Revista Iberoamericana de Derecho, Cultura y Ambiente
RIDCA - Edición Nº3 - Derecho Internacional
Fernando Tarapow - Priscila Caneparo. Directores
15 de julio de 2023
A criação do Direito Humanitário e a importância dos Tribunais de Nuremberg e de Tóquio na perspectiva do Direito Internacional.
La creación del Derecho Humanitario y la importancia de los Tribunales de Nuremberg y Tokio desde la perspectiva del Derecho Internacional
Autores. John Victor Jachtchechen y Priscila Caneparo. Brasil
Por John Victor Jachtchechen[1]
Priscila Caneparo[2]
1. INTRODUÇÃO
A Segunda Guerra Mundial foi um dos conflitos mais devastadores da história, deixando um saldo de milhões de mortos e inúmeros danos materiais. Além disso, o conflito também levantou questões importantes sobre a responsabilização individual em nível internacional, já que crimes de guerra, crimes contra a humanidade e genocídios foram cometidos durante o período. A responsabilização individual por crimes internacionais foi uma novidade na época, já que, antes da Segunda Guerra Mundial, apenas os Estados eram responsabilizados por violações do Direito Internacional.
Nesse contexto, a responsabilização internacional do indivíduo tornou-se um tema crucial, tanto do ponto de vista jurídico quanto político. A ideia de que indivíduos poderiam ser julgados e punidos por crimes cometidos durante um conflito foi uma mudança significativa em relação às práticas anteriores de responsabilização, que se concentravam frente aos Estados. Assim, a ideia de que indivíduos poderiam ser responsabilizados por crimes internacionais foi estabelecida no Estatuto de Nuremberg, adotado pelos Aliados, após o fim da Segunda Guerra. O Estatuto em referência criou o Tribunal Militar Internacional, que julgou líderes nazistas por crimes de guerra, crimes contra a paz e crimes contra a humanidade.
Considerado um marco na história do Direito Internacional, a responsabilização individual dos líderes nazistas estabeleceu um precedente importante para a responsabilização de indivíduos por crimes internacionais. Além disso, a criação do Tribunal de Nuremberg teve um impacto significativo na política internacional da época, demonstrando a determinação dos Aliados em punir os responsáveis pelos crimes cometidos durante a Guerra e enviar uma mensagem clara de que tais atrocidades não seriam toleradas. No entanto, a responsabilização individual também foi objeto de críticas e controvérsias, especialmente no que diz respeito à seleção dos acusados e à equidade do processo judicial. Apesar desses desafios, a responsabilização individual continua sendo uma ferramenta importante para a promoção da justiça e do Estado de Direito em nível internacional.
O tipo de pesquisa utilizado na presente monografia foi a exploratória em relação aos objetivos, visto que, teve como objetivo a aquisição de uma maior familiaridade na compreensão do fenômeno de responsabilização internacional do indivíduo. Neste sentido, a metodologia empregada envolve a realização de pesquisas bibliográficas e documentais, com uma abordagem qualitativa, visando relacionar os dados para a interpretação e atribuição significativa aos fenômenos estudados.
O presente trabalho é estruturado contendo, além desta Introdução e da Conclusão, duas partes, cada uma delas dedicadas a uma reflexão sobre a importância e a construção histórica da responsabilização internacional do indivíduo. Na primeira parte, será realizada a análise do Direito Humanitário, destacando-se também a sua origem e importância para o Direito Internacional. A segunda parte é dedicada aos Tribunais Internacionais «ad hoc» de Nuremberg e Tóquio, contextualizando sua importância e seus métodos de julgamentos.
2. O DIREITO HUMANITÁRIO
O indivíduo está para o Direito assim como as rodas estão para o carro, isso quer dizer que o indivíduo é o sujeito indispensável para o Direito, e podemos considerá-lo como um fator considerável para a evolução do Direito Humanitário assim como para os Direitos Humanos (CICV, 2014). Para adentrar ao tema é imprescindível fazer uma diferenciação entre os Direitos Humanos e o Direito Humanitário.
Sabe-se que cada ser humano possui direitos, porém chegar a uma precisa definição do que vêm a ser os Direitos Humanos é algo difícil, tendo em vista que em relação a doutrinas especializadas encontram-se diversas definições (RAMOS, 2016).
Peres Luño (1995) afirma haver três definições sobre os Direitos Humanos, quais sejam, tautológica, formal e finalística ou teleológica. A primeira, tautológica, não comporta nenhum elemento novo que permita caracterizar tais direitos, ou seja, os Direitos Humanos seriam aqueles direitos que correspondem ao homem pelo fato de ser homem. O segundo tipo, formal, os Direitos Humanos são os direitos que pertencem a todos os homens e que não podem ser deles privados, por ser um direito sui generis (de seu próprio gênero). Por fim, finalística ou teleológica, os Direitos Humanos são aqueles essenciais para o desenvolvimento digno da pessoa humana.
Já para DALLARI (2004), os direitos humanos representam uma forma sumária de mencionar os direitos fundamentais da pessoa humana. São considerados fundamentais pois sem eles a pessoa humana não consegue existir ou não é capaz de participar plenamente da vida.
A definição dos direitos humanos, para Ramos (2016), repousa na ideia de ser um conjunto mínimo de direitos necessários para assegurar a vida do ser humano baseada na liberdade, igualdade e na dignidade.
Veja-se que dignidade aqui é entendida como sendo uma qualidade intrínseca e distinta de cada ser humano, que o faz merecedor de respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando assim, nos direitos e deveres fundamentais que a assegurem garantias e condições existenciais mínimas para uma vida saudável, em comunhão com os demais seres humanos.
Desta forma, os direitos humanos consistem em um conjunto de direitos considerados indispensáveis para uma vida humana pautada na liberdade, igualdade e dignidade. São os direitos essenciais e indispensáveis à vida digna (RAMOS, 2017).
Por sua vez, Direito Humanitário foca na proteção do ser humano na situação específica dos conflitos armados (internacionais e não internacionais). Regido por costumes, princípios gerais e por tratados internacionais, no tocante à proteção internacional da pessoa humana, merece destaque o direito internacional humanitário (DIH), por procurar limitar os efeitos dos conflitos armados, protegendo as pessoas que participam ou deixam de participar das hostilidades, restringindo os meios e os métodos de combate (ARAS, 2022). É um ramo do Direito que disciplina o jus ad bellum (direito de guerra) e o jus in bello (direito na guerra) (BORN, 2022).
O jus ad bellum refere-se à limitação ao direito de recorrer à guerra, em outras palavras, refere-se às condições em que os Estados poderiam se socorrer à guerra ou ao uso da força armada em geral (GUERRA, 2021).
Em contrapartida, o jus in bello refere-se à proteção das vítimas durante a guerra, regulamentando a conduta das partes envolvidas em um conflito armado. Assim, o Direito Internacional Humanitário acaba sendo um sinônimo de jus in bello, pois visa minimizar o sofrimento humano durante os conflitos armados, protegendo e auxiliando todas as vítimas do conflito, no que for possível. Nas palavras de Krieger (2004, p. 257), “Os Estados têm o direito de fazer a guerra com estritas condições entendendo-se ser o jus ad bellum a legalidade do uso da força, e o jus in bello, as normas que dizem respeito às operações bélicas”.
Desta forma, o Direito Humanitário procura aliviar o sofrimento humano e proteger os civis e combatentes, estabelecendo normas e princípios para a conduta das partes em conflito. Mostrando-se essencial que todos o respeitem, para evitar sofrimentos humanos desnecessários e contribuir para um mundo mais pacífico e justo.
2.1 CONTEXTUALIZAÇÃO
Os conflitos armados, guerras civis ou guerras internacionais constituem-se nos meios mais cruéis de violação ao indivíduo e aos seus direitos, trazendo consigo marcas intransponíveis à vida de quem os presencia. As mortes e feridas geradas são marcantes, incuráveis e impossíveis de reverter (PAULA, 2011).
Fizeram questão de lembrar que somos judeus acorrentados, acorrentados num lugar, sem qualquer direito, mas com mil deveres. Devemos colocar os sentimentos de lado; devemos ser corajosos e fortes, suportar o desconforto sem reclamar, fazer o máximo possível e confiar em Deus. Algum dia essa guerra terrível vai terminar. Chegará a hora em que seremos gente de novo, e não somente judeus (frank, 2022).
Em tempo de guerra, os homens devem observar certas normas de humanidade, mesmo em relação ao inimigo. Estas normas estão principalmente incluídas nas quatro Convenções de Genebra, de 12 de agosto de 1949, e nos seus Protocolos Adicionais, de 1977 e 2005 (CRUZ VERMELHA, 2006, p. 4).
Guerras e conflitos são inerentes à sociedade, isto é, existem desde o princípio da civilização (OC MRIA, 2012). É impossível que não ocorram conflitos na convivência entre os seres humanos, afinal, o ser humano é guiado por emoções e sentimentos; todos apresentam maneiras de pensar e agir distintas (GOLEMAN, 2001).
Em um contexto caótico e hostil, ao fim da Segunda Guerra Mundial, com muitos povos enfraquecidos, alguns ansiando pela liberdade, surgiram diversos conflitos espalhados pelo mundo, onde muitos se desdobraram em disputas internas, gerando mais brutalidade e inúmeros atentados à dignidade humana.
Na cauda destes conflitos, diversas pessoas foram obrigadas a deixar suas casas, bens, locais de trabalho, escolas, rotinas e, muitas vezes, entes queridos, submetendo-se a condições precárias; tudo para ir em busca de melhores condições.
O surgimento do Direito Internacional Humanitário se deu com a reunião de esforços para proteger os indivíduos das consequências das guerras. Surgindo somente na metade do século XIX, por meio de tratados internacionais para proteger o mínimo atrelado aos direitos humanos, em especial, marcado pela primeira Convenção de Genebra de 1864, seguida de diversos outros tratados os quais visavam tratar as guerras travadas com determinados limites que devem ser respeitados, visando preservar a vida e a dignidade dos seres humanos (CRUZ VERMELHA, 2004).
Destaca-se para o surgimento do Direito Internacional Humanitário dois grandes homens, Henry Dunant, um empresário suíço (GUERRA, 2021), e Guillaume-Henri Dufour, oficial do exército suíço.
Dunant realizava uma de suas viagens de negócios pela Itália, quando testemunhou o resultado da batalha de Solferino, um combate envolvendo tropas austríacas e franco-sardenhas, visando a unificação da Itália.
Espantado, após presenciar cenas de verdadeira barbárie, voltou a Genebra, escreveu um livro denominado Un Souvenir de Solférino, publicado em 1862, relatando as crueldades que presenciou e destacando que não dá mais para se valer de guerras como um meio de solução de conflitos (GUERRA, 2021). Tendo a obra repercutido em toda a Europa, fez com que desencadeasse um movimento internacional com o objetivo de suprir deficiências dos serviços sanitários nos campos de batalha. Buscou a conscientização humana sugerindo a criação de uma sociedade de socorro privada e a assinatura de um tratado o qual permitisse essa atuação.
O livro publicado despertou o interesse de muitas personalidades da época, dentre elas Dufour, os quais o ajudaram a pôr em pratica as ideias contidas em sua obra, fundando o “Comitê Internacional de Socorro aos Militares Feridos”, o qual passou a se chamar, em 1876, de Comitê Internacional da Cruz Vermelha (CICV, 2015).
Em 1864, o general Dufour, o qual detinha conhecimentos sobre guerra, não perdeu tempo e presidiu a conferência diplomática de 1864, acompanhada por 16 estados, na qual foi adotada a Primeira Convenção de Genebra, oferecendo um destino melhor aos militares feridos dos Exércitos em campanha militar, melhorando as condições dos feridos e doentes das forças armadas.
Após diversas revisões, modificações e ampliações, os dez artigos da Convenção de Genebra, 1864, estabeleceram, basicamente, o respeito e a proteção das equipes e instalações sanitárias, assim como, reconheceu que o militares feridos ou enfermos devem ser protegidos e receber cuidados, não importando a sua nacionalidade, instituindo-se o emblema da Cruz Vermelha (GUERRA, 2021).
2.2 AS CONVENÇÕES DE HAIA E DE GENEBRA
O Direito Humanitário tem como âmago as quatro Convenções de Genebra com a junção dos tratados ratificados entre 1864 e 1949, os quais visavam cuidar dos civis nos períodos de conflitos armados, assim como sofreu influência das Conferências Internacionais de Haia de 1899 e 1907, conhecidas como Conferências da Paz (CRUZ VERMELHA, 2006).
As Convenções de Genebra (de 1949) e os seus Protocolos Adicionais (de 1977 e 2005), aplicam-se aos conflitos armados internacionais, isto é, o uso de força armada entre dois ou mais Estados, ou em caso específico onde o confronto armado entre grupos de um mesmo país possua certo grau de violência exacerbado (BRIDJE, 2021).
Sua primeira Convenção foi para a “Melhoria da Sorte dos Feridos e Enfermos dos Exércitos em Campanha”, ratificada em 22 de agosto de 1862 na Conferência Diplomática de Genebra, realizada entre 8 e 22 de agosto de 1864 (BORN, 2022).
A segunda Convenção foi para “Melhoria da Sorte dos Feridos, Enfermos e Náufragos das Forças Armadas no Mar”, ratificada em 27 de julho de 1929, na Conferência Diplomática de 1.º a 27 de julho de 1929. Esta abrangeu um número bem maior de membros, além dos participantes da primeira Conferência da Paz, sendo que agora contava também com países como Noruega, Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Colômbia, Cuba, República Dominicana, Equador, Guatemala, Haiti, Nicarágua, Panamá, Paraguai, Peru, Uruguai, Venezuela e Honduras. A terceira Convenção foi relativa ao “Tratamento dos Prisioneiros de Guerra”, ratificada em 27 de julho de 1929.
Por fim, a quarta foi a Convenção relativa à “Proteção dos Civis em Tempo de Guerra”, ratificada em 12 de agosto de 1949 na Conferência Diplomática de 21 de abril a 12 de agosto de 1949. Nesta, destaca-se que revisaram o que foi acordado nas outras três Convenções e elaborada a Quarta Convenção de Direito Humanitário. Oportunidade em que o Brasil consolidou sua adesão a todos os quatro tratados, cuja ratificação se consolidou em 14 de maio de 1957.
Algumas normas que se aplicam às quatro Convenções de Genebra e a seus Protocolos Adicionais são: proibição em qualquer momento ou lugar de homicídio, tortura, castigos corporais, mutilações ou atentados à dignidade, detenção de reféns, castigos coletivos, execuções sem julgamento regular e todas as formas de tratamentos cruéis e degradantes.
Com as quatro Convenções de Genebra, garantiu-se a proteção aos civis e para os civis; definindo as violações criminais e as obrigações dos Estados de processar os responsáveis (CICV, 2006).
Por sua vez, a primeira Conferência de Haia, realizada no período de 18 de maio a 29 de julho de 1899, contou com a presença de representantes de 26 países, dentre eles, Estados Unidos, México, China, Japão, Pérsia e Sião, além de vinte representantes das nações europeias (ACCIOLY; NASCIMENTO E SILVA; CASELLA, 2012).
Esta primeira Conferência voltou-se para uma tentativa de obter a paz, estimulando meios pacíficos de resolução de conflitos, deste modo, evitando guerras ou, pelo desarmamento, afastando a sua possibilidade. Também, buscou-se evitar, ou ao menos diminuir, o padecimento das vítimas nos conflitos por meio de uma regulamentação de como as tropas deveriam se portar, evitando a utilização de meios cruéis (GUERRA, 2021).
Apesar dos esforços conclamados na Primeira Conferência, viu-se como necessário a formação de um Segunda Conferência, visto que o Japão e a Rússia recém estavam saindo de uma disputa (Guerra Russo-Japonesa 1904-1905).
A segunda Conferência da Paz, também realizada em Haia, entre 15 de junho a 19 de outubro de 1907, por iniciativa do então presidente dos EUA, Theodore Roosevelt, balizada pela experiência do então Presidente, cujo qual vivenciou o período de Guerra (ACCIOLY; NASCIMENTO E SILVA; CASELLA, 2012). Esta abrangeu um número bem maior de membros, além dos participantes da primeira Conferência da Paz, agora contava também com países como, Noruega, Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Colômbia, Cuba, República Dominicana, Equador, Guatemala, Haiti, Nicarágua, Panamá, Paraguai, Peru, Uruguai, Venezuela e Honduras.
Esta Conferência seguiu a linha de preocupação da primeira, abrangendo um meio de solução pacífica de conflitos internacionais; limitação do emprego da força; criação de leis e uso das terras em caso de guerra; direitos das potências e das pessoas em caso de guerra; preocupação com os navios mercantis em caso de guerra; conversão destes navios mercantes em navios de guerra; bombardeios em caso de guerra; restrições ao direito de captura; criação de um Tribunal Internacional no caso de descumprimento de regras; direitos e deveres das potências em casos de guerra. Resumidamente, preocupou-se com o bem-estar da humanidade.
Se, quanto ao jus ad bellum, as Conferências da Haia foram ultrapassadas pelo banimento geral da guerra em momento posterior (com a Carta da ONU), quanto ao jus in bello, o Direito da Haia continua a ser atual na regulamentação da condução das hostilidades, em especial nos tipos de guerras então existentes, a guerra terrestre e a guerra marítima, bem como o regime da neutralidade (RAMOS, 2016, p. 75).
Concluir-se que as Conferências de Haia consistem no conjunto de normas jurídicas voltadas à disciplina dos meios e dos métodos de combate. Já nas Convenções de Genebra consistem no conjunto de normas voltadas à proteção dos que nunca participam do conflito (como a população civil, médicos e assistência social) e dos que não participam mais das hostilidades (feridos e prisioneiros de guerra), portanto, focados em não combatentes, feridos, prisioneiros de guerra e a própria população civil.
Assim a visão do mundo foi modificada, agora mais importante do que resolver a controvérsia dos Estados através da guerra, é garantir o direito das pessoas.
2.3 O DIREITO INTERNACIONAL
Cumpre-se definir que Direito Internacional Público é um ramo do direito responsável por regular as relações entre as nações e os Estados, chamado até o final do século XVIII como Direito das Gentes.
Direito das gentes vem do direito romano jus gentium, que designa o direito aplicável entre os cidadãos romanos e os estrangeiros ou entre estrangeiros, um direito com menos formalismo, mais guiado pela equidade. A expressão direito internacional surgiu em 1780, em uma obra de Bentham, por oposição ao direito nacional ou municipal. Alguns teóricos, como Georges Scelle, na primeira metade do século passado, defendiam que esse ramo do direito não deveria ser um direito entre Estados, mas um direito entre indivíduos de todo o mundo. O Estado seria apenas uma ficção jurídica que tenderia a desaparecer com o tempo. Neste caso, a expressão direito das gentes seria mais adequada (VARELLA, 2019, p. 2).
Pode-se afirmar que efetivamente o surgimento do Direito Internacional Público se deu em 1948 com a Paz de Vestfália, onde foram assinados dois tratados de paz, os tratados de Munster e de Osnabruck, os quais colocaram fim à guerra dos trinta anos (1618-1648), porém antes disso, a partir do momento em que ocorreram interações entre comunidade de diferentes nações, pode-se observar a presença do Direito Internacional (GUERRA, 2021).
A origem do direito internacional, ou direito das gentes, é objeto de controvérsia entre os estudiosos. Alguns especialistas situam seu início na Antiguidade, em regiões da atual Grécia, da antiga Pérsia e da Ásia Menor. No entanto, a posição que prevalece é a de que o direito internacional público (DIP) clássico emergiu na Europa após a Paz de Vestfália (1648), a série de tratados que encerrou a Guerra dos 30 Anos (MALANCZUK, 1997).
Veja-se que a sua primeira aparição se deu em 3.100 antes de Cristo, nos sistemas das cidades-estados da Mesopotâmia, quando duas cidades (Lagashi e Umma) resolveram firmar tratados com o objetivo de firmar fronteiras (ACCIOLY; NASCIMENTO E SILVA; CASELLA, 2012).
Sendo considerado o marco inicial da formação da sociedade internacional do mundo moderno, a Paz de Vestfália, mais do que pôr fim ao panorama da guerra, se destaca por revelar uma nova consciência internacional, em que os Estados aceitaram a coexistência de várias sociedades políticas e aceitaram a possibilidade de que estas sociedades tivessem o direito de ser entidades independentes, o direito de assegurar sua existência e, ademais, de ser tratadas em igualdade de condições (GUERRA, 2021).
Além da Paz de Vestfália (1649), costuma-se apontar como marcos de evolução do DIP, o Congresso de Viena (1815), o Tratado de Versalhes (1919), a Carta das Nações Unidas (1945), bem como as duas grandes guerras mundiais e a Guerra Fria (ARAS, 2022).
Mostra-se como um dos objetivos centrais do Direito Internacional a busca do equilíbrio de poder entre os diversos Estados, sendo a relações internacionais regidas por uma igualdade soberana, onde nem um Estado é maior do que o outro.
O DIP tem características similares às dos demais ramos do direito, sendo um conjunto normativo, com obrigatoriedade e poderes de sanção. Tem como objetivo regular as relações entre os Estados e as organizações internacionais para satisfazer os interesses comuns, garantido o desenvolvimento, segurança, promoção da paz, cooperação internacional e à proteção dos direitos humanos (VARELLA, 2019).
Com o processo de internacionalização econômica, política e cultural, o direito internacional foi obrigado a passar por mudanças importantes, aumentando o seu poder de sanção, em caso de violações das normas por ele impostas, sendo exemplo disso a atribuição de sanções por conta de ingerência militar em diversos Estados como, a prisão dos governantes de Ruanda, Iraque e Congo. No conflito da Iugoslávia, por exemplo, houve a dissolução do Estado, com a separação das regiões em conflitos.
No DIP, não existe um Estado superior a outro, de maneira que todos os sujeitos do Direito Internacional Público se encontram no mesmo nível. Ademais, não existe uma norma fundamental internacional equivalente a uma Constituição Federal por exemplo, redigida e materializada, sendo o DIP guiado por diversos tratados, convenções, costumes internacionais reconhecidos pela comunidade internacional, princípios gerais do direito, aliado com jurisprudências internacionais e por doutrinas de juristas e estudiosos do ramo, com objetivos distintos.
Porém, o Direito Internacional Público através da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados de 1969, traz um conceito de que determinados crimes internacionais estão vinculados a uma obrigação legal de não os praticar, o Jus Cogens, em outras palavras, os Estados abdicam parcialmente de sua soberania, obrigando-se a reconhecer uma norma da qual nenhuma derrogação é permitida e que só pode ser modificada por uma norma de direito internacional de mesma natureza (ACCIOLY; NASCIMENTO E SILVA; CASELLA, 2012).
Sua existência e conteúdo são de difícil caracterização, por não se conseguir identificar quais elementos e conteúdos podem levar a caracterização de tal norma como uma norma cogente, ou seja, uma norma que se torna obrigatória, de maneira coercitiva, mesmo que venha a ser contra a vontade do indivíduo a que se aplica.
Pois bem, o que torna uma norma jus cogens é o fato de que certas normas são consideradas fundamentais por todos e, principalmente pela comunidade internacional e que não podem ser violadas. Previstas nos artigos 53 e 64 da Convenção de Viena de 1969 sobre os Direitos dos Tratados, são normas de valores que tem como objetivo garantir a sobrevivência da humanidade, principalmente, por conta das atrocidades geradas no contexto da segunda grande guerra. Valores estes, ligados aos direitos humanos e a paz (ARAS, 2022).
Os meios para determinação de um jus cogens seria a opinio iuris internacional, quando se tem a reiteração de opiniões consultivas às cortes internacionais. Mesmo que a resposta não tenha caráter vinculativo, a repetição desta opinião em temas de Direito Internacional Humanitário ou sobre a paz são capazes de compor o jus cogens. Ademais, há um reconhecimento internacional de determinadas ações como crimes internacionais e a consolidação desse reconhecimento se dá por meio da adoção de tratados e da ratificação destes por parte dos Estados. Esses tratados costumam ter preâmbulos e outras disposições gerais que afirmam a gravidade dos crimes e o compromisso dos Estados signatários em punir os perpetradores desses atos. Além disso, a existência de uma grande quantidade de ratificações e processos contra os responsáveis pelo cometimento destes crimes, reforça a ideia de que são considerados crimes internacionais e, portanto, devem ser punidos de acordo com o Direito Internacional (BASSIOUNI, 2006). Alguns exemplos de crimes internacionais tidos como jus cogens, caracterizados pela literatura jurídica são: agressão, genocídio, crimes contra a humanidade, crimes de guerra, pirataria, escravidão ou práticas escravistas e a tortura.
A noção de norma jus cogens é bastante relevante porque veio a mostrar que, mesmo a vontade dos Estados tem de encontrar limites, e a violação destas normas, através de tratados ou outros documentos, são tidas como nulas.
Destaca-se que os crimes cometidos pelos nazistas e postos a julgamento pelo Tribunal de Nuremberg, foram tidos como violações do jus cogens, por serem considerados crimes contra a humanidade e, portanto, violações a normas imperativas de Direito Internacional. Essas violações incluíam crimes contra a humanidade, tipificados pelo Direito Humanitário Internacional, como crimes que afetam gravemente a dignidade humana. A condenação desses crimes pelo Tribunal de Nuremberg ajudou a estabelecer uma base para a responsabilização criminal individual internacional, reforçando a importância da proteção dos direitos humanos e das normas humanitárias, o que se passa a expor.
3. OS TRIBUNAIS INTERNACIONAIS “AD HOC”: O TRIBUNAL DE NUREMBERG E O TRIBUNAL DE TÓQUIO
Os Tribunais “ad hoc” tratam-se de tribunais provisórios criados para julgar crimes internacionais específicos cometidos durante um determinado período ou conflito. Suas criações são estabelecidas por resoluções do Conselho de Segurança das Nações Unidas ou acordos entre os países envolvidos. Por tratar-se de tribunais temporários, possuem poderes limitados e são dissolvidos quando o caso é encerrado.
Tais tribunais possuem como finalidade dissolver as divergências entre Estados e outras entidades internacionais. Porém, somente com os julgamentos de Nuremberg, após a Segunda Guerra Mundial, que os tribunais “ad hoc” foram criados para resolver casos criminais movidos contra indivíduos pelos crimes internacionais mais graves, como genocídio, crimes de guerra e crimes contra a humanidade (CICV, 2010).
3.1 TRIBUNAL DE NUREMBERG
O Tribunal de Nuremberg representou uma das primeiras tentativas das nações de se unirem em prol dos julgamentos dos crimes cometidos no período da Segunda Guerra Mundial. Durou de 1945 a 1946 (VEZNEYAN, 2009).
A justificativa que se apresenta é que fora utilizado como um Tribunal sob o caráter de exceção, em um contexto pós-guerra Mundial, onde ficou evidenciado o sofrimento do povo judeu, por, simplesmente, os alemães acreditarem ser uma raça superior. Desta forma, o julgamento destes crimes representou uma forma de justiça às vítimas. Nas palavras de Ferro (2019), “qualificado muitas vezes de revolucionário, este foi o primeiro tribunal criminal realmente internacional, estabelecendo os princípios de um novo Direito Internacional penal”.
Com o fim da Segunda Guerra Mundial, percebeu-se como nunca, a urgência de processar e julgar indivíduos perpetradores de violações dos direitos humanos como direitos inerentes à existência humana. Pensou-se em uma ideia de não poder deixar violações aos Direitos Humanos como impuníveis.
O tribunal de Nuremberg é frequentemente descrito como um ‘tribunal de crimes de guerra’, embora seu foco central não fosse realmente as leis de conflito armado, no sentido estrito, mas o plano agressivo dos líderes nazistas. ‘tribunal de crimes de guerra’, eles geralmente significam esse conceito mais amplo, que inclui genocídio, crimes contra a humanidade e, talvez, agressão (OC MRIA, 2012, p. 23).
Neste sentido, deu-se a criação do Tribunal de Nuremberg (1945-1946), intitulado assim, pois o local do julgamento foi sediado no Palácio da Justiça na cidade de Nuremberg, Alemanha (CAMARGO, 2013), local este onde ocorrem diversas manifestações de Adolf Hitler (BACHVAROVA, 2013) e mostrava-se um edifício com a estrutura adequada para acomodar o Tribunal.
Por óbvio, a busca por um local para sediar os julgamentos não foi fácil, devido às condições caóticas que a Alemanha se encontrava na época. Estando Berlim destruída e em meio a escombros e destroços, não restava um local adequado da antiga capital alemã. Por indicação de um promotor americano, escolheu-se o Palácio da Justiça de Nuremberg (RAMOS, 2017).
Sua criação se deu por impulso dos países vencedores da Segunda Guerra Mundial – Reino Unido, Estados Unidos, França e União Soviética – com o intuito de julgar os nazistas, dando um significado moral e jurídico à vitória militar (CAMARGO, 2013).
Criado em agosto de 1945, na Inglaterra, através do Acordo de Londres, passou a exercer suas funções em outubro do mesmo ano, sendo comumente referido como “tribunal de crimes de guerra”. No entanto, seu foco não se limita apenas ao julgamento de crimes de guerra específicos. Na verdade, abrange um conceito mais amplo, que inclui também os crimes contra a paz, crimes contra a humanidade e crimes de guerra, conforme definidos no artigo 6.º do Acordo de Londres (MAZZUOLI, 2004).
a) crimes contra a paz – planejar, preparar, incitar ou contribuir para a guerra, ou participar de um plano comum ou conspiração para a guerra.
b) crimes de guerra – violação ao direito costumeiro de guerra, tais como assassinato, tratamento cruel, deportação de população civil que esteja ou não em territórios ocupados, para trabalho escravo ou para qualquer outro propósito, assassinato cruel de prisioneiro de guerra ou de pessoas em alto-mar, assassinato de reféns, saques a propriedades públicas ou privadas, destruição de cidades ou vilas, ou devastação injustificada por ordem militar.
c) crimes contra a humanidade – assassinato, extermínio, escravidão, deportação ou outro ato desumano contra a população civil antes ou durante a guerra, ou perseguições baseadas em critérios raciais, políticos e religiosos, independentemente se em violação ou não do direito doméstico do país em que foi perpetrado (MAZZUOLI, 2004, p. 2).
O Tribunal de Nuremberg julgou vinte e dois dirigentes nazistas, denunciados pela prática de conspiração contra a paz, crimes de guerra e crimes conta a humanidade.
Era composto por quatro juízes titulares e quatro suplentes, os quais representavam, em número igual, as potências signatárias, quais sejam, Estado Unidos, Reino Unido, França e União Soviética (FERRO, 2019).
Os julgamentos ocorreram entre 1945 a outubro de 1946, dentre os julgados, diversos foram médicos, responsáveis por realizar experimentos em judeus e causarem um número considerado de mortes.
O Processo abrangeu um total de 403 sessões públicas, tendo sido conduzido em diversas línguas, dentre elas estão, inglês, francês, russo e alemão. Após dar-se o início aos julgamentos, produziu-se diversas provas testemunhais e documentais e os réus declaram-se inocentes.
A acusação utilizou-se de três meses. Foram ouvidas 33 testemunhas e apresentadas 38.000 provas contra os chefes políticos, 136.612 provas contra a SS, 10.000 contra as AS, 7.000 contra o SD, 3.000 contra o Estado-Maior e o Alto Comando da Wegrmacht e 2.000 contra a Gestapo. O resultado foi o impressionante número de crimes de guerra e contra a humanidade imputados aos acusados. Os mais cruéis se referiram ao extermínio de milhões de judeus e à invasão da Polonia, Dinamarca, Noruega, Bélgica, Holanda, Luxemburgo, Iugoslávia e Grécia. Também se registraram alguns exemplos de refinada brutalidade, entre os quais o caso do filme realizado por um homem da SS durante a destruição de um distrito judeu na Polônia, mostrando como as mulheres eram conduzidas desnudas pelas ruas, arrastadas pelos cabelos e agredidas até a morte. Nos campos de concentração como de Aushwitz, munidos de câmaras de gás, morreram aproximadamente sete milhões de pessoas (FERRO, 2019, p. 30).
Durante os últimos dias de julho de 1946, foram apresentados os argumentos finais por parte da acusação e, também foram ouvidas 22 testemunhas de defesa por um Comissão indicada pelo Tribunal.
No último dia de agosto de 1946, cada réu fez suas declarações finais. Nos dias 30 de setembro e 1 de outubro proferiu-se os vereditos.
a) Martin Bormann, culpado das acusações três e quatro: morte pela forca;
b) Karl Doenitz (ou Karl Donitz), culpado das acusações dois e três: dez anos de prisão;
c) Hans Frank (Hans Michael Frank), culpado das acusações três e quatro: morte pela forca;
d) Wilhelm Frick, culpado das acusações dois, três e quatro: morte pela forca;
e) Hans Fritzsche (Hans George Fritzsche), inocente;
f) Walther Funk (Walter Emanuel Funk), culpado das acusações dois, três e quatro: prisão perpétua;
g) Herman Goering (Hermann Wilhelm Goering ou Goring), culpado das acusações um, dois, três e quatro: morte pela força;
h) Rudolf Hess (Rudolf Walter Richard Hess ou Heb), culpado das acusações um e dois: prisão perpétua;
i) Alfred Jodl (Alfred Josef Ferdinand Jodl), culpado das acusações um, dois, três e quatro: morte pela forca;
j) Ernts Kaltenbrunner, culpado das acusações três e quatro: morte pela forca;
k) Wilhelm Keitel (Wilhelm Bodewin Johann Gustav Keitel), culpado das acusações um, dois, três e quatro: morte pela forca;
l) Konstantin Von Neurath (Konstanti Hermann Karl Freiherr Von Neurath, barão von Neurath), culpado das acusações um, dois, três e quatro: quinze anos de prisão;
m) Franz Von Papen (Franz Joseph Hermann Michael Maria Von Papen zu Koninger), inocente;
n) Erich Raeder (Erich Johan Albert Raeder), culpado das acusações um, dois e três: prisão perpétua;
o) Joachim Von Ribbentrop (Ulrich Friedrih Wilhelm Joachim Von Ribbentrop), culpado das acusações um, dois, três e quatro: morte pela forca;
p) Alfred Rosenberg (Alfred Ernst Rosenberg), culpado das acusações um, dois, três e quatro: morte pela forca;
q) Fritz Sauckel (Ernst Friedrich Christoph Sauckel), culpado das acusações três e quatro: morte pela força;
r) Hjalmar Schacht (Hjalmar Horace Greeley Schacht), inocente;
s) Baldur Von Schirach (Baldur Benedikt Von Schirach), culpado da acusação quatro: vinte anos de prisão;
t) Arthur Seyss-Inquart (ou Arthur Seyb-Inquart, nascido Arthur Zajtich), culpado das acusações dois, três e quatro: morte pela forca;
u) Albert Speer (Berthold Konrad Hermann Albert Speer), culpado das acusações três e quatro: vinte anos de prisão;
v) Julius Streicher, culpado da acusação quatro: morte pela forca.
Destarte, dos 76 pontos imputados na denúncia aos 22 acusados, 52 foram mantidos pela Corte. Todos os condenados à forca foram considerados culpados de crimes contra a humanidade, muitas vezes entre outros crimes. Funk, Neurath, Schirach e Speer, embora considerados culpados de crimes contra a humanidade, foram sentenciados à prisão em virtude de circunstâncias atenuantes. Réus considerados culpados de crimes contra a paz ou conspiração para a prática de tais delitos receberam sentenças de prisão perpétua, como no caso de Hess, Raeder e Funk. O mesmo não se deu com Neurath e Doenitz, por causa de circunstâncias atenuantes (FERO, 2019, p. 31-32).
As sentenças foram proferidas quase 2 anos após o fim da Segunda Guerra Mundial. Os julgamentos foram de suma importância, visto que, a partir deles, foi publicado o “Código de Nuremberg”, o qual propunha disposições internacionais a respeito da realização de experimentos científicos em seres humanos, a fim de evitar novas tragédias e ofensas aos Direitos Humanos básicos.
Divergências à parte, é inegável que o Tribunal de Nuremberg representou a culminação dos esforços por uma Corte de Justiça Internacional Penal, ainda que de caráter temporário, rompendo com a doutrina “da indiferença” do século XIX, que firmava uma inaceitável igualdade jurídica entre os beligerantes, ao afastar obstáculos ao direito da guerra. Nuremberg então reacendeu a chama do pensamento dos fundados do Direito Internacional, criando uma ação repressiva com fundamento na noção de guerra injusta (FERRO, 2019, p. 33).
Parelho ao Tribunal de Nuremberg, o Tribunal de Tóquio, foi instaurado também como um Tribunal Ad Hoc, surgindo no contesto pós Segunda Guerra Mundial, instituído com o objetivo de julgar crimes de guerra e contra a humanidade.
3.2 TRIBUNAL DE TÓQUIO
Apesar de ser conhecido como Tribunal de Tóquio, seu nome oficial é “Tribunal Militar Internacional para o Extremo Oriente”, criado em 19 de janeiro de 1946, com sede em Tóquio, com o objetivo de dar julgamentos rápidos e justos aos principais criminosos de guerra do Extremo Oriente (PAULA, 2011).
Sua criação se deu pelo General MacArthur, através da emissão de uma proclamação especial a qual ordenou a criação do Tribunal de Tóquio, com o objetivo de julgar os antigos líderes do Império do Japão (MAZZUOLI, 2004).
Composto por 11 juízes, onde cada qual representava um dos países com os quais o Japão tinha guerreado, sendo eles: Estados Unidos; China; União Soviética; Holanda; Canadá; índia (a qual ainda era colonizada pelos britânicos); Nova Zelândia; França e Filipinas.
Este tribunal basicamente tipificou os crimes em três classes: Os crimes de “Classe A”, reservado para aqueles que participavam de uma conspiração conjunta para provocar e fazer a guerra, crimes contra a paz; por sua vez os crimes de “Classe B”, para aqueles que cometeram atrocidades e crimes de guerra; por fim, os crimes de “Classe C”, para aqueles que planejavam, ordenavam, autorizavam ou não preveniam as agressões.
A carta Tóquio estabelece as três categorias de crimes contra a paz, crimes de guerra e crimes contra a humanidade, com uma diferença no que se refere à guerra de agressão: enquanto Nuremberg trata apenas de guerra “declarada”, o Estatuto do Tribunal do Extremo Oriente prevê como crime “o planejamento, a preparação, o início e a implementação de uma guerra declarada ou não”. Com isso, poder-se-ia levar a juízo os criminosos de guerra japoneses pelo ataque a Pearl Harbor, o qual tinha ocorrido sem a declaração de guerra formal do Japão aos Estados Unidos da América (GONÇALVER, 2004, p. 204).
O Tribunal veio a encerrar suas atividades em 12 de novembro de 1948, onde acusou dos crimes de Classe A, 28 líderes políticos e militares japoneses; dos crimes de Classe B e C foram acusados, aproximadamente, seis mil cidadãos japoneses, principalmente por cometerem abusos contra os prisioneiros (BACHVAROVA, 2013).
No dia 4 de novembro de 1948 proferiu-se a sentença majoritária, onde, afirma Mello:
O Procurador Geral foi Joseph Keenan, Chefe da Divisão Criminal do Departamento de Justiça dos EUA e uma equipe de 45 promotores. A defesa esteve a cargo de mais de 100 advogados, os processos duraram dois anos e todas as sentenças foram confirmadas pelo Supremo Comandante Aliado, General MacArthur, que tinha o poder de comutá-las se quisesse. O mais importante réu foi o lendário General Hideki Tojo, o maior chefe militar do Exército, Primeiro-Ministro e ideólogo da política expansionista do Império, primeiro a ser enforcado.
O Tribunal instalou-se em Tóquio em 29 de abril de 1946. Foram julgados 28 personalidades militares e políticas de alto escalão do Império e numa segunda categoria 5.700 acusados por crimes de guerra e desobediência à Convenção de Genebra sobre tratamento de prisioneiros.
As sentenças para o primeiro grupo foram de 7 condenações à morte por enforcamento, 16 prisões perpétuas e uma prisão de 20 anos. Dois acusados foram absolvidos, Nobosuke Kishi foi posteriormente Primeiro-Ministro e Yoshisuke Aikawa foi presidente da Nissan.
Do segundo grupo, foram 984 sentenciados à morte e os demais a várias sentenças de prisão (MELLO, 2014).
O julgamento dos criminosos de guerra prosseguiu em vários países, e os acusados ainda estão sujeitos a julgamentos e punições, haja visto que as Nações Unidas decidiram pela não prescrição da responsabilidade, mesmo que a lei interna do Estado fixe um limite. Desta forma, não há um prazo para que os acusados possam ser julgados e punidos pela prática de crimes de guerra, crimes contra a paz e crimes contra a humanidade, mesmo décadas após a sua ocorrência ((ACCIOLY; NASCIMENTO E SILVA; CASELLA, 2012).
4. CONCLUSÃO
A responsabilização internacional do indivíduo no contexto da Segunda Guerra Mundial, teve uma grande repercussão jurídica e política para o fim dos tempos de guerra, mostrando-se um marco importante na história do Direito Internacional e da Justiça Internacional. A criação do Tribunal Militar Internacional de Nuremberg e dos tribunais similares em Tóquio, por exemplo, para julgar os crimes de guerra e crimes contra a humanidade cometidos pelos líderes políticos e militares do Eixo, foram marcos na história da justiça internacional.
Esses tribunais estabeleceram a ideia de que indivíduos poderiam ser responsabilizados por crimes internacionais, independentemente do fato de terem agido em nome de um Estado soberano. Assim abriu-se caminho para o desenvolvimento do Direito Internacional dos Direitos Humanos e do Direito Humanitário, que reconhecem as responsabilidades individuais por violações dos direitos humanos. Ainda, mostrou que a comunidade internacional tem o dever de prevenir tais atrocidades e punir os culpados, reforçando a ideia de que os crimes graves contra a humanidade e a paz mundial não podem ser cometidos impunemente. Por fim, ajudou a criar um senso de justiça entre as vítimas e seus sobreviventes, bem como um senso de responsabilidade entre as nações para prevenir futuras atrocidades.
Finalmente, pode-se entender que a responsabilização internacional do indivíduo foi uma conquista importante para o Direito Internacional e para a comunidade internacional como um todo. Ela mostrou que o mundo não aceita mais que crimes de guerra, crimes contra a humanidade e genocídio e, principalmente, que referidos crimes fiquem impunes e que a justiça deve ser aplicada de forma justa e equitativa para todos. Assim, ter-se-á a construção de uma ordem internacional baseada na justiça, na paz e no respeito. Embora ainda haja muito a ser feito nessa área, os Julgamentos de Nuremberg e Tóquio, continuam sendo exemplos inspiradores dos poderes da justiça internacional e da responsabilidade individual perante a humanidade como um todo.
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Citas
[1] Pesquisador. Graduando em Direito pelo Centro Universitário Curitiba (UNICURITIBA).
[2] Doutora em Direito Internacional (PUC-SP). Professora do Programa de Pós-Graduação em Governança, Tecnologia e Inovação (Universidade Católica de Brasília). Professora do Programa de Pós-Graduação em Direito da Ambra University. Professora de Direito Internacional Privado da Universidade Federal do Paraná (UFPR). Professora dos cursos de Direito e Relações Internacionais (UNICURITIBA). Membro e parecerista da Academia Brasileira de Direito Internacional. Membro da Comissão de Direito Internacional (OAB/PR). Membro e Pesquisadora da RED de Derecho América Latina y Caribe. Membro da Associação Iberoamericana de Derecho, Cultura Y Ambiente. Delegada da Diplomacia Civil para a Organização Mundial do Comércio (OMC) e para o Conselho Econômico e Social (ONU). Autora de livros. Advogada internacionalista.