Revista Iberoamericana de Derecho, Cultura y Ambiente

Revista Iberoamericana de Derecho, Cultura y Ambiente
RIDCA - Edición Nº2 - Derecho de Familia y Sucesiones

María Cecilia Pistoia. Directora - Sabrina G. Pinnavaria. Subdirectora

20 de diciembre de 2022

Avanços e desafios enfrentados pelas famílias monoparentais no Brasil Avances y desafíos de las familias monoparentales en Brasil

Autores, Marcela Mª Furst Signori Prado y Tiago Braga da Silva. Brasil

Marcela Mª Furst Signori Prado][1]

Tiago Braga da Silva[2]

 

INTRODUÇÃO

 

O presente trabalho aborda o tema da importância de se falar das famílias monoparentais, no Brasil, em virtude do grande aumento de lares chefiados unicamente por uma pessoa, sem contar com a existência do casamento tradicional, nos moldes das gerações passadas.

 

Tem-se como objetivo explicar ao leitor como funciona este formato de família, bem como mostrar as principais conquistas e desafios alcançados neste modelo de instituição familiar. Não se pretende com este trabalho esgotar os assuntos inerentes às famílias monoparentais, e sim provocar o debate crítico a fim de que se desenvolva um olhar mais humanitário para os lares que são chefiados por pessoas que não tenham o auxílio de um companheiro (a) na condução da família. Adotou-se como método a análise de materiais acadêmicos, via pesquisa bibliográfica, bem como a pesquisa nas obras doutrinárias dos principais jurisconsultos brasileiros, além de informativos e julgados dos tribunais brasileiros.

 

Dando introdução à temática, faz-se necessário refletir acerca do quê é família. Para isso poderíamos pegar um conceito do dicionário, poderíamos pegar definições trazidas pela sociologia, filosofia ou antropologia, também poderíamos pegar a definição na constituição federal. Mas definir o quê de fato é família, não é tão simples assim, como bem explica a jurista Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka:

 

Não nos parece possível afirmar o que a família “é”, na acepção sociológica do termo, já que nessa perspectiva as famílias sempre foram um “vir a ser”. Talvez apenas do ponto de vista positivo nos seja dado, em países como o Brasil, reproduzir conceitos em voga nos muitos períodos da história. O problema surge pela obviedade de que conceituar significa limitar fenômenos pela convenção de padrões, que nem sempre estão ligados apenas à convenção da maioria, senão a dos que detêm o poder, enquanto argumento de autoridade. Por isso, dizer o que a família “é”, para o direito necessariamente requer que fechemos os olhos um sem-número de fatos sociais essencialmente representativos da família, mas que por vezes não se encaixariam nas letras frias de um invólucro qualquer do Direito positivado. Daí a necessidade de que os conceitos sejam cada vez mais abertos, especialmente em matéria de família.

 

A família monoparental está expressamente prevista na Constituição Federal de 1988, vejam:

Art. 226. § 4º Entende-se, também, como entidade familiar a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes.

 

O termo “famílias monoparentais”, que segundo entendimento dado pacificamente pelos doutrinadores, é explicado pelo Professor Conrado Paulino da Rosa:

Famílias Monoparentais são usualmente aquelas em que um progenitor convive e é exclusivamente responsável por seus filhos biológicos ou adotivo. Podem ser formadas no momento do término de um relacionamento afetivo, bem como pode-se originar após uma gravidez advinda de um relacionamento eventual, bem como no momento do falecimento de um dos cônjuges.

 

Destrinchando um pouco mais acerca das possibilidades de formação de família monoparentais mencionadas acima, no conceito de Conrado Paulino da Rosa, as famílias monoparentais também podem ser formadas no momento da adoção, tendo aqui o respaldo legal do Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA, que em seu artigo 42, prevê a permissão para adotar a partir do momento em que a pessoa completa 18 (dezoito) anos, sem ter como requisito a análise do estado civil do (a) adotante.

 

Um importante fato a ser levantado quando falamos de família monoparental, são as que são formadas em decorrência do falecimento de um dos genitores.

 

Desde março de 2020, a pandemia pela Covid-19 mudou a vida de famílias em todo o mundo. De acordo com uma matéria publicada no site do IBDFAM[3], em outubro de 2021, no Brasil, pelo menos 12 mil crianças de até seis anos de idade ficaram órfãs de um dos pais, por conta da doença, até setembro de 2021, e dessas, 64 crianças perderam ambas as figuras parentais.

A pesquisa recente revelou que 223 pais morreram antes do nascimento de seus filhos. Ainda de acordo com os dados, 25,6% das crianças de até seis anos que perderam um dos pais para a Covid-19 ainda não tinham completado um ano. Já 18,2% tinham um ano de idade, 18,2% dois anos de idade, 14,5% três anos, 11,4% 4 anos, 7,8% 5

anos e 2,5% 6 anos.

 

 
DESENVOLVIMENTO
 
A ESTRUTURA DOS LARES MONOPARENTAIS CHEFIADOS POR MULHERES

A cultura mais tradicional aprova a existência de lares chefiados unicamente por mulheres. Lamentavelmente, em sua maioria, são lares em que os filhos surgiram de gravidez não planejada, ou vieram de divórcios ou relações eventuais, sem a formalização de um matrimônio, nos moldes legais.

 

Segundo dados do Portal da Transparência de Registro Civil do Brasil[4], ausência paterna caracteriza mais de 100 mil registros lavrados nos primeiros sete meses do ano de 2022, no Brasil.

 

Cabe destacar a brilhante função desempenhada pelas mães de família, que embora tenham que enfrentar um enorme desafio diante da criação dos filhos, não se deixam intimidar com os diversos desafios que existem na gestão de um lar. Segundo dados do IBGE, as famílias monoparentais estão fazendo parte cada vez mais das famílias brasileiras. E a maioria esmagadora desses lares está sendo chefiada por mulheres, mesmo com todas as dificuldades que elas enfrentam diariamente para buscar o sustento da família.

 

Segundo informações obtidas pelo Jornal “O tempo”[5], nos últimos 15 anos houve um crescimento extraordinário de lares chefiados unicamente por mulheres:

 

Nos últimos 15 anos, o número de lares com esse formato mais que dobrou, com crescimento de 105% e já representando 40,5% das residências do país. Eram 14 milhões em 2001 e, em 2015, somavam 28,9 milhões. Dessas, 11,6 milhões estão inseridas no chamado “arranjo monoparental”, ou seja, composição familiar de núcleo único (sem cônjuge). No geral, o número de famílias brasileiras (todos os formatos) aumentou 39% no mesmo período. De acordo com José Eustáquio Alves, o aumento da chefia feminina teve início nas últimas quatro décadas. “Ela ocorreu, fundamentalmente, em arranjos familiares de núcleo uniparental: família monoparental feminina (mulher com filho e/ou outros parentes e agregados, mas sem parceiro). Nesse caso, essa liderança se deve, automaticamente, à ausência de um marido ou “companheiro”, explica o demógrafo do IBGE.

 

Infelizmente, essa realidade social traz um contexto cheio de dificuldades, visto que a ausência de um companheiro(a) na gestão do lar sobrecarrega àquele

(a) que está à frente da casa.

 

Segundo o Demógrafo José Eustáquio Alves, a formação familiar tradicional antigamente era feita pelo homem, que assumia as despesas do lar e exercia o papel de provedor. Entretanto, nos últimos anos, essa chefia dos lares por homens veio sendo reduzida, e as mulheres passaram a ocupar cada vez mais a chefia dos lares, dada a necessidade do custeio da criação dos filhos, bem como de todas as contas e tributos existentes em um lar.

 

Com o advento da Constituição Federal de 1988, passou-se a defender a igualdade entre homens e mulheres, o que conferiu uma maior credibilidade ao papel da mulher dentro da família, visto que antigamente a presença feminina era vista com muito preconceito no mercado de trabalho. Por outro lado, hoje, a mulher consegue assumir o papel de dona de casa, mãe e provedora, tentando dessa forma, suprir a ausência do companheiro nos cuidados inerentes às relações domésticas. Segundo tese defendida pela pesquisadora Graciele Alves Babiuk,

 

“É possível compreender que as relações não seguem mais obrigatoriamente um modelo bipolar de família nuclear – aquela formada pelos dois genitores e filhos – pois, como está especificado no parágrafo 4º do art. 226 da Constituição Federal: ―Entende-se, também, como entidade familiar a comunidade formada por qualquer dos

pais  e  seus  descendentes‖ e é denominada de família  e  é  denominada  de  família

monoparental. Para Eduardo Leite (2003, p.22), família monoparental é configurada ―quando a pessoa considerada encontra-se sem cônjuge, ou companheiro, e vive com uma ou várias crianças, ressalta ainda que este fenômeno ganhou ênfase nos últimos vinte anos devido ao crescimento de divórcios. Segundo Vitale, existe ainda uma percepção histórica que incorpora a denominação de famílias monoparentais‘ […] a fim de melhor elucidar origem e importância desta significação […] sobretudo o esclarecimento de uma reação de mulheres de hoje, em referência à imposição social que as subjuga à fragilidade e vulnerabilidade econômico-social[…][1] (VITALE, 2002. p.47).

 

Entretanto, a presença mais frequente das mulheres na chefia da maior parte das famílias monoparentais não reduz as dificuldades enfrentadas por elas na condução dos lares.

 

Primeiramente, cabe esclarecer que muitas delas estão nessa condição devido ao término do relacionamento, por motivos de traição ou por cansarem de sofrerem violência tanto física quanto psicológica em relacionamentos abusivos. Desta forma, elas tentam recomeçar a vida sozinhas, tendo poucos recursos financeiros, necessitando socorrer-se nos pais, avós e demais parentes para garantir a sobrevivência e o sustento diário dos filhos.

 

Para complicar mais ainda este cenário, as mulheres assumem uma dupla jornada, tendo que trabalhar profissionalmente, e exercerem o papel de pai e mãe. Muitas até recorrem ao Poder Judiciário na busca pela pensão alimentícia, mas nem sempre conseguem êxito, visto que grande parte dos genitores tenta se esquivar de seu papel e não colaboram com o sustento dos filhos. Enquanto isso, as genitoras ficam aguardando o desfecho de processos judiciais morosos, que na maior parte dos casos, perduram por muitos anos.

 

Ante os fatos narrados, percebe-se que a jornada de trabalho das mulheres, nos lares monoparentais, acaba sendo muito maior do que a jornada desempenhada pelos homens. O Blog Tela Vita [6]informa em seu portal que

 

“Segundo o Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), as mulheres trabalham cerca de 7,5 horas a mais do que os homens na semana. Isso se deve ao fato de sua dupla jornada de trabalho, entre emprego e atividades em seu próprio lar. Fica claro, então, que o trabalho feminino na atualidade é muito maior do que o masculino. É costume cultural, na maioria dos lares brasileiros, a dupla jornada da mulher. Não obstante a desigualdade no mercado de trabalho feminino, as mulheres precisam trabalhar em casa, de forma não remunerada, em que elas terão que cumprir todas as atividades antes de poder descansar para o dia seguinte.”

 

Desta forma, percebe-se que a cobrança imposta às mulheres é muito grande, pois a mulher sente-se abandonada pelo genitor, e para que os filhos não fiquem desprotegidos, ela acaba enfrentando uma carga de atividades muito mais pesada, para garantir seu sustento e o de sua prole.

 

Infelizmente, ainda faltam muitas políticas públicas voltadas para os lares chefiados por mulheres. Ademais, pouco se ouve falar sobre o suporte dado pelo Estado às mulheres chefes de famílias. Essa omissão do Estado contribui para o agravamento de problemas sociais dos mais variados tipos.

 

O AUMENTO DA CRISE FINANCEIRA ENFRENTADA ENTRE AS FAMÍILIAS MONOPARENTAIS NA ATUALIDADE

As famílias brasileiras foram fortemente impactadas pela pobreza e pela crise financeira na última década. Um dos fatores que mais contribuiu para o crescimento dessa desigualdade social foi a pandemia que assolou não apenas o Brasil, como

 

também o restante do mundo no ano de 2020. Infelizmente os lares constituídos por famílias monoparentais foram fortemente impactados pelas dificuldades financeiras. Como exemplo, pode-se citar um caso que foi veiculado pelos meios de comunicação, em que uma pessoa fez um um cartaz e mostrou no semáforo da cidade onde vivia, um pedido de troca de uma máscara de proteção facial, por alimento, visto que estava passando fome. Tal fato foi apontado no trabalho acadêmico da pesquisadora Thamis Dalsenter Viveiros de Castro, conforme pode-se expor a seguir (grifos nossos):

 

“Troco uma máscara por um alimento”.1 Esses eram os dizeres do cartaz que uma menina negra de nove anos segurava em um sinal de trânsito em 13.5.2020, no cruzamento de uma das mais movimentadas avenidas do bairro                                     do                                 Recreio             dos Bandeirantes, na zona oeste do Rio de Janeiro. A foto com a imagem da criança viralizou na internet durante a pandemia do Covid-19, e se tornou símbolo da invisibilidade das famílias monoparentais no Brasil, descortinando         o          cruel          desamparo          e a vulnerabilidade social que atingem tais entidades familiares em tempos pandêmicos, especialmente na dimensão econômica. O que poderia ser mais um exemplo

dramático dos nefastos efeitos econômicos sofridos por milhões de pessoas em razão do coronavírus e das necessárias medidas sanitárias de isolamento social e fechamento de diversos setores ligados ao comércio, é, na verdade, o retrato do drama social que atinge diversas famílias monoparentais brasileiras independentemente da pandemia, em virtude da estrutura que identifica tal arranjo e                        que                        onera somente um ascendente no cuidado, criação e sustento integral dos seus filhos. Desse modo, a vulnerabilidade social atinge mais fortemente as formações familiares

 

monoparentais em razão do acúmulo concentrado dos trabalhos domésticos e dos cuidados com os filhos e atividades profissionais em somente uma figura, o que exige um exercício da responsabilidade parental de forma isolada e exclusiva. Esse cenário de desigualdades é negligenciado                     pelo                                 ordenamento jurídico, que não disciplina as peculiaridades e demandas dessa entidade familiar tão comum na formação social brasileira. Depois da divulgação da emblemática foto na internet, houve um intenso movimento de busca pela história por trás da imagem, o que implicou diversos atos de solidariedade e permitiu conhecer a realidade da vida da menina de nove anos. A mãe trabalhava como vendedora de picolé e diarista até o início da pandemia, quando ficou sem trabalho em razão das restrições à circulação               de               pessoas               e               foi levada a vender doces no sinal para sobreviver e prover alimentos para os seus quatro filhos, eis que cuida e cria sozinha toda sua prole. No início,   a   mãe   relatou que, apesar de ter ficado “envergonhada” e com medo das críticas das pessoas quando passou a ser procurada por jornalistas interessados na história, todas as doações recebidas após a divulgação da foto foram fundamentais para sua família. De fato, enquanto muitos brasileiros se preservam com o uso de máscaras e álcool em gel para evitar o contágio do coronavírus e podem respeitar as diretrizes de distanciamento social recomendadas

pelas autoridades sanitárias, a menina e seu cartaz denunciam o abismo social quepriva de alimentos e saúde muitas famílias, especialmente as monoparentais. De fato, não é de hoje que os rendimentos e a variação patrimonial                            entre

as famílias nucleares e as monoparentais apresentam

 

significativa diferença, e a ausência de políticas públicas e o efetivo reconhecimento agravam ainda mais a vulnerabilidade social desses grupos familiares. No contexto da pandemia, essa entidade familiar, tradicionalmente referenciada na figura feminina, demanda tutela jurídica ampliada, de modo a reforçar a proteção conferida aos vulneráveis para garantir o respeito à dignidade da pessoa humana em sua perspectiva existencial e patrimonial. Nessa linha, o presente trabalho almeja analisar os principais contornos da família monoparental na experiência brasileira, bem como os impactos da pandemia do coronavírus na esfera do cuidado e da vulnerabilidade que atingem tais arranjos de forma mais drástica. A par de tal exame, percorre-se, diante do silêncio legal sobre tais entidades familiares, os possíveis caminhos para uma disciplina jurídica de promoção da dignidade de seus membros.

Pelo que foi relatado no citado trabalho acadêmico, a pandemia agravou a desigualdade social entre os lares brasileiros. Infelizmente as famílias monoparentais foram aquelas que mais sentiram o impacto causado pela pandemia do covid19. Todavia, essa realidade social sempre existiu, mas ganhou uma visibilidade bem maior no meio da crise sanitária que o Brasil enfrentou recentemente.

 

Desta forma, verifica-se que o Estado necessita ter um olhar mais humanitário pelos lares chefiados por apenas uma pessoa, pois são famílias que se sustentam com uma única fonte de renda. Isso nos mostra a importância de se criar projetos sociais que visem à proteção desses lares, bem como que se coloque este assunto em pauta perante as autoridade brasileiras que estão a frente das questões sociais que o país enfrenta na atualidade.

 

LEGISLAÇÃO APLICADA ÀS FAMÍLIAS MONOPARENTAIS

 

As famílias monoparentais estão presentes na sociedade brasileira há muitos anos, tendo sido mencionada na Constituição da República. Entretanto, ainda faz-se necessária a criação de mecanismos que venham proteger mais efetivamente estas famílias, com um amparo mais abrangente por parte do Estado maior, seja com a elaboração de leis e estatutos mais específicos, seja com a aplicação de políticas sociais preventivas e imediatas, por se tratar de uma questão social de relevante importância para a nação brasileira.

 

Paulo Lôbo descreve em sua doutrina que este instituto ainda não possui estatuto próprio, sendo aplicado no caso os dispositivos dos outros diplomas legais (Código Civil, Estatuto da Criança e do Adolescente, Constituição Federal de 1988, dentre outros), se não vejamos:

 

“A família monoparental não é dotada de estatuto jurídico próprio, com direitos e deveres específicos, diferentemente do casamento e da união estável. As regras de direito de família que lhe são aplicáveis, enquanto composição singular de um dos pais e seus filhos, são as atinentes às relações de parentesco, principalmente da filiação e do exercício do poder familiar, que neste ponto são comuns às das demais entidades familiares. Incidem-lhe sem distinção ou discriminação as mesmas normas de direito de família nas relações recíprocas entre pais e filhos, aplicáveis ao casamento e à união estável, considerado o fato de integrá-la apenas um dos pais. Quando os filhos atingem a maioridade ou são emancipados, deixa de existir a autoridade parental, reduzindo-se a entidade monoparental apenas às relações de parentesco, inclusive quanto ao direito aos alimentos, em caso de conflito. Também se lhe aplica, sem

restrições, a impenhorabilidade do bem de família, entendido como sua moradia. Admitindo a reprodução assistida para as mulheres solteiras, pois a Constituição

 

não                                   apenas                                   protege a família monoparental já constituída, mas também a que se pretende constituir, Maria de Fátima Freire de Sá sustenta que o princípio do melhor interesse da criança não estará assegurado simplesmente pelo fato de ela nascer em família biparental, mas pela circunstância de ser amada, desejada e respeitada (2004, p. 447). No caso de morte do genitor da família monoparental, esta desaparece, ainda que tenha sido designado tutor para os filhos menores. Também desaparece quando os filhos constituírem novas famílias, ficando o genitor só (celibatário).” (LOBO, 2018. p.62).

 

Desta maneira, verifica-se que as famílias monoparentais se utilizam de dispositivos normativos aplicados às famílias matrimoniais. Faz-se necessária a criação de frentes de debates nas comissões parlamentares, audiências públicas e discussões no ambiente acadêmico universitário, pois a existência dessa modalidade familiar está cada vez mais presente nas relações sociais brasileiras, e várias são as questões que os chefes de família passam diariamente que requerem uma assistência maior por parte do Estado brasileiro.

 

Arnaldo Rizzardo cita em uma de suas obras que o Professor Antônio Junqueira fez duras críticas ao Novo Código Civil, devido à omissão quanto à proteção às famílias monoparentais, mesmo diante do crescimento vertiginoso dessa modalidade familiar na atualidade:

 

“Bem   desenvolve    a    matéria    o    Professor Antônio Junqueira de Azevedo, que criticava o então projeto do Código Civil, pela omissão em prever este tipo: “Para começar, o Projeto não trouxe regra alguma sobre a família monoparental. No entanto, nada mais nada menos que 26,1% de brasileiros vivem nesse tipo de família. Em 1991, eram 38 milhões de pessoas, no total

 

de 146 milhões (PNAD – Pesquisa Nacional por Amostragem Domiciliar); são hoje mais de dez milhões de chefes de família, em geral mulheres – mães, mas muitas vezes também avós –, que, para os nossos senadores, se tornaram mulheres sem rosto, chefiando famílias invisíveis. Essas famílias, aliás, apesar do silêncio geral sobre elas, são mais numerosas que as de união estável (26,1% contra 17,3%). A formulação de um novo Código Civil

seria uma boa ocasião para estender ainda mais a previsão constitucional da família monoparental, incluindo, além dos ‘descendentes’, também os enteados e os ‘filhos de criação’, porque é isto o que muitas vezes acontece nessas famílias. A utilidade disso seria estender a um bom número de pessoas todas as vantagens dadas pelas leis de proteção à família (Rizzardo, p. 54).

Um grande exemplo da necessidade de ampliação do debate acerca das família monoparentais, é, por exemplo, a importância da família extensa.

 

Assim dispõe o Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA:

 

Art. 25. Parágrafo único. Entende-se por família extensa ou ampliada aquela que se estende para além da unidade pais e filhos ou da unidade do casal, formada por parentes próximos com os quais a criança ou adolescente convive e mantém vínculos de afinidade e afetividade.

 

Logo, como conceitua o jurista Rodrigo Pereira da Cunha em seu Dicionário de Direito de Família e Sucessões: “É a família que vai além do seu núcleo pai, mãe e filhos, estendendo-se aos outros parentes, como avós, tios e primos.”

 

Com o falecimento de um dos genitores, pode haver a guarda compartilhada entre um dos genitores e um terceiro? Não há previsão legal para guarda compartilhada entre um dos genitores e um terceiro, como os avós, por exemplo, mas trata-se de uma excepcionalidade cabível à caso concreto.

 

Dentro do Código Civil, em seu artigo que trata da guarda, assim dispõe:

 

Art. 1.584. A guarda, unilateral ou compartilhada, poderá ser:

 

  • 5º Se o juiz verificar que o filho não deve permanecer sob a guarda do pai ou da mãe, deferirá a guarda a pessoa que revele compatibilidade com a natureza da medida, considerados, de preferência, o grau de parentesco e as relações de afinidade e afetividade.

De modo que, o §5º do artigo 1.584 do Código Civil, traz uma possibilidade interpretativa para aplicação de guarda compartilhada entre o(a) genitor(a) e um terceiro.

 

E já há jurisprudências hoje que permitiram guarda compartilhada entre genitor e avós, entre genitor e tios, e até mesmo entre genitor e madrasta.

Em muitos casos dos pedidos judiciais de regulamentação, são avós que já possuem a situação de guardião de fato da criança e apenas querem regularizar, como explica a advogada Júlia Martins Machado em seu artigo sobre Os efeitos da guarda compartilhada com terceiros no ordenamento jurídico brasileiro[7]:

 

Em diversos casos, a criança reside com estas pessoas, eis que, este ajuda no sustento, criação, educação, servindo à eles como referência de “autoridade” acerca das tomadas de decisões que circundam sua vida, e nas demais formas que influenciam no seu desenvolvimento, sempre buscando atender ao princípio do melhor interesse da criança e a todos os outros que se fizerem necessários na análise deste requerimento.

 

Como exemplo, analisa-se a decisão proferida pelo TJDFT, em sede de recurso:

 

CIVIL. APELAÇÃO. GUARDA COMPARTILHADA. GENITORES E AVÓ PATERNA. POSSIBILIDADE. SITUAÇÃO DE FATO HÁ ANOS CONSOLIDADA. ACORDO EXTRAJUDICIAL. HOMOLOGAÇÃO.

 

  1. (…)
  1. A pretensão deduzida nesta demanda, de deferimento da guarda compartilhada entre a avó e os genitores, sendo a casa da avó o lar de referência, com a concordância dos pais, visa confirmar uma situação de fato há muitos anos existente, e observa o melhor interesse da criança, porquanto o menor reside e é mantido financeira e emocionalmente pela avó paterna quase desde o
  1. Apelação conhecida e

Assim como proferido pelo TJDFT, diversos são os tribunais que vem acatando este entendimento de compartilhar a guarda com terceiro em casos excepcionais, se estiver em conformidade com princípios que regem a guarda, como o melhor interesse da criança e do adolescente.

 

E o Superior Tribunal de Justiça – STJ, tem entendimento no mesmo sentido, em decisão inédita[8] e não é tão recente, é do ano de 2010, os ministros da 4ª Turma do STJ concluíram que a avó e o tio podem ter a guarda compartilhada apesar de não formarem um casal. No caso concreto, a menina que tinha 12 anos de idade na época, já vivia com a avó e o tio desde os 4 meses de vida, o pai estava preso e a mãe viaja muito a trabalho, não sendo possível precisar quando e se ela iria visitar a filha.

Ou seja, com base no princípio constitucional de melhor interesse da criança e do adolescente, a aplicação das normas devem ser ampliadas nos seus entendimentos e interpretações, para abranger todas as formações de famílias, inclusive para regulamentar uma situação de fato, em direito.

 

CONCLUSÃO

Diante do exposto no presente artigo acadêmico, conclui-se que, em virtude do grande aumento de lares chefiados unicamente por uma pessoa, no Brasil, pelos mais variados motivos expostos, as famílias monoparentais são uma realidade na sociedade e necessitam com urgência de uma maior atenção do poder legislativo e judiciário, a fim de que se criem mecanismos que visem a proteção e todos os direitos dados às demais modalidades familiares existentes no âmbito jurídico moderno.

 

Faz-se necessária maior reflexão acerca da questão financeira para as família monoparentais, especialmente nas famílias chefiadas pelas mulheres que ainda sofrem com o machismo estrutural muitas vezes recebendo salários menores do que dos homens mesmo que exercendo as mesmas funções ou até mesmo não sendo contratadas em razão do gênero.

  

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

HIRONAKA, Giselda Mª Fernandes Novaes. Tratado de Direito das Família: O conceito de família e sua organização jurídica. 2ª Edição. Belo Horizonte: IBDFAM, 2016.

 

1988,                    Constituição                   Federal.                    Disponível                   em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm

 

ROSA, Conrado Paulino da. Direito de Família Contemporâneo. 7ª ed.rev., ampl. E atual. – Salvador: Juspodivm, 2020.

 

ADOLESCENTE, Estatuto da Criança e do. Lei 8069, de 13 de julho de 1990. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8069.htm.

 

Mais de 12,2 mil crianças de até 6 anos ficaram órfãs desde o início da pandemia da Covid-19 no Brasil. Acessado em 19 de setembro de 2022.

https://ibdfam.org.br/noticias/9012/Mais+de+12%2C2+mil+crian%C3%A7as+de+at

%C3%A9+6+anos+ficaram+%C3%B3rf%C3%A3s+desde+o+in

%C3%ADcio+da+pandemia+da+Covid-19+no+Brasil

 

Só em 2021, mais de 2.300 pessoas se tornaram órfãs de vítimas de feminicídio no Brasil, aponta estudo. Acessado em 19 de setembro de 2022.

https://g1.globo.com/fantastico/noticia/2022/04/10/so-em-2021-mais-de-2300- pessoas-se-tornaram-orfas-de-vitimas-de-feminicidio-no-brasil-aponta-estudo.ghtml

 

“Quem é o pai?”: ausência paterna caracteriza mais de 100 mil registros lavrados nos primeiros sete meses de 2022 no Brasil. Acessado em 19 de setembro de 2022.

https://www.anoreg.org.br/site/quem-e-o-pai-ausencia-paterna-caracteriza-mais-de- 100-mil-registros-lavrados-nos-primeiros-sete-meses-de-2022-no-brasil/

 

MOTTA, Thuany. Quase 30 milhões de mulheres chefiam os lares no Brasil. O TEMPO,                           24            de            setembro            de            2018.Disponível           em https://www.otempo.com.br/interessa/comportamento/quase-30-milhoes-de- mulheres-chefiam-os-lares-no-brasil-1.2034999.

 

BABIUK, Graciele Alves. Famílias monoparentais femininas, políticas públicas em gênero e raça e serviço social. Seminário Nacional de Serviço Social, Trabalho e Política Social Florianópolis, 27 a 29 de outubro de 2015. Disponível em https://repositorio.ufsc.br/xmlui/bitstream/handle/123456789/180860/ Eixo_3_269.pdf?sequence=1&isAllowed=y.

 

A dupla jornada de trabalho e o estresse feminino. Acessado em 05 de agosto de 2022. Disponível em https://www.telavita.com.br/blog/dupla-jornada-estresse- feminino/.

 

Imagem de menina trocando máscara por comida viraliza no Rio e gera onda de solidariedade.    Acessado     em     05     de     agosto     de     2022.     Disponível    em https://g1.globo.com/rj/rio-de-janeiro/noticia/2020/05/13/imagem-de-menina- trocando-mascara-por-comida-viraliza-no-rio-gera-onda-de-solidariedade.ghtml.

 

CASTRO, Thamis Dalsenter Viveiros de Castro; Vitor Almeida. Famílias monoparentais, vulnerabilidade social e cuidado, pág. 78. Disponível em: https://www.jur.puc-rio.br/wp-content/uploads/2021/07/626-2194-1-PB.pdf

 

LOBO, Paulo. Direito Civil. Volume 5. 8 ed. – São Paulo: Saraiva Educação, 2018.

 

RIZZARDO, Arnaldo. Direito de Família. 10 ed. – Rio de Janeiro: Forense, 2019.

 

PEREIRA, Rodrigo da Cunha.Dicionário de Direito de Família e Sucessões. 2ª Edição Ilustrado. São Paulo: Saraiva Jur, 2018.

 

Os efeitos da guarda compartilhada com terceiros no ordenamento jurídico brasileiro. Acessado em 19 de setembro de 2022.

https://ibdfam.org.br/artigos/1702/ Os+efeitos+da+guarda+compartilhada+com+terceiros+no+ordenamento+jur

%C3%ADdico+brasileiro

 

Em decisão inédita, STJ dá guarda de criança a avó e tio. Acessado em 23 de setembro de 2022. https://g1.globo.com/brasil/noticia/2010/05/em-decisao-inedita-stj- da-guarda-de-crianca-a-avo-e-tio.html

 

Citas

[1] Advogada especialista em Direito de Família. Diretora do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM/DF. Conselheira Seccional da OAB/DF. Presidente da Comissão de Direito Sistêmico da OAB/DF. Membro Consultora da Comissão Especial de Direitod e Família do Conselho Federald a OAB. Membro da Associação Brasileira de Mulheres em Carreiras Jurídicas – ABMCJ/DF. Membro do Instituto dos Advogados do Distrito   Federal/IADF.   Conselheira Nacional da Associação Nacional da Advocacia Unida Contra a Corrupção – AUCC.

 

[2] Graduado pela Universidade Católica de Brasília – UCB. Pós-Graduado em Direito de Família e Sucessões pela Fundação Escola Superior do Ministério Público, Membro do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM, estando Vice-Presidente da Comissão do Advogado de Família do IBDFAM/DF; Vice-Presidente da Comissão de Direito de Família da Ordem dos Advogados do Brasil – Seccional do Distrito Federal (OAB/DF), Subseção de Taguatinga.

[3] https://ibdfam.org.br/noticias/9012/Mais+de+12%2C2+mil+crian %C3%A7as+de+at%C3%A9+6+anos+ficaram+%C3%B3rf%C3%A3s+desde+o+in %C3%ADcio+da+pandemia+da+Covid-19+no+Brasil

[4] https://www.anoreg.org.br/site/quem-e-o-pai-ausencia-paterna-caracteriza-mais-de-100-mil-registros-lavrados-nos-primeiros-sete-meses-de-2022-no-brasil/

[5] https://www.otempo.com.br/interessa/comportamento/quase-30-milhoes-de-mulheres-chefiam-os-lares-no-brasil-1.2034999

[6] https://www.telavita.com.br/blog/dupla-jornada-estresse-feminino/

[7] https://ibdfam.org.br/artigos/1702/Os+efeitos+da+guarda+compartilhada+com+terceiros+no+ordenam ento+jur%C3%ADdico+brasileiro

 

[8]             https://g1.globo.com/brasil/noticia/2010/05/em-decisao-inedita-stj-da-guarda-de- crianca-a-avo-e-tio.html

 

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