, através da condução da planta por toras de madeira e após, por arames de aço, fixados em suas extremidades por tutores vivos (árvores conhecidas como Plátanos), ou ancorados, em trechos de encostas mais íngremes, através de grandes muros de pedras ou alicerces, montados para esse fim. As terras recém desmatadas guardavam um solo rico em nutrientes, que permitia o desenvolvimento saudável da planta e uma considerável produção de uvas, que foram se transformando em vinho para o consumo familiar, local e após, a venda dos excedentes, servindo, também, para que se criassem novas estradas, necessárias ao escoamento da produção no lombo de mulas e depois, em carroças.

            Essa forma de disposição da planta, comumente conhecida como “parreirais”, dispostos em forma de “latada”, traz uma cobertura verde, contínua, principalmente nos meses de floração e colheita, que dá a impressão de uma pintura a pincel pelas encostas das montanhas. Após a colheita, o outono traduz uma diversificada paleta de cores, que vai de tons de marrom ao avermelhado, culminando com a queda de todas as folhas na entrada da estação invernal. Nesse momento, repousam à espera da poda e depois, rejuvenescem fortemente, dando início a mais uma vindima.

            Esse ciclo de repetidas safras de uva, que guarda uma repetição secular na região da Serra Gaúcha e que dele decorre essa magnífica paisagem vitivinícola despertou a ocupação das terras do Vale dos Vinhedos também para a vocação turística, seguindo o mesmo destino de outras regiões do mundo que aproveitam o contexto histórico e paisagístico como forma de fomentar o turismo. No entanto, a especulação imobiliária, com a criação de condomínios fechados, grandes hotéis e resorts, além de alterar significativamente a paisagem, os costumes locais e a biodiversidade, demonstra-se desregrada e em uma expansão prejudicial à própria manutenção do Vale dos Vinhedos, o que merece, nesse momento, apurado estudo para que se redefinam tais aspectos, atentando-se para um sistema autossuficiente e sustentável.

2. A URBANIZAÇÃO DAS ÁREAS RURAIS: A CONTRADIÇÃO ENTRE A VALORIZAÇÃO DAS PROPRIEDADES E A PRESERVAÇÃO DO CONTEXTO PAISAGÍSTICO E HISTÓRICO

 

            As transformações do território guardam importante consonância com as necessidades daqueles que o povoam. O trabalho na terra e a extração dos meios necessários à subsistência são elementos que amoldam a paisagem de determinando local e com ele, assentam costumes, registros históricos e culturais, que são uma espécie de marca digital ou de assinatura de um povo. Os imigrantes italianos são os atores dessa transformação quando desbravaram com seu suor a densa vegetação e nela ergueram cidades, plantaram e colheram, cresceram e se multiplicaram e hoje, quando se observa a Serra Gaúcha, não há controvérsia de seu papel nessa importante fase da história.

            No entanto, tamanha beleza despertou, em especial no Vale dos Vinhedos, o desenvolvimento da região como uma rota turística que, num primeiro momento, fomentaria a venda dos vinhos nele produzidos, por vinícolas locais e que ainda não guardavam renome nacional ou internacional. O Vale dos Vinhedos não se parece com outras áreas de turismo vitivinícola espalhadas pelos demais continentes, porque guarda características próprias e condições únicas, não sendo possível adotar nele, as mesmas regras de ocupação que foram praticadas em outras estâncias turísticas. A nomenclatura decorre da Lei nº 1.805/1990, do município de Bento Gonçalves (RS), em razão de sua vocação vitícola e paisagem, composta de um extenso vale em sua face norte, coberto em sua maior parte por vinhedos.

            O despertar turístico também trouxe uma afinidade dos turistas com a gastronomia. Não se prova no Vale dos Vinhedos a comida italiana, e nem é servida como tal, e sim, se trata da alimentação que era praticada pelos imigrantes italianos, denominados “colonos”, pelo simples ato de colonizar essas terras. Portanto, a gastronomia existente e cultural da localidade é a comida colonial, que tem a influência da culinária italiana, mas sem a evolução gastronômica do país de origem. Esses pratos são os mesmos servidos nas famílias de imigrantes e de seus descendentes, com modo de fazer e com receitas que se repetiram ao longo dos tempos. Esse costume e essas práticas deverão ser preservadas, não se fazendo necessário reescreve-las, porque fazem parte desse arcabouço cultural existente.

            A importância dos saberes trazidos pelos imigrantes recebe a salvaguarda de patrimônio histórico pelo Estado do Rio Grande do Sul, cuja promulgação da Lei Estadual nº 10.898, de 1º de dezembro de 2022, reconhece como patrimônio histórico e cultural, os saberes tradicionais, o acervo de receitas e as práticas alimentares que constituem a história e a cultura gastronômica italiana dos imigrantes, demonstrando assim, a necessidade de acentuada proteção.

            Os vinhos produzidos no Vale dos Vinhedos guardam importante relevância no fomento da atividade turística. A escolha das variedades viníferas e a excelência na vinificação, aliadas às características peculiares da região, permitiu destacá-lo como “o primeiro território vitícola do Brasil reconhecido com indicação geográfica, uma certificação obtida em 2002” (PIANA GIORDANI, 2019, p.165), delimitando a área geográfica e estabelecendo requisitos para o plantio, além de rígidos padrões de qualidade e identidade dos produtos. Por conseguinte, no ano de 2012, o Vale dos Vinhedos recebeu a “Denominação de Origem”, cuja área geográfica passou a ser delimitada e georreferenciada, além de impor, em documento próprio, a normatização de todo o processo de plantio, vinificação e elaboração até a disposição final ao consumidor. Para Piana Giordani:

O novo reconhecimento trouxe novas normativas para o território produtivo, que devem ser seguidas pelos produtores, para que seus vinhos possam ser reconhecidos por essa certificação, utilizando-a no rótulo e no contrarrótulo. Assim, já não é seguida a normativa anterior, de indicação geográfica, devendo-se seguir na produção e elaboração dos vinhos a novo reconhecimento, que é a denominação de origem. Ela estabelece que a produção vinícola deve ser 100% produzida no Vale dos Vinhedos, apresentando também regras de cultivo, de altitude, quais cepas podem ser produzidas e os limites de produtividade. Estabelece, ainda, os métodos de produção e graduação alcoólica, normas de rotulagem e padrões de identificação. (2019, p. 178).

             No entanto, a denominação de origem impôs um ajuste conflitante na forma de disposição das videiras, historicamente conduzidas em “latadas”, com tutores vivos, passando-se a exigir que os produtores fizessem a condução das videiras através de “espaldeiras”, o que causou a reconversão de significativa parte dos vinhedos para esta nova forma de condução, impondo também, a supressão de algumas videiras centenárias em substituição à nova forma de plantio e condução. A mesma autora percebe que:

O tensionamento entre a preservação da paisagem produtiva e/ou a adoção de uma nova paisagem para atender o reconhecimento da DO no Vale dos Vinhedos é uma realidade que o território vive nos últimos 30 anos, entre a preservação ou a supressão de videiras históricas. […] Essas ações conduziram alterações silenciosas da paisagem vitícola, cujas práticas dos saberes tradicionais de condução das videiras, do manejo, dos materiais locais no sistema de produção são relegadas ao esquecimento. (2020, p. 208 – 210).

            Esse espaço socialmente construído ao longo do último século e historicamente disposto pelo trabalho das diversas gerações, encerra os seguintes elementos, que vão descritos em peculiar consonância, segundo observa Ivanira Falcade:

Há elementos na paisagem do Vale dos Vinhedos que são expressões de identidade cultural dessa sociedade. Observar essa paisagem vitícola pode ser a expressão conjugada do prazer dos sentidos, assim como, apreciar um bom vinho. É possível ver na paisagem, o vinho; e sentir no vinho, a paisagem, ambos frutos do trabalho (2004, p.215-216).

            Assim, a busca de uma denominação diferenciada, para valorização dos vinhos produzidos no Vale dos Vinhedos trouxe, também, importante descaracterização na paisagem local, através da modificação significativa na forma de condução das videiras. E não somente isso, a indicação geográfica de procedência e a denominação de origem obtidas, alçaram o Vale dos Vinhedos como importante destino turístico, conhecido como “enoturismo”, assim definido:

[…] segmento do fenômeno turístico, que pressupõe deslocamento de pessoas, motivadas pelas propriedades organolépticas e por todos o contexto da degustação e elaboração de vinhos, bem como a apreciação das tradições, da cultura, gastronomia, das paisagens e tipicidades das regiões produtoras de uvas e vinhos. (VALDUGA, 2011, p. 15).

            Esse deslocamento de pessoas trouxe significativo impacto. Inobstante a conversão de imóveis residenciais em pequenas pousadas, e, num segundo momento, passaram-se a edificar grandes hotéis, além da expansão do comércio local, nem sempre voltado para o segmento do enoturismo. Mais do que isso, a área urbana do município de Bento Gonçalves passa a avançar cada vez mais em direção ao lado norte do Vale dos Vinhedos, impondo visibilidade e iniciando uma franca e desregrada especulação imobiliária sobre as áreas rurais existentes, inaugurando-se a fase de ostensivos condomínios residenciais fechados. Piana Giordani assim descreve:

Os condomínios residenciais fechados que têm surgido nos últimos 10 anos no Vale dos Vinhedos, na zona rural, podem propiciar a perda de sua matriz cultural, e isso ocasionaria o empobrecimento cultural e territorial, criando espaços artificiais. Ao mesmo tempo, os novos usos do território com seus novos habitantes alheios à produção vitícola levariam a uma segregação identitária dos valores culturais impressos nos anos de construção das comunidades. (2019, p. 35).

            Ela complementa a sua percepção mencionando que o local adquiriu outro uso, que não o produtivo, de modo que “o perímetro urbano do Município de Garibaldi foi ampliado para efetivar a aprovação do condomínio em área urbana […] que se apropriou da infraestrutura de acesso pelo Vale dos Vinhedos de Bento Gonçalves e de sua paisagem” (PIANA GIORDANI, 2019, p. 195). O Plano Diretor de Bento Gonçalves não difere em seus propósitos deste do município vizinho, já que, através da Lei Complementar nº 200/2018, reconhece a zona rural como predominantemente agrícola, descrevendo que “o Distrito do Vale dos Vinhedos tem como vocação natural consolidada a vitivinicultura e o enoturismo, aliados à agricultura e turismo rural” (RECH; BLASESKI, 2022, p. 203). Para os autores, é o zoneamento rural o responsável pela definição das áreas onde poderá ocorrer o parcelamento do solo, “inclusive com a existência de condomínios vitivinícolas […] e condomínios edilícios” (2022, p. 206).

             A construção de grandes empreendimentos hoteleiros e a aprovação de condomínios no Vale dos Vinhedos assinala uma nova fase que poderá implicar em sua contínua descaracterização e na inviabilidade econômica de sua vocação vitivinícola, impondo-lhe um decesso programado. Para Krell e Melo Santos, os condomínios de acesso controlado não representam ganhos para a coletividade, porque impõem uma série de restrições, implicando em notável impacto social, econômico e ambiental em seu entorno. Dizem os autores:

É difícil imaginar alguma vantagem palpável para a coletividade quanto às áreas públicas como praças ou jardins que passam a ser reservadas ao uso exclusivo de particulares. Ainda que o governo municipal fique, supostamente, desobrigado dos encargos de manutenção de tais áreas, as perdas sociais causadas pela subtração de tais domínios suplantam as possíveis vantagens econômicas decorrentes dessa restrição de uso. […] No momento da realização do loteamento, há a criação de novas vias de circulação, que tanto darão acesso à área loteada quanto passarão a inserir-se na malha urbana, integrando o sistema viário da região. O seu fechamento causa uma restrição à circulação de pessoas e pode gerar danos à própria dinâmica da urbe, impactando no desenho da cidade […] uma vez que promove a segregação social, privatiza o acesso aos serviços básicos e equipamentos sociais e prejudica as condições de acessibilidade e mobilidade. (2002, p. 154-155).

            Esse aceno dos autores para a inviabilidade de condomínios fechados mostra-se adequado à situação existente no Vale dos Vinhedos, que experimenta o avanço desenfreado da expansão urbana sobre a paisagem cultural existente, inclusive, com a chancela legislativa dos entes públicos, em busca de um promissor crescimento econômico e habitacional.

            Instalar condomínios e grandes hotéis no Vale dos Vinhedos aponta para a inviabilização da atividade vitivinícola, porque há um componente que não permite a manutenção da boa vizinhança: o tratamento fitossanitário das videiras. De um lado, está o morador de um condomínio fechado, que desembolsa notável aporte financeiro para compra do terreno e edificação de seu moderno imóvel, em área fechada do condomínio, que lhe permite contemplar todas as belezas da geografia da região e, para o lado de fora do muro, a pulverização de fungicidas, herbicidas, inseticidas e a utilização de fertilizantes químicos e orgânicos, necessários à produção e manutenção das videiras.

            Segundo Dal Molin, a atividade vitivinícola tem potenciais impactos ao meio ambiente desde a fase do cultivo da uva até o descarte da embalagem dos produtos, passando pela geração de outros resíduos, como bagaço, engaço e borra, todos decorrentes da vinificação. Em seu estudo, a autora apontou, em inventário realizado nas propriedades visitadas em Bento Gonçalves que:

Além dos fertilizantes, foram registrados o uso de 80 agrotóxicos diferentes, dentre herbicidas, fungicidas e inseticidas. […] o fungicida utilizado em maior quantidade foi o sulfato de cobre, seguido do Dithane, Curathane e Antracol. Além disso, destaca-se para o grande número de herbicidas que são utilizados. [..]  Observa-se que o herbicida Finale, utilizado nas propriedades de Flores da Cunha, é o terceiro mais utilizado nas propriedades de Bento Gonçalves, sendo que os mais utilizados são o Glifosato e o Roundup. […]  No total, são 50 princípios ativos diferentes sendo que os que se apresentam em maior quantidade de agrotóxicos é o macozebe, cymoxanil e o cobre metálico. Cabe destacar que um agrotóxico pode ter mais que um princípio ativo em sua formulação. (2021, p. 93-97).

            A pesquisa foi realizada in loco, em 71 propriedades vitícolas e por meio de pesquisa documental em licenças ambientais de 94 vinícolas, nos municípios de Bento Gonçalves e Flores da Cunha, nominando nas diversas tabelas que compõem o estudo, inseticidas e herbicidas com conhecido risco de dano ao ambiente. E nesse aspecto, a deriva na aplicação desses produtos, pela pulverização hidropneumática e mecânica, que são práticas comum no Vale dos Vinhedos, pela necessidade de controle químico contra a infestação de pragas e incidência de doenças, com grandes perdas de agrotóxicos no solo e na atmosfera, ao que se denomina exoderiva, que é o deslocamento das gotas para fora da área de cultura, podendo assim, alcançar de forma indireta, o perímetro desses condomínios, já que instalados rentes aos locais onde há o plantio de videiras.

            Ainda que para o cultivo das videiras não se observa um estudo conclusivo sobre a exoderiva nos tratamentos fitossanitários, pode-se apurar, a título comparativo, com um estudo controlado, realizado em uma plantação de café, do tipo conilon, em que se apurou “a maior porcentagem (98,44%) de exoderiva […] até uma distância de 15,0 metros, em relação a última linha de café pulverizada” (CRAUZE; VITÓRIA;  et tal, 2020, p. 93).

            Essa perspectiva de risco aos moradores e visitantes que vai delineada no presente tópico acena para a contradição entre a valorização das propriedades e a necessidade de preservação do contexto paisagístico e histórico do Vale dos Vinhedos, muito embora, a edição da Lei Estadual nº 14.034/2012 declare o Vale dos Vinhedos como integrante do patrimônio histórico e cultural do RS, sem, contudo, promover parâmetros ou tratativas para a sua proteção e integração de seu uso e ocupação entre os municípios. A existência de áreas para construção de condomínios fechados aponta para a descaracterização da paisagem do local, impedindo a livre circulação de pessoas nos espaços públicos, descontinuando importantes espaços de malha viária, além de gerar poluição visual e grande quantidade de rejeitos. A arquitetura dos condomínios existentes não remete para o conceito histórico das edificações existentes no local, traduzindo-se em modernas moradias, de arquitetura inovadora e dissociada dos propósitos históricos e culturais do local.

            Quanto a existência de hotéis ou mesmo, da ampliação de investimentos nesse segmento, os danos são ainda mais nefastos, já que o Vale dos Vinhedos padece de mão de obra especializada e disponível para esse fim. Além disso, tais empreendimentos norteiam-se por grande ocupação em finais de semana ou, em razão do clima invernal, nos períodos mais frios da temporada, quando os turistas buscam fenômenos climáticos de neve e geada, com temperaturas abaixo ou próximas de zero grau. O deslocamento desse grande número de hóspedes, visitantes, turistas e afins, em curto espaço de tempo, causará grande e irreversível impacto viário e ambiental, cujas eventuais medidas mitigatórias ou compensatórias, acaso existentes e suportadas pelos empreendedores, poderão aumentar sobremaneira os danos à paisagem, já que se faz necessária a abertura de novas ruas e a adoção de uma infraestrutura para movimentação e tratamento dos resíduos.

            A título comparativo e guardadas as proporções, observam-se os impactos do turismo na cidade de Veneza, quer seja pelo grande número de turistas diários ou ainda, pela chegada de grandes navios de cruzeiro:

Ora, Venezia appare paradossalmente minacciata da ciò che rappresenta la maggiore e pressoché unica risorsa per la città: il turismo, che muta profondamente la radice sociale e segna il territorio, sfigurando-lo. Del resto, se impianti infrastrutturali di servizio, come l’aeroporto, assumono dimensioni che eguagliano l’intero centro storico veneziano; se le navi da crociera che entrano nel Bacino di San Marco sono tanto grandi che quasi sembrano inghiottire il Palazzo Ducale, la Basilica, la Biblionteca Marciana e l’intera Piazza, tutto simultaneamente; se la situazione è così “squilibrata”, si direbbe che l’azione legislativa e l’azione amministrativa per la tutela e la valorizzazione di Venezia e della Laguna abbiamo sostanzialmente fallito. (MALO, 2015, p. 459). [1]

            Para o caso de Veneza, muito embora a proteção esteja reconhecida na Constituição Italiana e em lei ordinária, ainda assim, Veneza e sua Lagoa não se encontram tuteladas de forma adequada. Olhar para o Vale dos Vinhedos com a mesma ótica da necessária proteção que prescinde Veneza e outros tantos destinos turísticos não se trata de utopia, mas de uma necessidade real de adequar o crescimento, sob pena de perecimento desse grande legado da imigração italiana.

            Não fosse apenas o risco eminente causado pelo turismo desordenado, está explícito que o convívio dos hóspedes de grandes empreendimentos hoteleiros ou os moradores dos destacados condomínios de luxo farão grande oposição ao uso de agrotóxicos no tratamento fitoterápico das videiras, muito embora, dito procedimento já era executado quando da chegada desse novo modelo de ocupação do Vale dos Vinhedos. E nesse embate, forçoso é crer que os agricultores serão posicionados em situação vantajosa, frente aquela dos interesses dos indivíduos, que invocarão os basilares princípios da tutela dos direitos individuais, como o direito à vida, à saúde, ao bem estar social, à proteção ambiental, em detrimento ao árduo trabalho do agricultor, que a todo custo, mantém o tratamento fitossanitário de suas videiras, para ao final, obter o fruto e dele o tão premiado vinho que é produzido no Vale dos Vinhedos.

            Também não se espera que o Poder Público tenha a capacidade de dirimir esse conflito que se avizinha, exigindo dos empreendedores medidas compensatórias em favor das comunidades que são impactadas pela construção e ocupação desses novos empreendimentos. Na pressão política e econômica que deverá recair sobre os produtores rurais, pode-se antever a omissão total do Poder Público e a consolidação de um modelo excludente, que deverá impor ao agricultor hipossuficiente nessa relação, o abandono de sua atividade, já que há risco de que o Vale dos Vinhedos se transforme em um bairro do município, soterrando por derradeiro a sua vocação turística e vitivinícola, urbanizando a área da mesma forma desregrada e omissa que o fazem com as cidades já existentes. Essa constatação também é sentida nas cidades italianas, conforme descreve Spasiano:

Esigenze di «sviluppo economico”, particolarmente avvertite in talune Regioni italiane, potrebbero spingere le stesse a non dar luogo all’applicazione di restrittive misure di protezione dell’ambiente, al fine di «legittimare» più libere iniziative imprenditoriali o di altro genere”[2] (2005, p. 189)

            Repensar o futuro do Vale dos Vinhedos e a sua ocupação territorial implica em romper paradigmas, estabelecendo novos conceitos e um viés ideológico distinto daquele já existente, permitindo seu desenvolvimento de forma inclusiva e sustentável, tendo a sua proteção como mote principal e não apenas visto como uma variável do todo. A percepção individual, leia-se dos empreendedores imobiliários, despertada pela beleza do local ou pelas formas harmoniosas e históricas já consolidadas, que inspira os investimentos de grandes grupos econômicos, não pode se sobrepor à percepção do coletivo, de que esses valores apresentam também significados simbólicos, de pertencimento histórico e familiar, motivo de orgulho para os moradores dessas comunidades, cuja existência atual causa repulsa naqueles que os enxergam como entraves para o crescimento. 

3. A IDEOLOGIA JURÍDICA NO ENFRENTAMENTO DA VULNERABILIDADE AMBIENTAL E SOCIAL DO VALE DOS VINHEDOS

O olhar para o Vale dos Vinhedos reclama a construção uma análise jurídica hábil a criar mecanismos para a sua imediata proteção, sob pena de comprometimento irreversível de suas características, cuja vulnerabilidade resta plenamente demonstrada. A afirmação da característica não patrimonial do ambiente e, por conseguinte, de sua impossibilidade de apropriação pelo indivíduo resta confirmada nos mais diversos ordenamentos. Na prática, sabe-se que a proteção ambiental, em suas mais diversas facetas, é subjugada pela política, pela economia e por aqueles que não compreendem, qualquer que seja a razão, a finitude do recurso ambiental. No debate público e acadêmico, o conceito da necessidade de proteção ambiental foi progressivamente alargado ao ambiente geral, ao território, à cidade, à paisagem, como alternativa estratégica e reação coletiva aos modelos sociais do neoliberalismo, baseadas na privatização e na mercantilização generalizada, em franco favorecimento aos interesses individuais, pormenorizando aqueles de ordem coletiva.

O passivo ambiental existente e o que ainda está por vir, a ser descoberto ou então, que passará a ser reconhecido como tal, demonstra uma complexidade ímpar do bem ambiental, que é um bem comum, desta e das próximas gerações, impondo a necessidade de multidisciplinariedade para a sua defesa e proteção. Não são as ciências jurídicas, as humanas, as exatas ou as sociais que, sozinhas, darão conta de superar esse desafio, cujos contornos da fragilidade assentam-se em todos os continentes do planeta. Enrique Leff afirma que:

Os custos sociais e ambientais da promoção do crescimento eminentemente econômico não são profundamente avaliados no que tange aos impactos de destruição dos recursos naturais, o que implica na própria perda do potencial econômico dos ecossistemas naturais, porquanto da realização do manejo integrado dos recursos e da descoberta dos recursos potenciais. (2009, p. 38).

A tomada de uma decisão ambiental no âmbito da política ou até mesmo, na seara judicial, para o caso de judicialização dos embates noticiados, encontra dois pontos de referência. O primeiro está voltado aos direitos e deveres ambientais, sentidos por aqueles que são os sujeitos aos quais é direcionada a norma legal ou a decisão prolatada, que carregam ainda aspectos subjetivos de natureza econômica, política e social. O segundo ponto é o que trata da sociedade, detentora dos direitos constitucionais trazidos em textos legais e tratados internacionais, que são protegidos de qualquer forma de desconexão ou retrocesso, mas que, nas decisões, são ponderados ou relativizados de acordo com a compreensão e a importância que o administrador público ou o julgador dá ao ambiente.

No caso da ocupação e gestão do Vale dos Vinhedos, a sua existência para além dos territórios municipais, reforça a necessidade de adoção de medidas conjuntas entre os municípios, com as mesmas diretrizes de ocupação e proteção, muito embora encontrem-se em momentos econômicos distintos. Isso é possível, fazendo-se valer da celebração de consórcios intermunicipais ou de idênticas normas municipais que estabeleça direitos de fruição e gestão do território, estabelecendo um forte vínculo de apreço à preservação cultural, paisagística e econômica, atentando sempre para a sua destinação vitivinícola. Aliás, o patrimônio histórico, cultural, paisagístico e econômico adquire feição ambiental, sob a ótica da dignidade da pessoa enquanto direito fundamental, determinante para a formação e manutenção da vida em um núcleo social.

Relativizar o direito ao pleno exercício da propriedade, estabelecendo-se modelos de acordos públicos-privados, que conciliem o interesse geral da tutela ambiental latu sensu, focando na sustentabilidade das comunidades e em consonância com as necessidades, é um salutar movimento em prol da coletividade e da própria manutenção de todo o sistema, reconhecendo a paisagem existente como pertencente à coletividade e como limitador do direito de propriedade. A parte dos imóveis que conta com o plantio de videiras deverá experimentar severa limitação de uso, sendo declaradas como áreas de interesse público, vedando-se alterar a sua destinação, fixando-se um marco temporal e territorial para a sua demarcação, obtendo, tais propriedades, incentivos fiscais e econômicos advindos da arrecadação de taxas e impostos vinculados à exploração turística do local.

A utilização de produtos locais nos empreendimentos sitiados no Vale dos Vinhedos e a destinação comercial vinculada diretamente com a destinação vitivinícola, impõe a vedação expressa de comércio de produtos de outra origem, sendo inimaginável encontrar nos estabelecimentos comerciais e hoteleiros outro vinho que não seja aquele produzido no Vale dos Vinhedos.

Não cabe apenas ao Direito, lido em seu sentido mais amplo, essa imposição da efetiva proteção do Vale dos Vinhedos e o reconhecimento de sua importância. Os entes públicos e privados, as classes políticas e a economia devem imprimir as premissas da solidariedade, da fraternidade, da proteção à cidadania e da dignidade em seus atos, suas gestões de administração e nos seus investimentos. Doutra banda, soma-se a questão ideológica, que reflete na capacidade de entendimento que cada pessoa ou grupo de pessoas têm sobre determinado fato, leia-se aqui, a preservação de todas as suas características e a consequente sustentabilidade. Edis Milaré ensina que:

Permitir que as comunidades cuidem de seu próprio ambiente: a ação comunitária no cuidado com o meio ambiente deve ser favorecida. As comunidades e grupos locais constituem os melhores canais para as pessoas expressarem suas preocupações e tomarem atitudes relativas à criação de bases sólida para sociedades sustentáveis. No entanto, essas comunidades precisam de autoridade, poder e conhecimento para agir. As pessoas que se organizam para trabalhar pela sustentabilidade em suas próprias comunidade podem constituir uma força efetiva, seja a comunidade rica ou pobre, urbana, suburbana ou rural. (2005, p. 66).

O grau de importância que a sociedade dá ao bem ambiental está intimamente ligado com a efetividade de sua proteção, influenciada pelas características históricas, culturais e sociais que são determinantes nos grupos sociais. É ainda necessário lembrar que a vida acontece desinteressada dos ordenamentos jurídicos, inclusive daqueles de cunho ambiental. Para Ricoeur, “a ideologia designa, então, inicialmente, alguns processos dissimulatórios, distorcidos, pelos quais um indivíduo ou um grupo, expressa a sua situação, mas sem o saber ou sem o reconhecer” (1986, p. 66).

Os ordenamentos jurídicos existentes estão aparelhados de forma contundente e em consonância com os escritos constitucionais. Planos diretores, leis ordinárias sobre obras e posturas e toda a sorte de ordenamentos municipais permanecem em uma seara utópica quando da efetividade de sua aplicação: os governantes adotam em sua maioria uma ideologia diversa, que fomenta o desmatamento, omite informações de cunho econômico, social e ambiental ou, persegue quem as divulga e propaga o crescimento através da utilização dos recursos ambientais existentes, repetindo assim, erros já ocorridos em outros locais que, em tempos pretéritos revelaram-se como paraísos turísticos e que agora, vão inviabilizados pela ganância histórica dos investidores e de seus empreendimentos imobiliários.

A proteção do Vale dos Vinhedos, ainda que não seja plenamente compreendida por todos os atores sociais é, antes de mais nada, um dever de todos. O maior desafio está em promover a consonância desses atores na importância da sua proteção, inaugurando-se a perspectiva de conscientização e comprometimento de suas ações, em um novo patamar que permita a manutenção da vida no campo e consolide a necessária sustentabilidade para as atuais e futuras gerações. A omissão da proteção desse importante destino turístico do Sul do Brasil, a adoção de políticas públicas que fomentam o exaurimento dos recursos nele existentes, deve servir como uma mola propulsora no sentido de que sejam adotadas ações de reconhecimento de que o Vale dos Vinhedos, assim como os demais destinos turísticos do Brasil, afiguram-se indispensáveis ao homem e à vida social, e que tal premissa deve instalar-se acima de qualquer propósito de crescimento econômico ou de ideologia política, subordinando-se o capital em prol da natureza e não o inverso.

CONCLUSÃO

            A análise do atual contexto do Vale dos Vinhedos estabelece uma peculiar dicotomia, quando se analisam as características geográficas, históricas e culturais existentes, que vão em franca oposição com a necessária proteção que seria a ele peculiar, em face de sua ocupação territorial desregrada e da exploração turística que afronta sobremaneira a sua vocação vitivinícola.

            O descaso político na condução de um panorama de desenvolvimento sustentável, sem que os municípios que o compõem dialoguem entre si, demonstram que esse importante destino turístico está severamente desprotegido, sendo completamente desconsiderada a riqueza ambiental, no seu sentido mais amplo, que nele é existente.

A questão da proteção do Vale dos Vinhedos passa, além de legislação específica e com diretrizes únicas entre os municípios, da necessidade de uma compreensão ideológica da sua importância, que possa integrar esforços da coletividade na manutenção sustentável de todo contexto, atuando, inclusive, de forma a relativizar institutos consagrados, como o direito à propriedade, celebrando-se acordos intermunicipais, já que a proteção almejada não se delimita à extensão do seu território ou aos que dele fazem seu domicílio. A abordagem do tema trazido na presente pesquisa é uma oportunidade de repensar e redefinir a qualidade de vida, observando importantes fatores, como a paisagem, a ocupação territorial, o uso dos agrotóxicos e os efeitos dos numerosos visitantes, tornando o Vale dos Vinhedos autossustentável, economicamente, socialmente e ambientalmente viável, garantindo-se a proteção de sua riqueza cultural.  

 

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Citas

* Doutor e Mestre em Direito Ambiental pela Universidade de Caxias do Sul (RS). Especialista em Direito Processual.  Docente em cursos de graduação e especialização. Exerce a advocacia privada. Endereço eletrônico: ailorbrandelli@gmail.com ORCID: https://orcid.org/0000-0003-0006-5261. Lattes: http://lattes.cnpq.br/3738383577191133.

* Doutor e Mestre em Direito Público pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos. Pós-doutor em Direito pela Universidade de Padova – Itália. Atualmente é professor titular da Universidade de Caxias do Sul, no Mestrado e Doutorado em Direito, ministrando as disciplinas Processo Ambiental e Jurisdição Ambiental e Novos Direitos. No Curso de Direito, ministra a disciplina de Direito Processual Civil. Tem experiência na área de Direito, com ênfase em Direito Processual Civil, atuando principalmente nas seguintes áreas: Direito Processual Civil, Direito Ambiental, Processo Constitucional e Políticas Públicas. Endereço eletrônico: calunell@ucs.br. ORCID: https://orcid.org/0000-0002-4976-0719. Lattes: http://lattes.cnpq.br/5927875935175887.

* Doutor em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul/UFRGS. Professor do Curso de Direito e do Programa de Mestrado em Direito e Justiça Social da Universidade Federal do Rio Grande/FURG. Professor convidado da Faculdade de Direito da Universidade de Rennes 1/FR. Lattes: http://lattes.cnpq.br/0254612497134671. ORCID: https://orcid.org/0000-0001-9900-1270. E-mail: felipewienke@furg.br

[1] Tradução livre do autor: “Agora, Veneza aparece paradoxalmente ameaçada por aquele que representa o maior e quase único recurso da cidade: o turismo, que muda profundamente a raiz social e marca o território, desfigurando-o. Além disso, se os sistemas de infraestrutura de serviço, como o aeroporto, assumem dimensões que correspondem a todo o centro histórico de Veneza; se os navios de cruzeiro que entram na Baía de San Marco são tão grandes que quase parecem engolir o Palácio do Doge, a Basílica, a Biblioteca Marciana e toda a praça, tudo simultaneamente; se a situação é tão «desequilibrada», parece que a ação legislativa e a ação administrativa para a proteção e valorização de Veneza e da Lagoa basicamente falharam”.

[2] Tradução livre dos autores: “Exigências de «desenvolvimento econômico», particularmente sentidas em algumas regiões italianas, poderiam levar o mesmo a não dar origem à aplicação de medidas restritivas de proteção ambiental, a fim de «legitimar» iniciativas de livres negócios ou outros”.

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