Revista Iberoamericana de Derecho, Cultura y Ambiente

Revista Iberoamericana de Derecho, Cultura y Ambiente
RIDCA - Edición Nº1 - Derecho Ambiental

Mario Peña Chacón. Director

15 de junio de 2022

Desenvolvimento insustentável, degradação ambiental e a utilização da inteligência artificial para averiguar possível violação de direitos humanos, contra a etnia Uigur, na China.
"Desarrollo insostenible, degradación ambiental y uso de inteligencia artificial para investigar posibles violaciones de derechos humanos contra la etnia Uigur en China"

Autores. Mariângela Guerreiro Milhoranza da Rocha, y José Tadeu Neves Xavier y Deilton Ribeiro Brasil.

Mariângela Guerreiro Milhoranza da Rocha[i]

José Tadeu Neves Xavier[ii]

Deilton Ribeiro Brasil[iii]


Resumo: O presente estudo visa demonstrar a prática utilizada na China de desenvolvimento insustentável, visto alavancar uma degradação ambiental sem precedentes. Com ações desmedidas, que violam a vida animal, regras sanitárias, há um incentivo inconsciente da proliferação de doenças, incluindo as virais, tais como Covid-19. Este descaso com a humanidade vem acarretando uma desenfreada violação aos Direitos Humanos das etnias chinesas.

 Palavras-chave: Covid-19. Direitos Humanos. China.

 

Introdução 

No presente ensaio, analisa-se de que forma o desenvolvimento insustentável e a degradação ambiental alavancaram o início da expansão do território chinês para territórios independentes, acarretando em violação dos direitos humanos das etnias dos territórios ocupados. Mediante a utilização da inteligência artificial, pesquisadores do ASPI (Instituto Australiano de Política Estratégica) comprovaram a existência do que vem sendo chamado de campos de “reeducação”, da minoria étnica Uigur, na China.

Para tanto, parte-se da compreensão de que a China, desde épocas remotas, vem apresentando problemas ambientais devido à degradação do meio ambiente afetado e, em especial, pelo crescimento das indústrias e fábricas. Além do crescimento industrial desenfreado que causa o desequilíbrio ecológico, enfrenta sérios problemas de cunho sanitário, eis que animais silvestres estão sendo utilizados como alimentação sem qualquer adoção de medidas adequadas de cuidado com a higienização. Todo esse contexto gera, indubitavelmente, o surgimento de zoonoses, como parece ter ocorrido com a Covid-19.

De outra banda, tendo em vista a necessidade de alimentar a sua população e a urgência em encontrar riquezas naturais capazes de suportar os incessantes investimentos em tecnologia e indústrias, o movimento expansionista chinês tem por meta a “aquisição” de territórios para garantir a sua supremacia. Entretanto, ao expandir e ocupar territórios autônomos, a China acaba por afrontar os Direitos Humanos ao perseguir as minorias étnicas que habitam os locais invadidos.

Nesse viés, o presente estudo, utilizando-se do método dedutivo e de levantamento bibliográfico e estatístico, tendo como ângulo de discussão as dicções basilares do Estado Democrático Social e Ecológico (Sarlet & Fensterseifer, 2020), como vetor da realização dos direitos humanos, tem por desiderato analisar a situação de minorias étnicas que estão sendo perseguidas na China. Uigures e Tibetanos tiveram seus territórios “ocupados” pelos chineses que, ao fazerem a referida “ocupação”, desconsideram e afrontam a cultura, os costumes e a religião dos povos dos territórios “ocupados”. Vê-se, portanto, que os povos de minoria étnica estão sendo “anexados”, forçosamente, ao território chinês. Aqueles que, por ventura, discordarem da “ocupação” e se manifestarem publicamente contra o governo do Partido Comunista Chinês, são conduzidos, extrajudicialmente, aos campos de “reeducação”, onde ficam privados de sua liberdade, consoante restará demonstrado neste ensaio.

  1. Meio Ambiente, lugar de encontro e fatores de destruição ambiental na China

O meio ambiente é direito humano fundamental. É um direito primacial intrinsicamente arraigado à realidade social, caracterizado pela sociedade de massa, onde o crescimento desordenado e brutal deságua em tempos de globalização. É nesse contexto de um mundo globalizado que a tutela ambiental jurídica se manifesta como alternativa à proteção da natureza. Portanto, a tutela jurídica do meio ambiente emerge com a necessidade, cada vez maior, de coibir a degradação ao lugar de encontro (para que este não se transforme em lugar de desencontro), no qual as ameaças ambientais se transformam em realidade, em um horizonte onde, por meio do respeito ao ecossistema e à biodiversidade, se pode alcançar a tão sonhada sustentabilidade.

O meio ambiente é o nosso “lugar de encontro” (Molinaro, 2006, p.27), um lugar onde tudo está interligado e tudo interage. Seres humanos e não humanos, flora e água estão arraigados a esse lugar de encontro. Nele, onde tudo está interligado, há recursos naturais que são finitos. De todas as espécies que habitam o lugar de encontro, o ser humano é o único que desrespeita e agride a natureza. E, além de desrespeitar e agredir, é a espécie que está em abrupto e franco crescimento populacional.

É cediço que o crescimento da população mundial trará, inevitavelmente, o esgotamento dos recursos naturais do Planeta Terra. Conforme a Organização das Nações Unidas, em apenas 30 anos, entre o ano de 1970 e o ano 2000, a população mundial aumentou de quatro para seis bilhões de habitantes. Se a população continuar a aumentar nesse ritmo, estudos estimam que em 2050 a Terra terá cerca de nove bilhões de pessoas.

O aumento da população mundial ocorreu pelo desencadeamento de vários fatores. Com a evolução científica, houve a descoberta de novos remédios e a cura de doenças que, por exemplo, na década de 40 do século passado, eram consideradas fatais. Com o surgimento de melhores condições de vida e centros de saúde disponíveis, a humanidade passou (e vem passando) por uma alteração: um crescimento, sem precedentes, da população mundial. Com esse crescimento colossal, alguns países ficaram “abarrotados” de homo sapiens em verdadeiro fenômeno de explosão demográgica. Esta explosão demográfica, de igual forma, ocorreu na China e, em decorrência deste fenômeno de excessivo aumento populacional, aconteceu o surgimento dos problemas ambientais.

Os problemas ambientais chineses são antigos. O crescimento econômico, o desenvolvimento da indústria e a descoberta de novas tecnologias acabaram por trazer inúmeros prejuízos de ordem ecológica. Zago (2020) demonstra, em profícuo estudo, que a maior parte da população chinesa sobrevive em “condições ambientais adversas”, eis que cerca de 1/3 da superfície da China é composta, além de desertos, por cerca de 40% de relevo montanhoso e acidentado. Somente 1/4 das terras chinesas possuem condições para a produção de alimentos. A poluição da água afeta 75% dos rios e lagos chineses e 90% das águas subterrâneas urbanas, e os aquíferos subterrâneos estão sendo esgotados em razão da diminuição dos lençóis freáticos no Norte do país.

Em outro estudo, Hung e Tsai (2012) explicam que a China, para tentar minimizar os efeitos causados pelo excesso de uso de carvão e pela desmedida liberação de CO2 na atmosfera, que impactam diretamente na poluição do ar, “adere ao modelo de desenvolvimento da economia de baixo carbono e adota ativamente várias ações para reduzir os efeitos negativos das mudanças climáticas, equilibrando o objetivo de manter o desenvolvimento econômico estável” (p. 117).

 Diante desse quadro de total degradação ambiental, inúmeras pessoas vivem em condição de miserabilidade. Para fins de alimentação, animais selvagens e exóticos são contrabandeados para o país para serem comercializados a preços ínfimos e em péssimas condições de higiene, causando, consequentemente, as doenças zoonóticas, como parece ser o caso, por exemplo, da Covid-19 causada pelo vírus SARS-Cov-2. Nesse panorama, vislumbra-se que foi a ação humana que causou a disseminação do vírus e fez emergir a pandemia, que nada mais é do que um desastre ambiental, antropogênico, de proporções desmesuradas.

Entre 16 e 24 de fevereiro de 2020, a Organização Mundial de Saúde (OMS) elaborou um relatório, amparado pela pesquisa científica de profissionais oriundos da China, Alemanha, Japão, Coreia do Sul, Nigéria, Rússia, Singapura, Estados Unidos e da própria OMS, liderados pelos renomados Dr. Bruce Aylward (OMS) e Dr. Wannian Liang (China) acerca da Covid-19. No referido relatório[iv], está descrito que os coronavírus são uma espécie de zoonóticos, ou seja, uma espécie de vírus que é transmitida pelos animais aos seres humanos. Conforme explana Carvalho (2020), “em 2016, o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente alertou sobre problemas ambientais globais emergentes, descrevendo um “aumento mundial no surgimento de doenças e epidemias, particularmente de zoonoses”. As doenças zoonóticas são constantemente associadas a distúrbios ecológicos”.

Se as doenças zoonóticas são associadas a distúrbios ecológicos, é visível que foi a ação humana, em desfavor do lugar de encontro, que provavelmente trouxe à baila o vírus causador da Covid-19: o SARS-Cov-2. Conforme o relatório da OMS, a partir de análises filogenéticas realizadas com disponibilidade total de sequências do genoma, os morcegos parecem ser o nascedouro do vírus SARS-Cov-2, mas o intermediário host(s) ainda não foi identificado. No entanto, três importantes áreas de trabalho já estão em andamento, na China, para informar a compreensão da origem zoonótica desse surto. Isso inclui investigações precoces de casos com início dos sintomas em Wuhan, durante dezembro de 2019; amostragem ambiental do Huanan Wholesale Seafood Market e outros mercados da área; a coleta de registros detalhados sobre a fonte e o tipo de fauna vendidas no mercado de Huanan. No local, animais silvestres eram abatidos e comercializados como comida. Animais maltratados, sujos, machucados, com sangue, pus e urina, eram empilhados em gaiolas, sem higienização, e vendidos para consumo humano sem qualquer preocupação sanitária. Os mercados foram fechados em razão do surto da doença. Entretanto, após Wuhan sair do confinamento social imposto pela quarentena, o mercado retomou as suas atividades, de comércio de animais, na data de 08/04/2020.

Fato é que a degradação ambiental, aliada à escassez dos recursos naturais, fez com que a China buscasse, em outros lugares, alternativas tanto para suprir a alimentação do seu povo quanto para encontrar riquezas naturais que tenham o condão de fomentar o desenvolvimento tecnológico de indústrias e fábricas. Com esse viés expansionista, territórios independentes estão sendo anexados ao território Chinês, consoante veremos a seguir.

  1. Uigures e Tibetanos: a invasão de territórios independentes pela China

Os Uigures são um povo de religião muçulmana que habita, principalmente, a região do Turquestão Oriental, que faz fronteira com o Paquistão e o Afeganistão. No Turquestão Oriental encontram-se inúmeros recursos naturais com grandes reservas de petróleo e gás natural. O solo é rico em reservas de ouro, jade e outros metais preciosos. O idioma dos Uigures “é parente” da língua turca. Antes mesmo do surgimento do islamismo, no século VII d.C, os Uigures já estavam na região (Armijo, 2008). A região em comento era, até 1949, autônoma: desvinculada da China. Entretanto, no ano em tela, a região passou a ser “controlada” pela China Comunista que, então, a batizou de Xinjiang. Após a ocupação chinesa, começou a ocorrer a migração de chineses de etnia han para a região. Após a migração, os chineses de etnia han compõem cerca de 40% da população de Xinjiang, enquanto 45% são uigures. A população de Urumqi, capital da região, é de cerca de 2,3 milhões de pessoas e, majoritariamente, a população é composta por chineses de etnia han.

Inúmeros conflitos étnicos raciais e religiosos começaram a ocorrer na região que passou a ser extremamente violenta: os chineses proibiram as práticas islâmicas religiosas e culturais. De um lado, Uigures relatando perseguições e discriminação por parte dos chineses de etnia han. De outro lado, os chineses de etnia han relatando que os Uigures são, em verdade, pessoas unidas através de movimentos terroristas, no estilo da Al Qaeda e Talibã. Dentre eles, citam o Movimento Islâmico do Turquestão Oriental (MITO), organização separatista Uigur que foi incluída na lista de grupos terroristas dos Estados Unidos devido aos atentados de 11 de setembro de 2001. Para Vieira (2020), “a ação precipitada do governo americano de incluir grupos uigures na lista de terroristas internacionais resultou na ampliação do escopo dos movimentos separatistas, que ampliaram sua atuação para outras áreas da Ásia Central e do Oriente Médio”. Diz, ainda, o autor que “seria o início de uma série de políticas voltadas para o combate a um movimento precocemente classificado como terrorista e que levaria, no longo prazo, a políticas de repressão étnica” (p. 284).

Em 2008, quatro dias antes da cerimônia de abertura dos Jogos Olímpicos de Pequim, um atentado matou dezesseis policiais e feriu outros em um ataque a um posto policial em Xinjiang. Obviamente, a autoria dos atentados foi atribuída aos grupos terroristas de etnia Uigur. Após o atentado de 2008, organizações internacionais de ativistas em defesa dos Direitos Humanos acusam a China de criar riscos de ataques terroristas para justificar um aumento da repressão contra os Uigures (Vieira, 2020).

A maior ativista Uigur, Rebiya Kadeer, candidata ao prêmio Nobel da Paz de 2006, exilada nos EUA, acusa a China de inventar complôs terroristas contra os Jogos Olímpicos a fim de reprimir a comunidade Uigur. Em 2019, durante o encontro do G20 em Osaka, a ativista teve um encontro com o Primeiro Ministro Japonês, Shinzo Abe, no qual buscou conscientizar, sem sucesso[v], o Japão acerca da perseguição e da violação dos Direitos Humanos em Xinjiang.

Relativamente ao Tibete, delimita-se a presente pesquisa com fatos ocorridos a partir do século XX. Como referencial teórico, adotam-se os estudos de Landon, Goldstein, Almeida e Ormond. Segundo Landon (1905), em dezembro de 1903, houve a invasão das forças Britânico Indianas sobre o Tibete. Tal invasão ocorreu para impedir que a Rússia se instalasse na região, já que a Rússia era o único país europeu que mantinha relações internacionais com o Tibete. Em suma, até os americanos entendiam que manter relações com a China não era o mesmo que manter relações com o Tibete. Portanto, internacionalmente, o mundo entendia e reconhecia a distinção entre as duas regiões (China e Tibete):

The American Government, on three occasions, has sent in a request to the Chinese that he should be permitted to make the journey, and that the Tibetan authorities should be compelled to receive him. The first promise was readily granted; the second, that which presupposed a real suzerainty over the Tibetans, they were frankly unable to make. (Landon, 1905, p. 19)

Segundo Victor Almeida e Yesa Ormond (2020), “o propósito desta invasão foi o de estabelecer relações diplomáticas com o Tibete, conquistar o mesmo tratamento recebido pelos russos e dar um fim às reivindicações tibetanas sobre o território Skkim, parte da Índia então colônia britânica”. 

O fruto desta invasão foi a denominada “Convenção entre Grã-Bretanha e Tibete” que, de forma especial, estabeleceu a impossibilidade de o Tibete manter relações comerciais com outra nação que não fosse a própria Grã-Bretanha. Assim, foi violada a soberania do Tibete enquanto nação autônoma.

Entretanto, em 1906, a Grã-Bretanha faz um acordo com a China, no qual ficou determinada a desocupação do Tibete. No mesmo acordo, a China, através do supremo representante da Dinastia Qing, foi alçada à categoria de dominadora política do Tibete e, para forçar a ocupação territorial indevida, em 1910, enviou tropas militares com o fito de anexar o território tibetano. Com a chegada dos militares, o 13º Dalai Lama fugiu e se refugiou na Índia. A fuga do Dalai Lama incendiou os ânimos tibetanos que lutaram, com garra e sucesso, retomando o seu território, que culminou na assinatura do «Agreement Between the Chinese and Tibetans, em 1912, no qual as forças chinesas assumiram sua derrota e retirada”.  Após o retorno do Dalai Lama a Lhasa (capital do Tibete), em 1912, “Thubten Gyatso proclamou a independência do Tibete afirmando que as relações entre o Tibete a China eram uma cooperação” (Almeida& Ormond, 2020). 

É cristalino que o interesse, tanto de inúmeras nações quanto da China, na região, é puramente econômico, já que o território tibetano é rico em reservas naturais. Após a queda da Dinastia Qing, os olhares chineses voltaram a sua atenção ao Tibete e, em 1949, “uma manobra militar, que ficou conhecida como a Batalha de Chamado, sobre o Tibete com a intenção de capturar o exército tibetano, assim forçando um acordo nos termos propostos pela China, a operação obteve sucesso em seus objetivos”. Mais tarde, após intensa perseguição por parte do exército chinês, o 14º Dalai Lama, temendo por sua vida, foge do Tibete e se refugia na Índia. O Dalai Lama não reconhece a legitimidade do “acordo” feito com os chineses, no qual ficou reconhecida a soberania chinesa. A pergunta que fica é: por que a Organização das Nações Unidas nada fez para proteger a soberania e a independência do Tibete? Resposta: Porque não houve interesse político para se fazer algo!!! Eis o mote fulcral a ser observado: “El Salvador patrocinou uma reclamação na Organização das Nações Unidas em nome do Tibete, mas a Índia e o Reino Unido impediram que o assunto entrasse em discussão” (Almeida & Ormond, 2020). 

Em apertada síntese, aduz-se que o conflito chinês-tibetano, é um conflito de violência física e cultural. Desde a ocupação chinesa até os dias atuais, inúmeras mortes violentas, de tibetanos contrários à ocupação, ocorreram. Pessoas foram perseguidas por não aceitarem a invasão (e não ocupação) chinesa. Além da violência física houve também a agressão cultural. A tradição, o folclore e as crenças tibetanas foram proibidas no território invadido. O governo chinês e sua população invasora – em sua maioria da etnia han – aviltaram e rechaçaram a cultura tibetana afrontando, assim, os Direitos Humanos[vi].

  1. Os campos de “Reeducação” em Xinjiang e a utilização da inteligência artificial, pelo ASPI, para detectar a violação dos Direitos Humanos

Conforme pesquisa feita pelo Instituto Australiano de Política Estratégica (ASPI), desde 2017 foi intensificada a repressão governamental contra os Uigures em Xinjiang. Pessoas estão sendo detidas, extrajudicialmente, em uma vasta rede de centros de detenção construídos para esse fim. Estes centros de detenção são chamados, pelo governo chinês, de campos de “reeducação”.

Os pesquisadores do International Cyber Policy Center da ASPI, mediante o uso da inteligência artificial e da tecnologia oriunda de dados de satélites, localizaram, mapearam e analisaram 380 centros de detenção suspeitos em Xinjiang. Este novo banco de dados destaca campos de ‘reeducação’, centros de detenção e prisões que foram construídos ou ampliados desde 2017. Os resultados desta pesquisa contradizem as alegações das autoridades chinesas de que todos os detidos do “campo de reeducação” haviam se “formado” em dezembro de 2019.

A pesquisa aponta a existência de instalações de detenção recém-construídas, juntamente com o crescimento de várias instalações existentes, entre 2019 e 2020. Ademais, em janeiro de 2020, foi inaugurado um novo campo de detenção de 60 acres, em Kashgar, com 13 edifícios residenciais de cinco andares (aproximadamente 100.000 m² de área) cercado por um muro de 14 metros de altura e torres de vigia.

Segundo os dados obtidos, as 380 instalações de detenção podem ser classificadas em quatro níveis distintos – “da segurança mais baixa (Camada 1) à segurança mais alta (Camada 4) – com base em recursos de segurança (incluindo paredes de perímetro altas, torres de vigilância, cercas internas e outros recursos e padrões de uso) visível na análise de imagens de satélite”.

Por outro lado, a pesquisa também se debruça a esmiuçar a taxa de destruição cultural islâmico muçulmana em Xinjiang. Conforme o relatório, cerca de 35% das mesquitas foram demolidas e outras 30% foram danificadas: remoção de características arquitetônicas islâmicas ou árabes, como cúpulas e minaretes. Em suma, em torno de 16.000 mesquitas foram danificadas ou totalmente destruídas em Xinjiang (65% do total). A maioria dos locais demolidos permanece como lotes vazios e, inclusive, ocorreu a demolição completa da antiga cidade de peregrinação de Ordam Mazar

Em 25 de setembro de 2020, o Instituto Australiano de Política Estratégica (ASPI), no sentido de fomentar a conscientização mundial acerca da violação dos Direitos Humanos na China, lançou o site Xinjiang Data Project “com base em dados de código aberto, incluindo imagens de satélite, documentos do governo chinês, estatísticas oficiais e uma série de relatórios oficiais e estudos acadêmicos, o Xinjiang Data Project documenta o programa contínuo do Partido Comunista Chinês de abusos dos Direitos Humanos e autoritarismo aprimorado pela tecnologia em Xinjiang e explora suas implicações globais.”

As evidências disponíveis demonstram que inúmeras pessoas detidas, extrajudicialmente, na vasta rede de «reeducação» de Xinjiang estão agora sendo formalmente acusadas e trancadas em instalações de segurança superior, incluindo prisões recém-construídas ou ampliadas, ou enviados para complexos de fábricas muradas para atribuições de trabalho forçado. Em pleno século XXI, testemunha-se a recriação dos campos de concentração no estilo dos nazistas enquanto a China invade territórios, subjuga seus habitantes, destrói a sua cultura e a sua religião e aqueles que se opõem a esta repressão fascista são enviados aos campos de “reeducação”.

E o que diz a China sobre o tema? Até 2018, a China negava a existência dos centros de “reeducação”. Foi então que imagens de satélite comprovaram a existência dos locais. E, após a divulgação das imagens de satélite, em outubro de 2018, a China promoveu a atualização dos “Regulamentos de Desextremização da Região Autônoma Uigur de Xinjiang”. A partir desta “atualização”, conforme Vieira (2020), os artigos 17 e 33 passaram a ter a seguinte redação:

Artigo 17: Governos acima do nível municipal podem criar centros de educação e treinamento vocacional e outras instituições de transformação educacional e departamentos administrativos para educar e transformar pessoas que foram influenciadas pelo extremismo.

Artigo 33: Centros de educação vocacional e treinamento e outras instituições de transformação educacional devem ensinar a língua comum nacional, leis, regulações e habilidades vocacionais. Os centros devem organizar e conduzir educação ideológica anti-extremista, correção psicológica e correção comportamental para promover a transformação do pensamento dos treinados e ajudá-los a retornar à sociedade e para suas famílias. (Vieira, 2020, pp.292-293).

A China chegou a declarar que as políticas de reeducação, implementadas em Xinjiang, são o maior exemplo de proteção/observância dos direitos humanos. Após esta declaração, em 8 de julho de 2019, 22 países, liderados pelo Reino Unido, questionaram a veracidade da informação junto ao Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas (Vieira, 2020).

Hodiernamente, 39 países, liderados pela Alemanha, se manifestaram na Organização das Nações Unidas (ONU), ao redigirem uma declaração conjunta, reiterando a necessidade de a China respeitar os Direitos Humanos, a liberdade de expressão, a liberdade de crença religiosa e a liberdade cultural dos Uigures e demais minorias étnicas em Xinjiang.

Os países signatários são: a Albânia, Austrália, Áustria, Bélgica, Bósnia e Herzegovina, Bulgária, Canadá, Croácia, Dinamarca, Estônia, Finlândia, França, Haiti, Honduras, Islândia, Irlanda, Itália, Japão, Letônia, Liechtenstein, Lituânia, Luxemburgo, República das Ilhas Marshall, Mônaco, Nauru, Reino dos Países Baixos, Nova Zelândia, Macedônia do Norte, Noruega, Palau, Polônia, Eslováquia, Eslovênia, Espanha, Suécia, Suíça, Reino Unido, Estados Unidos e Alemanha.

No documento foi demonstrada grande preocupação no que tange aos Direitos Humanos, não apenas em Xinjiang, mas também em Hong Kong e no Tibete: “estamos seriamente preocupados com a situação dos Direitos Humanos em Xinjiang e com os recentes acontecimentos em Hong Kong”.  Em outro momento do documento protocolado na ONU, lê-se que “em junho de 2020, 50 detentores de mandatos dos Procedimentos Especiais da ONU emitiram uma carta excepcional de preocupação, pedindo à República Popular da China que respeite os Direitos Humanos. Compartilhamos suas graves preocupações. Instamos a China a respeitar os Direitos Humanos, especialmente os direitos das pessoas pertencentes a minorias religiosas e étnicas, especialmente em Xinjiang e no Tibete”. Por fim, o documento relata que “em Xinjiang, estamos seriamente preocupados com a existência de uma grande rede de campos de “reeducação política”, onde relatórios confiáveis indicam que mais de um milhão de pessoas foram detidas arbitrariamente”.

Em março de 2021, vários países ocidentais, liderados por Estados Unidos, Reino Unido e Canadá impuseram sanções às autoridades chinesas que, sabidamente, cometeram violação de direitos contra os Uigures:

Chen Mingguo, diretor do Departamento de Segurança Pública de Xinjiang, a força policial local; Wang Mingshan, membro do comitê permanente do Partido Comunista de Xinjiang, que, segundo a União Europeia, «detém uma posição política importante e encarregada de supervisionar» a detenção de uigures; Wang Junzheng, secretário do partido do Corpo de Produção e Construção de Xinjiang (XPCC, na sigla em inglês), uma organização econômica e paramilitar estatal; O ex-vice-chefe do Partido Comunista em Xinjiang, Zhu Hailun, acusado de ter ocupado uma «posição política chave» na supervisão do funcionamento dos campos; O Departamento de Segurança Pública do Corpo de Produção e Construção de Xinjiang, responsável pela implementação das políticas XPCC em questões de segurança, incluindo a gestão de centros de detenção.

Após as sanções, o secretário de Estado dos Estados Unidos, Antony Blinken, afirmou que a China comete “genocídio e crimes contra a humanidade”. Os EUA disseram que sancionaram Wang Junzheng e Chen Mingguo por sua conexão com «detenção arbitrária e abusos físicos graves, entre outros abusos graves dos direitos humanos”. O Ministério das Relações Exteriores do Canadá disse: “cada vez mais evidências apontam para violações sistemáticas dos direitos humanos por parte das autoridades chinesas”.Por seu turno, o secretário de Relações Exteriores do Reino Unido, Dominic Raab, disse que o tratamento dado aos uigures equivale a “violações terríveis dos direitos humanos mais básicos”.

  1. Considerações Finais

O presente estudo articulou uma análise sobre o possível desrespeito aos direitos humanos na China. Para tanto, à luz do Estado Socioambiental e Democrático de Direito, iniciou-se a perquirição acerca da proteção ao meio ambiente como direito fundamental, propondo-se uma visão da interação do homem com o “lugar de encontro” (com o ambiente, como bem revelado retro). Nesse mister, percebe-se que são necessárias articulações conclusivas, ao discurso ambiental, apresentando as proposições que se julguem hábeis e protetivas à biodiversidade e, enfim, ao ecossistema.

A ação antropogênica, calcada na ganância e no desenvolvimento chinês, trouxe o desequilíbrio socioambiental. Relativamente à proliferação da pandemia, causada pelo vírus SARS-Cov-2, o que se viu, na prática, foi que a comercialização de animais silvestres, na cidade de Wuhan, na China, acarretou além da degradação ambiental, problemas sociais e sanitários.

Devido aos problemas ambientais e, primordialmente, à busca por novas fontes ricas em recursos naturais, a China passou a desenvolver uma atividade de expansão do seu território. Ao expandir o seu território, houve a possível ocorrência de práticas, levadas a cabo pelo governo chinês, de ofensa aos Direitos Humanos de minorias étnicas dos povos dos territórios ocupados, o que foi apurado pela ASPI, mediante a utilização de dados obtidos através da tecnologia de satélites e de inteligência artificial.

Seja como for, otema está sendo tratado no âmbito político mediantea reaçãode repúdio da comunidade internacional. Inclusive, há questionamento formulado, perante o Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas, envolvendo dezenas de países preocupados com a prática questionada.

Paralelamente, a imprensa também vem desempenhando o seu papel de informação e questionamento sobre esses fatos, alertando a opinião pública mundial e oferecendo uma série de reportagens investigativas denunciando a existência de campos de concentração na China. Empresas jornalísticas de renome mundial, como a BBC de Londres, o The Wall Street Jornal de Nova Iorque e a Rádio Internacional Francesa (RFI) dedicaram reportagens específicas a este assunto.

Os fatos enfrentados são de extrema gravidade em um momento da história da humanidade em que a sociedade mundial olha para os campos de concentração como uma prática do passado e que serve, tão somente, como exemplo negativo sobre a agressão aos Direitos Humanos. O pesadelo dos campos de concentração – ou reeducação, seja qual for a designação que lhe venha a ser atribuída, deve ser mantido como fato históricoa ser repudiado pelo Direito.

Portanto, é de extrema relevância que a comunidade internacional alimente os debates sobre os fatos relatados neste estudo, identificando a sua efetiva veracidade e apontando a necessidade de reações extremas a esta prática, como forma de salvaguarda da tutela dos Direitos Humanos.

 

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Citas

[i] Pós Doutora em Direito pela PUCRS. Doutora em Direito pela PUCRS. Mestre em Direito pela PUCRS. Especialista em Processo Civil pela PUCRS. Advogada. Professora da Graduação em Direito das Faculdades João Paulo II, de Porto Alegre/RS. Coordenadora do GEAK – Grupo de Estudos Araken de Assis. Editora do Site Páginas de Direito. 

[ii]Pós Doutor em Direito pela Universidade de Santiago de Compostela (USC/Espanha), Doutor em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Mestre em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Advogado da União, Professor da Graduação em Direito da IMED-POA, Professor da Graduação, Pós-Graduação e Mestrado da Fundação Escola Superior do Ministério Público (FMP).  E-mail: josetadeunevesxavier@terra.com.br

[iii]Pós Doutor em Direito pela UNIME, Itália. Doutor em Direito pela Universidade Gama Filho/RJ. Professor da Graduação e do PPGD – Mestrado e Doutorado em Proteção dos Direitos Fundamentais da Universidade de Itaúna (UIT), Faculdades Santo Agostinho (FASASETE-AFYA). E-mail: deilton.ribeiro@terra.com.br

[iv] Report of the WHO-China Joint Mission on Coronavirus Disease 2019 (COVID-19). Disponível em: https://www.who.int/docs/default-source/coronaviruse/who-china-joint-mission-on-covid-19-final-report.pdf. Acesso em: 03 mai. 2020.

[v] Apesar da tentativa frustrada de Kadeer, no mundo inteiro, cada vez mais, são publicados estudos científicos relatando a perseguição étnica chinesa. Podemos citar, entre tantos, os seguintes estudos:  SCHMID, Alex P. The problem of defining terrorism.

[vi] Sobre algumas situações de afronta geral aos Direitos Humanos, durante o século XX, Joaquín Herrera Flores já advertia que “los desmanes y atrocidades que se han cometido durante el siglo XX y la memoria del horror que tenemos acerca de fenómenos tales como la esclavitud, los genocidios imperialistas o, por poner un ejemplo más cercano, la irracionalidad, el terror y la indiferencia hacia cualquier normativa internacional que se desprende del campo de concentración de Guantánamo, nos induce a pensar que tal fundamentación es la adecuada, que hay esencias humanas abstractas que no pueden ser contrariadas ni siquiera por los propios seres humanos, que hay, en fin, como una especie de reserva espiritual intocable que nos preserva del mal desplegado en la historia”. (Flores, 2010, p. 72).

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15 de junio de 2022

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