Revista Iberoamericana de Derecho, Cultura y Ambiente

Revista Iberoamericana de Derecho, Cultura y Ambiente
RIDCA - Edición Nº4 - Derecho Ambiental

Mario Peña Chacón. Director

20 de diciembre de 2023

As audiências públicas nos processos de licenciamento ambiental e os espaços para a participação democrática.
Las audiencias públicas sobre los trámites de licencia ambiental y los espacios de participación democrática.

Autores. José Augusto Dutra Bueno y Deilton Ribeiro Brasil. Brasil

Por José Augusto Dutra Bueno[1] y Deilton Ribeiro Brasil[2]

RESUMO:

As audiências púbicas são uma importante possibilidade existente no trâmite dos processos administrativos de licenciamento ambiental de empreendimentos de significativo impacto ambiental, como uma decorrência do direito garantido pelo artigo 225, §1º, IV, da Constituição Federal de 1988, além do artigo 3º, caput e artigo 10, V, ambos da Resolução CONAMA nº 237/1997. Contudo, apesar deste potencial espaço democrático que oportunize a participação cidadã e a contribuição para uma melhor decisão relativa aos empreendimentos em processo de licenciamento, existem questionamentos se esta oportunidade para a sociedade vem sendo suficientemente aproveitada e se os pontos, argumentos e informações trazidos nas citadas audiências são considerados na motivação do ato administrativo quando da decisão dos órgãos responsáveis pelo licenciamento ambiental. Assim, necessário é a verificação de possíveis fatores que obstam uma utilização quantitativa e qualitativa mais relevante, bem como sinalizar pontos que podem gerar o aprimoramento desta medida com foco na máxima efetividade da proteção ao direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. Sob este escopo, com estudo teórico e bibliográfico, além de utilizar o senso crítico buscou-se avaliar as lacunas prováveis como o acesso à informação ou circunstâncias práticas que podem reduzir o engajamento em audiência públicas, de modo que com uma análise reflexiva, procurou-se aferir ajustes que possam ser implementados concretamente na otimização desta possibilidade. O estudo se focou no método lógico-dedutivo, que a partir de pesquisa e de levantamento de informações relevantes sobre o tema, permitiram a avaliação de um diagnóstico da situação, bem como proposições de desenvolvimentos neste campo.

PALAVRAS-CHAVE: Meio Ambiente; Direitos Fundamentais; Processo de Licenciamento Ambiental; Democracia.

I. INTRODUÇÃO

O estudo científico trata do tema das audiências públicas junto ao licenciamento ambiental, como singular oportunidade para que os cidadãos e os diversos membros e segmentos da sociedade possam participar e contribuir no desfecho da decisão do processo, para a definição se deve ou não ocorrer o deferimento pedido e da emissão da licença ambiental.

O licenciamento ambiental não pode ser entendido apenas como procedimento, mas como processo administrativo, regido por regramentos constitucionais, como da ampla defesa e contraditório, sendo um espaço indispensável de garantia ao direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, também compreendido como direito coletivo (difuso).

 O aspecto das audiências públicas faz surgir questões importantes como sobre se o licenciamento ambiental deve ser decido apenas por aspectos técnicos, científicos e de base jurídico-legal e de modo apartado pelo corpo funcional do órgão ambiental licenciador.

E é aí que a interface da participação da população e da sociedade surge, pois uma vez existentes previsões no ordenamento jurídico da necessidade dessa contribuição, inclusive como aspecto democrático de poder influir direta ou indiretamente em decisões coletivas que venham a afetá-los, a proposição de fatos, fundamentos técnicos e normativos na audiências públicas pelos envolvidos devem ser adequadamente considerados no momento da decisão administrativa, inclusive para consubstanciar na devida motivação e fundamentação para o ato.

Portanto, poderia ser bastante contraditório pretender resumir o licenciamento ambiental a um mero procedimento tecnocrático que desconsidera as pessoas envolvidas e que não ouve e pondera as diversas questões de um projeto e com relação ao empreendimento, pois isso enriquece e garante uma visão mais ampla e adequada dos impactos envolvidos.

Se um dos propósitos do licenciamento ambiental é exatamente proceder a avaliação dos impactos ambientais, o subsídio completo de informações e caráter agregador de dados da audiência pública vai ao encontro com esse propósito do processo e da própria concretização do direito fundamental ao meio ambiente, pois, como garantir este direito, sem uma visão com precisão da situação a ser abordada? Considerar os estudos do empreendedor, sem ouvir a comunidade a ser afetada seria também um claro desrespeito à ampla defesa e contraditório. Contudo, a recepção de técnicas participativas não necessariamente preconiza a desconstrução do sistema de democracia representativa que o Brasil recepciona em sua Constituição, mas pode ser uma faceta que pode agregue a esse modelo democrático moderno.

Diante disso, foi procedida pesquisa documental e bibliográfica com levantamento de informações, de projeto de lei e além recortes estaduais e federais de solicitações de audiências públicas, sob método lógico dedutivo, para que a partir do reconhecimento da importância da contribuição democrática das audiências públicas, avaliar possíveis fatores que vem impedindo uma maior e mais efetiva utilização deste espaço democrático no processo de licenciamento ambiental, como, por exemplo, por falhas na comunicação, no acesso à informação e a reduzida consciência da possibilidade de contribuição dos envolvidos neste tipo de situação.

 Com esta proposição de diagnóstico, a ponderação é ser possível traçar um prognóstico de ações otimizadoras de fluxos e procedimentos que possam aumentar o engajamento e participação popular, enriquecer a análise de processos de licenciamento ambiental de significativo impacto ambiental e proteger de modo mais profundo o meio ambiente, como direito e dever de todos, nos termos do art. 225 da Constituição Federal de 1988.

 

II. AS AUDIÊNCIAS PÚBLICAS E A SUA IMPORTÂNCIA PARA A PROTEÇÃO AMBIENTAL NOS PROCESSOS DE LICENCIAMENTO

A questão que envolve as audiências públicas não é um tema simples, pois muitas vezes, pode-se supor ou imaginar que o processo de licenciamento ambiental na análise sobre um projeto ou empreendimento deveria ser analisado e decidido apenas por aspectos técnicos.

Apesar de se reconhecer que uma análise objetiva pautada em aspectos científicos, técnicos e jurídicos normativos seja indubitavelmente importante e base de referência para a decisão de um licenciamento ambiental, tampouco é ínfimo o papel que os indivíduos e membros da sociedade civil. Estes podem contribuir bastante uma vez que podem ser afetados por impactos negativos, além de colaborar na consideração de todos os aspectos envolvidos.

“Nesse sentido, a audiência pública é um manancial de possibilidades para enriquecer esse processo por que a comunidade local é a que melhor conhece a área de influência em que o empreendedor deseja implantar sua atividade” (Lima, 2015, p. 95-96). Vale pontuar que “a Audiência Pública é a última grande etapa do procedimento do Estudo Prévio de Impacto Ambiental. Inserida nesse procedimento com igual valor ao das fases anteriores, é ela, também, base para a análise e parecer final” (Machado, 2016, p. 307).

Assim sendo, “ao analisar o papel das Audiências Públicas percebe-se que este instrumento, de legítima participação popular, colabora para a modificação da equivocada noção de que o processo de licenciamento ambiental possui natureza eminentemente técnica” (Lima, 2015, p. 95).

Neste ponto, é importante frisar que o licenciamento ambiental deve ser compreendido como um processo administrativo, com toda a consequência que disso resulta no âmbito de garantias processuais, como ampla defesa e contraditório, uma vez que a Constituição Federal da República Federativa do Brasil, prevê no inciso LIV, do artigo 5º, que “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal” (Brasil, 1998)

O devido processo legal (estrutura normativa metodológica) pode ser melhor compreendido em conjunto com o devido processo constitucional (disciplina constitucional principiológica), que representam os pilares do  Estado Democrático de Direito, inadmitindo o fato de o processo ser instrumento para a realização da justiça entre os homens, já que os provimentos estatais só serão considerados legítimos quando construídos em participação isonômica, em contraditório e em ampla defesa, pelos seus próprios destinatários. (Freitas, 2014, p. 83)

Assim por concretizar o direito fundamental ao meio ambiente equilibrado o processo de licenciamento deve funcionar como garantia apta para torná-lo efetivo (Brasil, 2020). Dessa forma, o ordenamento jurídico pátrio, em seu arranjo e organização normativa não pode recepcionar processo administrativo que desconsidere estes preceitos constitucionais.

Portanto, o licenciamento ambiental deve ser considerado como processo, e não apenas procedimento, em que pese o texto do artigo 2º, I, da Lei Complementar nº 140/2011 conceituar licenciamento ambiental como “o procedimento administrativo destinado a licenciar atividades ou empreendimento utilizadores de recursos ambientais, efetiva ou potencialmente poluidores ou capazes, sob qualquer forma, de causar degradação ambiental” (Brasil, 2011)

O reconhecimento do licenciamento como processo administrativo e não como mero procedimento implica a admissão do direito de apresentar recursos, formular defesas específicas, apresentar pareceres técnicos e análises que se façam necessárias para a defesa dos direitos e interesses em jogo. Por outro lado, implica a adoção de prazos mais estáveis e peremptórios tanto para os interessados como para a própria administração. Há uma evidente impropriedade técnica nas definições normativas que têm insistido em classificar o licenciamento ambiental como mero procedimento, impropriedade que, aliás, é desmentida por normas que asseguram um determinado grau de contraditório às partes interessadas (Antunes, 2020, p. 187).

O licenciamento “desta forma, trata-se de uma espécie de processo, cujo provimento atinge um número indeterminado de indivíduos (interessados difusos), já que incide de forma direta na proteção do direito difuso ao meio ambiente” (Costa & Martins, 2023, p. 88)

A partir do reconhecimento do licenciamento ambiental como um processo coletivo extrajudicial que tutela direitos difusos, é válida a existência neste de espaços democráticos de participação, já que “interessa apontar experiências de países em que as decisões administrativas ambientais passaram das mãos de um só funcionário, para conselhos, em que a chamada ‘sociedade civil’ ou as ‘organizações não governamentais’ tivessem voz e voto” (Machado & Aragão, 2022, p. 168).

Certamente, este avanço na forma de apreciar uma questão ambiental e decidir a partir de um conjunto de pessoas, e não apenas com uma visão de um único funcionário ou órgão público, mas de forma mais sistêmica e global é positiva para decisões mais assertivas.

 Contudo, vale ressaltar que com isso não se pretende defender uma democracia total que não é desejável, assim como uma democracia direta se mostra como inviável de aplicar na prática, dada a complexidade da sociedade contemporânea (Bobbio, 2022).

Isso porque, não seria desejável desvirtuar a finalidade e eficácia do processo de licenciamento ambiental, com medidas lentas, burocráticas ou excessivas, pois “a democracia direta nunca existiu como exercício, por ser impraticável, com exceção, talvez, de organizações extremamente primitivas de convivência social” (Bim, 2015, p. 41).

Diante disso, é importante a manutenção das instituições e dos órgãos públicos, em especial aqueles que atuam nas análises dos processos de licenciamento ambiental, bem como o papel dos órgãos representativos, como o Conselho Nacional de Meio Ambiente (CONAMA) ou o Conselho Estadual de Política Ambiental (COPAM) além de outros conselhos regionais. O ponto deve ser o aprimoramento dos métodos participativos, para contribuição da sociedade civil e dos cidadãos, e não buscar remodelar o arranjo democrático recepcionado pelo Brasil na Constituição Federal de 1988.  “Portanto, a melhor leitura da democracia participativa confere-lhe caráter auxiliar da democracia representativa” (Bim, 2016, p. 320)

Desta forma, sob esse ideário democrático de aplicabilidade das audiências públicas reconhece-se que este seja de complementariedade e colaboração com a sistemática e o modelo da democracia representativa. “Deste modo, os instrumentos da democracia participativa foram criados para aperfeiçoar a legitimidade das decisões estatais” (Bim, 2016, p. 322).  

Porém, mesmo com essa premissa participativa da audiência pública que confere maior legitimidade para a decisão no processo de licenciamento ambiental, deve-se reconhecer que “o efetivo direito de participação no processo se materializa pelo direito de alegação das partes e pelo dever o julgador apreciar e se manifestar, de forma jurídico-constitucionalmente fundamentada, acerca da questão de mérito levantada e proposta pelas partes” (Costa, 2012, p. 67)

Desta forma, é essencial a consideração de que os pontos expostos pelos cidadãos e por representantes da sociedade civil sejam de fato respeitados na prática das audiências públicas e não seja apenas algo formal ou meramente protocolar, que em nada agregue de fato, mas que seja substancial, e apto a influir na apreciação do objeto do licenciamento ambiental.

 Assim, não é o caso de banalizar a utilização da audiência pública, para sua aplicação demasiada extensiva para todos os empreendimentos objetos de licenciamento ambiental, pois podem existem aqueles de baixo impacto, média relevância ou de maior significância, quando então estes últimos são denominados como empreendimento que podem causar significativo impacto ambiental, consoante o artigo 225, §1º, IV, da Constituição Federal de 1988:

Artigo 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.

1º Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público:

(…) IV – exigir, na forma da lei, para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente, estudo prévio de impacto ambiental, a que se dará publicidade; (Brasil, 1988)

A Resolução CONAMA nº 237/1977, reforça essa importância das audiências públicas nos casos de processos de empreendimentos de significativo impacto ambiental:

Artigo 3º A licença ambiental para empreendimentos e atividades consideradas efetiva

ou potencialmente causadoras de significativa degradação do meio dependerá de prévio estudo de impacto ambiental e respectivo relatório de impacto sobre o meio ambiente (EIA/RIMA), ao qual dar-se-á publicidade, garantida a realização de audiências públicas, quando couber, de acordo com a regulamentação (Brasil, 1997)

Assim sendo, vale pontuar que desnecessário seria adotar uma ilusória ideologia de que tudo deve ser deliberado por todos de forma direta ou totalizante, desconsiderando a complexidade da vida e das necessidades dos seres humanos de se dedicarem a outros múltiplos aspectos da vida humana, que estão além do Estado (Bobbio, 2022). Nesse sentido, “a democracia participativa integra a semidireta e acopla-se à democracia representativa, mas não representa a queda da democracia representativa” (BIM, 2015, p. 41).   

Ademais, a questão decisória no processo de licenciamento ambiental não pode ser apenas pautada pela consideração da voz da maioria de pessoas em uma audiência pública, pois também existem questões de mérito e do respeito a direitos que devem ser consideradas.

Desse modo, posicionamento mais radical sobre participação pode desconsiderar a característica contra majoritária de certos direitos fundamentais. (Bim, 2015) Portanto, a possibilidade de contribuição dos cidadãos e da população envolvida, não poderá necessariamente resultar no acolhimento direto de qualquer pleito ou consideração apresentada.

Entretanto, inegável é que uma vez dada a oportunidade da realização de uma audiência pública em um processo de licenciamento ambiental, as questões trazidas na mesma por seus participantes, precisam ser levadas a sério, devendo ser enfrentadas e consideradas no parecer final e na decisão do processo, ainda que seja para serem afastadas, se motivo coerente existir sob outros argumentos e fundamentos sólidos e válidos para superá-los. Isso sob pena de tornar inócuo este espaço de participação popular, e até mesmo nula, a licença ambiental.

Vale lembrar a necessidade de uma compreensão democrática consequente na qual todo aquele que esteja submetido a uma decisão coletiva, tenha o direito de participar de forma direta ou indireta nesta tomada de decisão (Bovero, 2002).

O filtro deve ser o conteúdo do que está sendo externalizado e então ponderar se o que está sendo trazido pode ou não alterar o transcurso dos fatos e encaminhamentos do processo. Assim sendo, “a audiência pública não possui caráter decisório. É atividade de natureza consultiva. Ela é, entretanto, um ato oficial e que, nessa condição, deve ter os seus resultados levados em consideração pelo órgão licenciante” (Antunes, 2020, p. 536).

 

III. LIMITAÇÕES E PONTOS DE APERFEIÇOAMENTO DAS AUDIÊNCIAS PÚBLICAS

Em consulta ao banco de dados de informações públicas da Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável, órgão público do Estado de Minas Gerais (Disponível em:  http://sistemas.meioambiente.mg.gov.br/licenciamento/site/consulta-audiencia),  acessível a qualquer cidadão, com base na Lei de Acesso à Informação Ambiental (Lei Federal nº 10.650/2003) e na Lei Federal nº 12.527/2011 (Regula o Acesso à Informações) é possível ter um panorama prático da situação das audiências públicas nos processos de licenciamento ambiental.

Nesse sentido, na pesquisa realizada, observou-se que de um total de 1.455 resultados de publicações quanto à possibilidade de realização de audiências públicas, 65 (4,47 %) ainda aguardavam o prazo para eventual solicitação pelos legitimados. Contudo, apenas em 136 das situações (9,34%) as audiências aconteceram ou serão realizadas em breve junto aos processos de licenciamento ambiental (as 136 descritas consistem em 59 audiências solicitadas (4,05%), 03 agendadas (0,20 %) e 74 realizadas (5,08%). Assim, a maioria das situações, ou seja, as restantes 1.239 publicações (85,15%) não tiveram a audiência pública solicitada pelos interessados, fato que autorizaria o órgão ambiental licenciador a seguir com o processo de licenciamento ambiental sem a realização da audiência pública. Por fim, há o registro de 04 situações (0,27%) nas quais as audiências foram canceladas, sendo que os valores descritos para simplificação estão apresentados até a segunda casa decimal (Minas Gerais, 2023).

Este diagnóstico fático demonstra de maneira bastante visível que a possibilidade da realização de audiências públicas não vem sendo aproveitada pelos legitimados para a solicitarem, uma vez que na grande maioria dos licenciamentos esta sequer é solicitada.

Portanto, considerando que “a finalidade legal das audiências públicas é a de assegurar que a comunidade afetada seja ouvida sobre o projeto, manifestando sua opinião, sem caráter deliberativo” (Antunes, 2020, p. 534), é evidente que de forma fática a sociedade vem se mostrando inerte em determinada medida frente a possibilidade de contribuir na construção da decisão quanto ao licenciamento.

“As audiências públicas como parte integrante do processo de licenciamento ambiental, em nível federal, estão regulamentadas pela Resolução Conama nº 9/1987” (Antunes, 2020, p. 534). Por sua vez, no caso de Minas Gerais, a Deliberação Normativa nº 225/2018 do COPAM, apresenta em seu artigo 4º, os legitimados para a solicitarem:

Artigo  4º – São legitimados para solicitar a realização de Audiência Pública:

I – Prefeito do município sede da atividade ou empreendimento ou prefeito de município sujeito aos potenciais impactos ambientais diretos inerentes à instalação e/ou operação da atividade ou empreendimento;

II – Ministério Público;

III – o próprio empreendedor;

IV – entidade civil sem fins lucrativos, constituída há mais de 1 (um) ano, inscrita no Cadastro Estadual de Entidades Ambientalistas – CEEA, e que tenha por finalidade social a defesa de interesse econômico, social, cultural ou ambiental;

V – grupo de 50 (cinquenta) ou mais cidadãos com indicação do respectivo representante no requerimento.

Parágrafo único. Para solicitar Audiência Pública, as partes mencionadas nos incisos I a V do caput, deverão se manifestar por meio de ofício dirigido ao Secretário Executivo do Copam, dentro do prazo estipulado no Edital a que se refere o artigo anterior, valendo para efeitos de verificação de tempestividade da solicitação a data de postagem do ofício nos correios ou sua data de protocolo na unidade administrativa da Semad responsável pela análise do processo de licenciamento (Minas Gerais, 2018)

Observa-se que a citada norma estadual encontra ressonância no artigo 2º da Resolução nº 09/1987 do CONAMA dispõe que “sempre que julgar necessário, ou quando for solicitado por entidade civil, pelo Ministério Público, ou por 50 (cinquenta) ou mais cidadãos, o Órgão de Meio Ambiente promoverá a realização de audiência pública” (Brasil, 1987)

Ante a estas previsões normativas do rol de legitimados daqueles que podem solicitar a audiência pública pela Deliberação Normativa nº 225/2018 do COPAM e pela Resolução nº 09/1987 do CONAMA, é possível de se fazer algumas reflexões.

Primeiramente, é possível observar que um dos âmbitos analisados neste estudo científico, apontam que as normativas permitem em determinada medida o espaço de participação dos cidadãos, já que uma vez mobilizados em número de 50 ou mais terão a legitimidade para solicitar a audiência pública, quantitativo esse que não seria muito difícil de atingir já que empreendimentos de significativo impacto ambiental tem um caráter difuso e normalmente atingem comunidades que ultrapassam estes valores de número de pessoas.

Assim sendo, em nível do Estado de Minas Gerais, bem como pelo normativo federal do Conselho Nacional do Meio Ambiente, quanto à legitimidade se mostram alinhados com os preceitos do artigo 1º, II, da Constituição Federal de 1988, colocando a cidadania em papel relevante na possibilidade da solicitação de audiências públicas no processo de licenciamento ambiental para influir nas decisões coletivas dos órgãos que possam vir a afetá-los.

Ademais, é possível vislumbrar um espaço representativo relevante pela possível contribuição dos poderes públicos como do Prefeito Municipal e do Ministério Público de também solicitarem a realização de audiências públicas. Essa possibilidade é importante considerando as características do Brasil como uma democracia representativa.

Além disso, depreende-se do texto normativo o espaço para a sociedade civil por meio de entidades civis e oportuniza a atuação de associações e de organizações não governamentais (ONGs). Contudo, constata-se que a legislação estadual citada é mais restritiva que a federal, pois limita essa possibilidade apenas à pessoas jurídicas sem fins lucrativos constituídas a mais de 1 ano e com pertinência temática, ou seja, que tenham por finalidade social a defesa de interesse econômico, social, cultural e ambiental, enquanto a normativa federal indica o termo entidade civil, o que se mostra mais democrático e amplifica a possibilidade de participação.

Aspecto controvertido é a menção na legislação de sempre que necessário, descrita no artigo 2º, da Resolução nº 09/1987 do CONAMA, pois apesar de abrir a possibilidade para a realização de audiência pública motivada de ofício pelo próprio órgão ambiental, pode ficar limitada pelo crivo da discricionariedade administrativa, de uma análise de oportunidade e conveniência, na qual nem sempre se optará na prática pela realização da audiência pública.

Pelos próprios percentuais vistos no levantamento apresentado se conclui que muitas vezes a opção do órgão licenciador não vem sendo de ouvir as comunidades, mas de seguir com o processo sem esta oitiva, caso os legitimados não se manifestarem pela realização.

Assim sendo, o que ocorre é órgão ambiental seguir com o rito trazido pela Resolução nº 237/1997 do CONAMA que dispõe sobre as etapas afetas ao licenciamento ambiental:

Artigo 10. O procedimento de licenciamento ambiental obedecerá às seguintes etapas:

I – Definição pelo órgão ambiental competente, com a participação do empreendedor,

dos documentos, projetos e estudos ambientais, necessários ao início do processo de

licenciamento correspondente à licença a ser requerida;

II – Requerimento da licença ambiental pelo empreendedor, acompanhado dos documentos, projetos e estudos ambientais pertinentes, dando-se a devida publicidade;

III – Análise pelo órgão ambiental competente, integrante do SISNAMA, dos documentos, projetos e estudos ambientais apresentados e a realização de vistorias técnicas,

quando necessárias;

IV – Solicitação de esclarecimentos e complementações pelo órgão ambiental competente integrante do SISNAMA, uma única vez, em decorrência da análise dos documentos,

projetos e estudos ambientais apresentados, quando couber, podendo haver a reiteração

da mesma solicitação caso os esclarecimentos e complementações não tenham sido

satisfatórios;

V – Audiência pública, quando couber, de acordo com a regulamentação pertinente;

VI – Solicitação de esclarecimentos e complementações pelo órgão ambiental competente, decorrentes de audiências públicas, quando couber, podendo haver reiteração da solicitação quando os esclarecimentos e complementações não tenham sido satisfatórios;

VII – Emissão de parecer técnico conclusivo e, quando couber, parecer jurídico;

VIII – Deferimento ou indeferimento do pedido de licença, dando-se a devida 

Publicidade (Brasil, 1997)

Assim, não sendo exigível a audiência pública para o licenciamento ambiental, o órgão ambiental procederá na emissão dos pareceres técnicos jurídicos conclusivos, posicionando pelo deferimento ou indeferimento o pedido de licença ambiental. (Trennepohl & Trennepohl, 2019)

A menção aberta de possibilidade de realização da audiência pública sempre que necessário consta tanto do artigo 2º da Resolução nº 09/1987 do CONAMA, quanto do artigo 2º da Deliberação Normativa nº 225/2018 do COPAM, sendo que esta última apresenta que:

Artigo 2º – Sempre que necessário, ou quando for solicitado pelos legitimados previstos no art. 4º desta Deliberação Normativa, o Presidente do Copam ou o Secretário Executivo do Copam determinará a realização de Audiência Pública previamente às deliberações sobre os requerimentos de licença ambiental de atividades ou empreendimentos instruídos com  Estudo  de Impacto Ambiental  (Eia)  e  o  respectivo relatório  de impacto  Ambiental  (rima),  qualquer  que  seja  a  classe  de  enquadramento ou o fator locacional incidente. (Deliberação Normativa nº 225/2018 COPAM)

Nesse sentido, as condições para a audiência pública sob essas bases normativas são a solicitação dos legitimados ou a necessidade do caso concreto. Entretanto, uma vez feita essa observação, surge o questionamento epistemológico que se é importante que as comunidades sejam ouvidas e participem de questões relativas a empreendimentos de significativo impacto ambiental, em muitas vezes isso deveria implicar sim na necessidade de sua realização.

Se o espaço democrático da audiência pública possui tanta relevância em abstrato e já muito reconhecido pelo Direito, por que não poderia esta possibilidade ser mais bem utilizada na prática dos processos? Não seria a aplicação no dia a dia de garantias um fator importante e pendente na concretização real dos direitos assegurados à população?

E aprofundando na ponderação, não seria a aplicação prática uma das facetas que obstam a efetividade do direito fundamental de um meio ambiente ecologicamente equilibrado? Pois se é certo que esse direito é garantido constitucionalmente até mesmo como direito fundamental, e reconhecidos em farta literatura, a dissonância da teoria com a realidade pode necessitar que se enfrentem algumas facetas procedimentais e das situações práticas dos processos de licenciamento que ainda obstam a concretude a implementação destes direitos.

Assim, a previsão facultativa do órgão pode se mostrar contraditório, pois apesar de soar como alternativa o que poderia ensejar no entendimento de uma discricionariedade administrativa, indica também os dizeres vinculantes de sempre que necessário. Isso pode gerar uma contradição, pois um empreendimento de significativo impacto ambiental que entrega um Estudo de Impacto Ambiental (EIA) e Relatório Impacto Ambiental (RIMA), nos termos do artigo 225, §1º, IV, da Constituição Federal de 1988 não é um empreendimento irrelevante.

Este tipo de empreendimento realiza o estudo técnico mais aprofundado de avaliação de impacto ambiental no licenciamento ambiental que é o EIA e com isso também faz um documento simplificado que é o RIMA cuja linguagem deve ser clara para qualquer pessoa.

O RIMA refletirá as conclusões do EIA. Suas informações técnicas devem ser expressas em linguagem acessível ao público, ilustradas por mapas, com escalas adequadas, quadros, gráficos e outras técnicas de comunicação visual de modo que se possam entender claramente as possíveis consequências ambientais do projeto e suas alternativas, comparando-se as vantagens e desvantagens de cada uma delas (Milaré, 2015, p. 778)

Frisa-se que este relatório simplificado é inclusive um dos objetos centrais das audiências públicas, ao sintetizar em linguagem compreensível as questões relativas ao empreendimento para então oportunizar o debate saudável da comunidade sobre o tema.

Assim sendo, não seria muitas vezes necessária esta oitiva da comunidade? A motivação de não realização não precisaria vir com uma fundamentação sólida e robusta no parecer técnico e jurídico quando não realizada a audiência pública, como uma necessária fundamentação do ato administrativo?

A Resolução nº 09/1987 do CONAMA, complementa esse raciocínio ao apresentar que “o parágrafo 2º do artigo 2º ainda cita que havendo solicitação de Audiência Pública, se o órgão ambiental não a realizar, a licença concedida não terá validade” (Lima, 2015, p. 99) “Portanto, no sistema brasileiro, a audiência pública, quando cabível, é requisito formal essencial para a validade da licença” (Milaré, 2015, p. 781)

Nesse sentido, em verificação junto ao Projeto de Lei nº 2.159/2021 como proposição de Lei Geral do Licenciamento Ambiental, que atualmente transcorre junto ao Senado Federal após ter sido aprovado em 2021 pela Câmara dos Deputados, apresenta uma construção inovadora e interessante no seu artigo 36, caput, que coloca como obrigatória a realização de pelo menos uma audiência pública nos casos de empreendimentos de significativo impacto ambiental que entregam o EIA/RIMA. (Brasil, 2021)

Segue uma parte da citada proposição de texto normativo, in verbis:

Artigo 36. Será realizada pelo menos 1 (uma) audiência pública nos processos de licenciamento ambiental de atividades ou de empreendimentos sujeitos a EIA antes da decisão final sobre a emissão da LP.

1º O EIA e o Rima devem estar disponíveis para conhecimento público com pelo menos 45 (quarenta e cinco) dias de antecedência à realização da audiência pública prevista no caput deste artigo.

2º A decisão da autoridade licenciadora sobre a realização de mais de uma audiência pública deve ser motivada pela inviabilidade de realização de um único evento, pela complexidade da atividade ou do empreendimento, pela amplitude da distribuição geográfica da área de influência ou pela ocorrência de caso fortuito ou força maior que tenha impossibilitado a realização da audiência prevista (Brasil, 2021, p. 38-39).

Nesse sentido, ao invés de constar nas normas sobre o tema essa mera facultatividade ou na dependência da mobilização dos legitimados, em circunstâncias de empreendimentos de grande magnitude, que por suas características, de forma evidente necessitam de um zelo maior e participação da comunidade que será afetada, não deveriam ficar dependentes da manifestação dos legitimados e as audiências públicas poderiam ser feitas já como uma medida preventiva, evitando impasses socioambientais e para uma mais adequada avaliação de todos os aspectos envolvidos com relação à atividade de significativo impacto ambiental.

O prazo de análise do processo de licenciamento ambiental de empreendimentos de significativo impacto ambiental normalmente é de pelo menos 12 meses, conforme o artigo 14, da Resolução CONAMA nº 237/1997 (Brasil, 1997) que é a norma geral e atual de regência sobre o tema do licenciamento ambiental. Assim sendo, essa medida democrática da realização da audiência pública não implicará em um atraso do processo, pois já se estará tratando de um processo que normalmente necessita de um prazo um pouco maior, dada a complexidade da atividade, fator que se alinha também com o preceito constitucional da razoável duração do processo prevista no artigo 5º, LXXVIII, da Constituição Federal de 1988.

Se a empresa ou empreendimento elaboraram um bom projeto e estudo que esteja em conformidade com os requisitos técnicos e legais, estes não tem porque evitar a realização da audiência, pois além de auxiliar numa visão mais aprofundada da situação, será também um fator de maior legitimidade e segurança para a licença ambiental, que terá considerado todas as questões envolvidas, inclusive pontos sociais da comunidade a ser afetada, apresentando medidas mitigadoras e compensatórias suficientes diante dos impacto ambientais concernentes.

Por todas as considerações apresentadas, é possível constatar ainda que até mesmo a menção atual dos normativos existentes, da realização sempre que necessário, poderia ensejar em interpretação sob uma lógica vinculativa na solicitação pelos órgãos ambientais licenciadores de audiências públicas de empreendimentos de significativo impacto ambiental. Contudo a previsão expressa do projeto de lei, deixaria essa necessidade algo inquestionável.

Ademais, mostra-se como coerente o Projeto de Lei nº 2.159/2021 resultar em uma Lei Federal que sobre o direito processual de licenciamento ambiental (Brasil, 2021). Isso porque, vale lembrar que a Constituição Federal de 1988 em seu artigo 22, I, define que compete privativamente à União legislar sobre Direito Processual. (Brasil, 1988)

  Portanto, uma vez reconhecido o licenciamento ambiental como um tipo de processo administrativo é dissonante que o ordenamento jurídico pátrio continue a ter como uma das principais referências para o processo de licenciamento ambiental um ato normativo regulamentar que é a Resolução nº 237/1997 do CONAMA, por mais positiva que esta seja.

Se a norma ápice do ordenamento jurídico pátrio que é a Constituição Federal, indica que cabe a União dispor sobre direito processual, e reconhecível que o licenciamento ambiental é um tipo de processo, inclusive importantíssimo para a efetividade do direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, urge que as instituições representativas cumpram seu papel, legislem e estabeleçam a devida norma para regulá-la.

Destarte, sabe-se que “a participação cívica na conservação do meio ambiente não é um processo político já terminado. Os fundamentos foram muito bem lançados em todo o mundo, mas o edifício da participação tem muitos setores para serem concluídos” (Machado & Aragão, 2022, p. 167)

Por outro lado, quanto ao baixo engajamento nas solicitações das audiências públicas, reflete-se que se estas informações estão acessíveis na Internet, falhas podem estar ocorrendo na publicidade, por uma ausência de informação e comunicação eficaz, já que vivemos uma realidade de redes sociais, de pessoas que ainda se informam muito por meios televisivos e por indivíduos que ainda podem não ter desenvoltura no acesso a meios de informação eletrônicas.

Desde já, temos que reconhecer que vivemos em todo o mundo, principalmente após a década de 60, a era das comunicações. A todo momento temos a impressão de estarmos sendo informados. Dizemos “a impressão” pois, muitas vezes, a informação

recebida não é capaz de ser eficaz ou produzir os resultados devidos. A informação serve para o processo de educação de cada pessoa e da comunidade. Mas a informação visa, também dar a chance a pessoa informada de tomar posição ou pronunciar-se sobre a matéria informada (Machado & Aragão, 2022, p. 156-157)

Além disso, sobre o baixo número de solicitações de audiências públicas, vislumbra-se que as instituições educacionais, como as faculdades e universidades poderiam participar mais, seja por intermédio de discentes e docentes, que com sua formação poderiam apresentar contribuições do meio científico de ordem jurídica ou técnicas aptas a agregar à situação.

Na casuística, por vezes, se observa que grupos comunitários que tiveram uma mobilização mais forte, isto decorreu do auxílio de assessorias técnicas, como grupos de extensão universitária, que viabilizam o processamento de informações complexas dos estudos e permitem que estes, possam ser contrapostos no âmbito dos aspectos técnicos (Lima, 2015)

Ademais, as prefeituras também podem ter uma postura mais proativa e solicitar a realização destas audiências dentro do modelo normativo atual, quando verificarem que o tipo do empreendimento terá reflexo direito para seus munícipes. Outrossim, existe ainda espaço e possibilidades para que o Ministério Público seja mais atuante como legitimado a requerê-la, sendo que sua presença e ação antecipada dentro da lógica de meios alternativos de resolução de conflitos, apesar de exigir certo esforço, podem inclusive ser profícuos para evitar situações piores que enseje em judicialização posterior.
IV. CONSIDERAÇÕES PARA A CONSTRUÇÃO COLETIVA DEMOCRÁTICA E TÉCNICA NO PROCESSOS DE LICENCIAMENTO AMBIENTAL

As audiências públicas podem ser mais bem exploradas e utilizadas nos processos de licenciamento ambiental. Desta forma, após uma abordagem sob um enfoque do Estado de Minas Gerais, as correlações da legislação estadual e federal, e campos de aprimoramento como aqueles propostos pelo Projeto de Lei nº 2.159/2021, em aprofundamento do tema, é possível visualizar que a situação fática observada ocorre em outras localidades, como, por exemplo, no Estado do Rio de Janeiro.

Da   compilação   e   análise   dos   dados   coletados   no   levantamento   documental   da pesquisa, foi possível identificar o quantitativo de audiências públicas realizadas pelo Instituto Estadual do Ambiente -INEA do Estado do Rio de Janeiro, no âmbito de processos de licenciamento ambiental, durante o lapso temporal de 2013 a 2016 (Da Silva Bezerra & Domingues, 2018, p. 68)

Assim, constata-se que o número de audiências públicas realizadas naquele ente da federação ainda é pequeno, mesmo considerando o quantitativo de pessoas que nele vive e a quantidade de empreendimentos correspondentes a essa população, que certamente abrange um número grande de indústrias e atividades potencialmente poluidoras.

Assim, no ano de 2013 foram realizadas 10 audiências públicas; ao passo que em 2014, esse quantitativo aumentou para 11; em 2015 se verificou uma leve queda para 10 Audiências Públicas realizadas e; em 2016, apenas 1 (uma) Audiência Pública foi realizada no âmbito do licenciamento ambiental de atividades ou empreendimentos no Estado do Rio de Janeiro (Da Silva Bezerra & Domingues, 2018, p. 69)

Desta forma, há elementos de informação que mostram que a situação ainda não é amplamente tratada quando poderia ser pelos órgãos públicos, fato que impede uma melhor tutela das questões ambientais envolvidas, por todo o exposto do valor da audiência pública.

Este instrumento, portanto, vai ao encontro do defendido anteriormente:   não   basta    mais   que   os   tecnocratas (equipe multidisciplinar) afirmem a existência ou não de riscos; faz-se indispensável a atuação da comunidade em busca de uma gestão de riscos mais eficaz (Christmann, 2011, p. 68).

Assim, apesar do reconhecível maior uso das audiências públicas seja pelo Poder Legislativo Federal e pelo Supremo Tribunal Federal, o Poder Executivo ainda tem a possibilidade de ampliar o uso das audiências, além de ser visualizável que Ministério Público muito pouco participou das audiências públicas levantadas no Rio de Janeiro que foram realizadas (Da Silva Bezerra & Domingues, 2018)

Desse modo, é bastante importante implementar esforços para o amadurecimento do uso das audiências públicas para que estas cumpram seu propósito previsto na legislação como um espaço democrático de debate de ideias.  (Pinheiro & Trigueiro, 2014)

É por meio de uma mais adequada prática processual do processo de licenciamento ambiental pelos atores públicos e privados que se pode melhor viabilizar as audiências públicas, pois “a partir daí, surge o Desenvolvimento Sustentável, que é a capacidade de conciliar o crescimento e a expansão de novas atividades empresariais com o equilíbrio ambiental” (Rizo Schiavo & Coelho de Azevedo Bussinguer, 2020)

Ademais, no âmbito federal é possível verificar que também na prática as audiências públicas vêm sendo pouco utilizadas mesmo que por suas atividades seriam ainda mais necessárias, dado que a competência do ente federal no licenciamento ambiental normalmente é para empreendimentos de maior magnitude, conforme disposto no artigo 7º, XIV, alíneas “a”, até “h”, todas da Lei Complementar nº 140/2011.

Os critérios eleitos para escolher o material de pesquisa (processos administrativos do Ibama) foram os seguintes: a) o licenciamento se enquadra na tipologia usina hidrelétrica; b) ter ocorrido audiência pública; c) a audiência pública ter sido realizada pelo Ibama; d) ter sido concedida a licença prévia entre os anos de 2000 e 2018.

Ao acessar o site do Ibama, o primeiro passo foi identificar o número de processos existentes na tipologia “usinas hidrelétricas”. Foram encontrados, então, 78 processos na pesquisa de julho de 2018. Ocorre que, segundo o sítio do instituto, somente 48 processos realizaram audiências públicas (Cirne, Fernandes & Da Gama, 2022, p. 24).

Assim, do apurado sobre a não realização de audiência pública em casos de empreendimentos de grande magnitude, como de hidrelétricas na esfera do licenciamento ambiental junto ao Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA), leva a confirmação da proposição de avanço na efetividade da proteção ambiental, por meio de um aspecto válido propugnado no Projeto de Lei nº 2.159/2021 da realização obrigatória, pelo menos uma vez, de audiência pública nos casos de empreendimentos de significativo impacto ambiental, sendo que esse encaminhamento se alinha também com a ideia vinculativa da necessidade já prevista no artigo 2º, da Resolução nº 09/1987 do CONAMA.

Vale lembrar “entretanto, a participação popular só existe na medida em que for efetiva, e para que a efetividade seja garantida, deve‐se disponibilizar meios adequados de publicidade e debates com a população atingida” (Pinheiro & Ribeiro, 2011, p. 244)

Nesse sentido, outra observação quanto às audiências públicas de hidrelétricas feitas pela IBAMA aponta na necessidade de aprimoramento funcional do corpo técnico do órgão público para abordar os pontos discutidos nestas (Cirne, Fernandes & Da Gama, 2022).

V. CONCLUSÃO

A Audiência Pública como etapa do Processo de Licenciamento Ambiental de empreendimentos de significativo impacto ambiental é uma oportunidade especial e espaço democrático no trâmite processual para a participação popular e influência desta nos aspectos decisórios do deferimento ou não do pedido, considerando não somente aspectos técnicos.

Ademais, sob a égide da Constituição Federal de 1988, inviável é se pensar numa avaliação de impactos ambientais no licenciamento ambiental, como mero um procedimento administrativo, sem as garantias consagradas do Devido Processo conforme artigo 5º, inciso LIV.

Desta forma, a partir do ponto que se reconhece o licenciamento ambiental como processo, com as características a ele referentes, necessário é superar a regulação sob base geral da Resolução nº 237/1997 do CONAMA, uma vez ser uma importante condição de garantia para a efetividade ao direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, consoante artigo 225, caput, e §1º, IV, da Constituição Federal da República Federativa do Brasil.

Desse modo, por mais que o conteúdo da citada Resolução seja válido e bem construído, não se pode descurar do atendimento de requisitos constitucionais como aquele que prevê que compete privativamente à União legislar sobre direito processual, sendo que o processo de licenciamento ambiental está incluído nesta previsão do artigo 22, I, da Constituição Federal.

Assim, verifica-se que o Projeto de Lei nº 2.159/2021 em apreciação junto ao Poder Legislativo, que foi aprovado na Câmara dos Deputados e que atualmente transcorre no Senado Federal, como importante instituição de nosso Congresso bicameral, apresenta alguns aspectos interessantes, como trazer a regulação em nível de Lei Federal, dos aspectos processuais do licenciamento ambiental, assim como apresenta a proposta de obrigatoriedade de realização de pelo menos uma audiência pública no casos de empreendimentos de significativo impacto.

Outrossim, é possível constatar da realidade prática que existe um ainda campo considerável de aprimoramentos e amadurecimentos quanto ao processo de licenciamento ambiental e audiências públicas, natural em uma democracia em desenvolvimento, pois estas apesar de possíveis, nem sempre são solicitadas pelos legitimados e tampouco são realizadas como seria possível pelos órgãos ambientais em análise de necessidade no caso concreto.

Ante o exposto, a proposta de inovação normativa com os fins de obrigar as audiências públicas para empreendimentos maiores de significativo impacto, pode colaborar em um melhor aproveitamento deste importantíssimo espaço democrático de construção coletiva da decisão, de forma mais apurada para a proteção dos direitos envolvidos, que deve ser associada com o aperfeiçoamento funcional dos órgãos públicos para considerarem as questões debatidas.

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Citas

[1] Mestrando em Direito, em Proteção dos Direitos Fundamentais pela Universidade de Itaúna. Especialista em Direito Processual, Direito Ambiental e Minerário pela PUC-Minas. Bacharel em Direito pela Faculdade Pitágoras – Divinópolis. Gestor Ambiental na SUPRAM Alto São Francisco – SEMAD.

[2] Pós-Doutor em Direito pela UNIME, Itália. Professor da Graduação e do PPGD em Direito da Universidade de Itaúna (UIT) e das Faculdades Santo Agostinho de Sete Lagoas (FASASETE-AFYA). E-mail: deilton.ribeiro@terra.com.br. Lattes: http://lattes.cnpq.br/1342540205762285. ORCID: http://orcid.org/0000-0001-7268-8009.

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