Revista Iberoamericana de Derecho, Cultura y Ambiente
RIDCA - Edición Nº4 - Derecho Constitucional y Derechos Humanos
Javier A. Crea. Director
20 de diciembre de 2023
Direitos e garantias das pessoas em situação de refúgio sob a ótica da teoria da justiça de John Rawls.
Derechos y garantías de las personas en situación de refugiados bajo la perspectiva de la teoría de la justicia de John Rawls.
Autores. José Claudio Monteiro de Brito Filho, Vanessa Rocha Ferreira y João Gabriel Macedo Morais. Brasil
José Claudio Monteiro de Brito Filho[1]
Vanessa Rocha Ferreira [2]
João Gabriel Macedo Morais[3]
RESUMO: Neste artigo, apresenta-se a situação de refugiados venezuelanos no Brasil sob a ótica da teoria da justiça de John Rawls. O objetivo é examinar, em que medida, a partir do contexto de exclusão social, a distribuição de direitos pelo Estado brasileiro pode ser considerada justa. Para tanto, apresenta-se a teoria da justiça de John Rawls, com foco na noção dos bens primários. Em seguida, explana-se sobre os refugiados venezuelanos no Brasil e a garantia de condições de vida digna para esses sujeitos. Além disso, analisa-se a atuação estatal e social em relação aos refugiados venezuelanos no país, com base no liberalismo igualitário de John Rawls. Por fim, conclui-se que a falta de garantia dos direitos fundamentais aos venezuelanos refugiados no Brasil, vai de encontro aos princípios de justiça de Rawls, que preconiza a justa distribuição dos bens primários para todos os membros da sociedade, independentemente de sua origem ou status migratório. Trata-se de uma pesquisa básica de método hipotético-dedutivo, com um objetivo exploratório e uma análise qualitativa.
Palavras-chaves: Refugiados; justiça; direitos fundamentais; bens primários, liberalismo igualitário de John Rawls.
ABSTRACT: This article presents the situation of Venezuelan refugees in Brazil from the perspective of John Rawls’s theory of justice. The aim is to examine to what extent, from the context of social exclusion, the distribution of rights by the Brazilian State can be considered fair. To do so, John Rawls’s theory of justice is presented, focusing on the notion of primary goods. Then, it explains about the Venezuelan refugees in Brazil and the guarantee of dignified living conditions for these subjects. In addition, the state and social action in relation to Venezuelan refugees in the country is analyzed, based on the egalitarian liberalism of John Rawls. Finally, it is concluded that the lack of guarantee of fundamental rights to Venezuelan refugees in Brazil goes against Rawls’s principles of justice, which advocates the fair distribution of primary goods to all members of society, regardless of their origin or status. migratory. This is basic research using a hypothetical-deductive method, with an exploratory objective and a qualitative analysis.
Keywords: Refugees; justice; fundamental rights; primary goods, egalitarian liberalism of John Rawls.
1 INTRODUÇÃO
A migração é algo comum na sociedade há séculos, seja pela busca de novas terras, seja pela procura de melhores condições de vida. As relações que se estabelecem na sociedade com a chegada de novos membros vêm mudando ao longo do tempo. O Brasil é um exemplo disso, pois passou de um período em que as políticas migratórias possuíam um viés utilitarista e preconceituoso em relação à entrada de novas pessoas, para uma legislação receptiva e acolhedora.
Em âmbito internacional, a Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 (DUDH) (Onu, 1948) prevê a possibilidade de migração. De acordo com o documento, toda pessoa tem o direito de procurar residência dentro do seu Estado e de deixar o seu país ou retornar a ele. Um dos exemplos de migração é o refúgio.
Nesse caso, a saída do país de origem é necessária devido a graves violações dos direitos humanos, temores de perseguição por raça, religião, nacionalidade, grupo social ou opiniões políticas, conforme a Lei n° 9474/1997 (Lei Brasileira de Refúgio) (Brasil, 1997) e a Convenção relativa ao Estatuto dos Refugiados de 1951 (Brasil, 1951).
A mudança forçada e os resquícios do retrógrado pensamento preconceituoso em relação à migração posicionam os refugiados em uma grave situação de vulnerabilidade, visto que são vistos como «outros» ou «invasores». Mesmo que o atual cenário legislativo expresse condições favoráveis de tratamento para pessoas em situação de refúgio, é necessário analisar se, na realidade, essas pessoas estão sujeitas a um contexto que viola direitos fundamentais.
Acerca deste ponto de vista, é fundamental discutir a ideia de justiça como equidade de John Rawls, a partir do seu entendimento sobre bens primários, que visam garantir a igualdade entre todos os membros de uma sociedade, pois para construir um projeto de vida pessoal, é necessário partir de um cenário sem distinções (Rawls, 2008).
Portanto, a relevância desta análise está em identificar como as pessoas em situação de refúgio conseguem ter seus direitos básicos garantidos no país que os acolhe. Logo, leva-se em consideração a dignidade inerente a todas as pessoas, de acordo com a perspectiva legislativa internacional e nacional. Para tanto, analisa-se a teoria da justiça de John Rawls, tendo em vista que o autor busca estabelecer uma situação de equidade entre os indivíduos.
Coligado a isto, há no Estado do Pará uma considerável quantidade de migrantes, em sua maioria vindos da Venezuela, o que se justifica pela grave crise política que o país tem vivido. Restou a vários venezuelanos buscar refúgio em outras nações. Dessa forma, diversos estados do Brasil receberam várias pessoas em situação de refúgio, ainda que, em alguns casos, não estivesse conseguindo garantir direitos básicos.
Diante do contexto narrado, o estudo busca responder ao seguinte problema de pesquisa: Em que medida, a partir de um contexto de exclusão social, a distribuição de direitos fundamentais para pessoas em situação de refúgio pode ser considerada justa, do ponto de vista da teoria da justiça de John Rawls?
A hipótese é a de que os sujeitos em situação de refúgio são deixados a margem de exercer direitos mínimos em prol da dignidade humana, como, o trabalho, a moradia, o acesso à saúde, dentre outros. Desse modo, supõe-se que os refugiados se encontram à mercê de condições básicas de cidadania para que permaneçam construindo suas vidas em outra nação.
Trata-se pesquisa básica, com objetivo exploratório e de análise qualitativa. Para atingir os fins almejados, utiliza-se, como procedimento e técnica de coleta de dados, o levantamento bibliográfico e documental. O método que garante as bases lógicas da investigação é o hipotético-dedutivo.
O estudo tem como objetivo geral analisar, a partir da Teoria da Justiça de John Rawls, se há uma distribuição justa de direitos fundamentais que ampare a realidade de pessoas que vivem em situação de refúgio. Para tanto, o artigo será estruturado em 5 itens. O primeiro é esta introdução. O segundo aborda a noção de justiça como equidade proposta por John Rawls. O terceiro examina a garantia de direitos fundamentais para pessoas em situação de refúgio. O quarto estuda a distribuição de direitos mínimos em prol da dignidade humana dos refugiados, sob a ótica do liberalismo igualitário. Por fim, o quinto e último item da pesquisa apresenta as considerações finais da investigação.
2 A TEORIA DA JUSTIÇA DE JOHN RAWLS: UMA ANÁLISE SOBRE A NOÇÃO DOS BENS PRIMÁRIOS
O desenvolvimento da sociedade, desde o período mais primitivo até o tempo corrente, demonstra a complexidade instaurada para que as relações entre indivíduos e Estado sejam balizadas. Regras mínimas de convivência são necessárias para existir a promoção dos ideais de justiça. É consubstancial examinar teorias desde a antiguidade que dispõem sobre como os direitos serão distribuídos entre os membros da sociedade (Brito Filho, 2021, p. 17-24).
A partir de Aristóteles, existe um entendimento de justiça distributiva baseada no mérito. Ao passo que com Rousseau há uma compreensão de justiça centralizada na liberdade e na propriedade. Analisa-se também que Fleischacker indica a justiça distributiva baseada no reconhecimento e, portanto, é mais otimista do que o viés de Smith, que inicia seu pensamento com a ideia de ajuda aos pobres. E ressalta-se que a contribuição de Kant se dá pela caracterização feita a respeito da dignidade da pessoa humana (Brito Filho 2021, passim).
Nesse sentido, percebe-se uma conotação mais adequada de justiça a partir do entendimento de John Rawls, materializado em «Uma Teoria da Justiça» (2008). Na obra, Rawls indica um ideal político da igualdade na distribuição de direitos básicos, devidos para todas as pessoas sem distinção e independentemente de seu mérito moral (Brito Filho 2021, p. 25).
Houve uma quebra de paradigma, uma vez que este entendimento se sobrepôs à percepção utilitarista proposta por John Stuart Mill. De acordo com o autor, as ações são corretas na medida em que tendem a promover a felicidade e incorretas na medida em que tendem a gerar o contrário da felicidade (Mill, 2005, p. 51). O que se deseja como fim, portanto, é aquilo que esteja alusivo ao prazer e, por conseguinte, possa prevenir a dor.
Acentua-se a crítica de Sandel (2014, p. 51) ao destacar que o pensamento utilitarista pode ser muito cruel com o indivíduo quando pensa nele de maneira isolada. O que deve ser levado em consideração se baseia na particularidade da pessoa, a partir de critérios estabelecidos por ela mesma para que seja definido o que lhe é útil e o que não é.
Logo, a percepção utilitarista tem o viés de excluir pessoas, pois não respeita o ser individualmente (Ferreira, 2020, p. 190). E é nessa perspectiva que se difere totalmente da noção de justiça igualitária. Para Rawls (2008), as pessoas possuem uma inviolabilidade fundada na justiça, isso lhes garante direitos que não estão sujeitos a qualquer cálculo utilitarista. Percebe-se, então, que há a inclusão da igualdade como princípio de justiça para balizar a distribuição de bens aos membros da sociedade.
Nessa conjuntura, observa-se também houve uma ruptura com o pensamento liberal, e esse entendimento é relevante para a compreensão de duas novas correntes: o liberalismo igualitário e o libertarianismo. O liberalismo igualitário tem raízes na concepção de justiça de Rawls, baseada em Kant. Por outro lado, a concepção libertária de Nozick possui forte influência de Mill (Brito Filho 2021, p. 42).
Gargarela (2008, p. 44) aduz que Nozick defende a ideia de que as pessoas são naturalmente diferentes entre si e que, portanto, qualquer empreendimento que seja direcionado para igualá-las acabará sendo frustrado. Por isso, defende que a intervenção do Estado deve ser mínima, apenas para proteção contra ilícitos, pois, dessa forma, as partes possuem mais autonomia para decidir sobre situações da maneira que melhor lhes convém.
Ambas as acepções expressam distintos entendimentos no que diz respeito à liberdade. Embora a liberdade no liberalismo igualitário seja mais contida, não há supressão. No entanto, no libertarianismo, a liberdade é mais ampla, pois é exercida tendo como base os desejos das pessoas (Brito Filho 2021, p. 43).
A partir dos entendimentos supramencionados, é possível vislumbrar uma síntese do contexto dos pensamentos sobre justiça, o progresso que aconteceu para que o pensamento rawlsiano fosse instaurado e com quais bases seus escritos são fundados. Agora, é possível se debruçar sobre a compreensão de sua teoria e seus possíveis reflexos na sociedade, quando seus preceitos forem observados, ou não.
Rawls (2008) tem o objetivo de elaborar uma teoria da justiça que seja viável diante das doutrinas que há muito tempo dominam a tradição filosófica. Para tanto defende que a justiça é a virtude primeira das instituições sociais, não aceitando haver justiça quando há perda da liberdade de alguns justificada por um bem maior desfrutado por outros.
Há uma preocupação de que as alegações rawlsianas sobre justiça possam ser interpretadas e avaliadas. Logo, indica-se que o objeto principal de justiça é a estrutura básica da sociedade. Há a premissa de que a justiça é a virtude das instituições. É por meio do modo pelo qual as principais instituições sociais distribuem os direitos e deveres fundamentais que se determina a divisão de vantagens na cooperação social (Rawls, 2008, p. 8).
Tal cooperação tem como objetivo a busca por um ideal social, tendo em vista que a sociedade já é carregada de visões conflitantes acerca das necessidades naturais e das oportunidades existentes para a vida humana. Nesse sentido, o autor entende que há uma distinção entre o conceito de justiça e a concepção de justiça. Esclarece que o primeiro é definido pelo papel de seus princípios na atribuição de direitos e deveres, bem como a definição das vantagens sociais. O segundo, é a interpretação desse papel (Rawls, 2008, p. 11-12).
Não obstante, Rawls (2008, p. 14) infere que a estrutura básica da sociedade constitui um acordo original. Por isso, os princípios se perfazem no fato de que as pessoas estão em uma situação racional e livre, buscando promover seus próprios interesses. Logo, não se opõem em aceitar uma situação inicial de igualdade como forma de definir as condições fundamentais dessa associação
Para tanto, a principal busca do autor é que seja estabelecida uma justiça como equidade, o que só poderia ser alcançado se os princípios de justiça fossem escolhidos em uma posição inicial de igualdade, a posição original, que é justamente o status quo para garantir que acordos fundamentais sejam equitativos. (Rawls, 2008, p. 21)
Com isso, a posição original perfaz o discernimento de que ninguém seja favorecido ou desfavorecido pelo acaso ou pelas circunstâncias sociais nas escolhas dos princípios (RAWLS, 2008, p. 22). Afinal, não há uma percepção justa quando os indivíduos buscam decidir, com racionalidade e a partir de informações que possam gerar algum tipo de privilégio, qual a melhor situação para si.
Faz-se necessário que o conhecimento dessas contingências seja inexistente, pois poderia gerar discórdia entre os homens e permitir que se deixassem levar pelo preconceito. Assim, chega-se ao véu da ignorância de maneira natural (Rawls, 2008, p. 23). Por isso, é razoável entender que na situação original, todos possuem o mesmo tratamento e não há distinção social ou mesmo racial.
Diante dessa premissa, Rawls cria um ambiente hipotético, pois, perante a realidade de se ter princípios adequados para reger as principais instituições sociais, são apreciados dois importantes ideais políticos: a liberdade e a igualdade (Brito Filho, 2021, p. 81). Na perspectiva de que um ser humano não se sobrepõe ao outro, uma vez que na sociedade existem desigualdades que prejudicam aqueles que são menos favorecidos, elaboram-se os princípios de justiça.
Rawls (2008, p. 65) infere expressamente que «pode-se dividir a teoria da justiça em duas partes principais: (1) uma interpretação da situação inicial e uma formulação dos diversos princípios disponíveis; e (2) um argumento que demonstre quais desses princípios seriam, de fato, adotados». Para assim, promover uma justiça direcionada para os indivíduos e para as instituições.
Nesse liame, não se deve confundir os princípios de justiça para as instituições com os que se aplicam aos indivíduos, porque possuem objetos distintos e devem ser discutidos separadamente. Para as instituições há um entendimento de que é um sistema público de normas que visa definir direitos, deveres, cargos, funções e poderes. Para ser direcionado na sociedade o que é permitido e proibido (Rawls, 2008, p. 66).
Inclusive, salienta também que as instituições podem ser consideradas de duas maneiras: primeiro como um objeto abstrato em que as condutas são ditadas por um sistema de normas; e, segundo, como a efetivação dos atos especificados pelas leis no pensamento e na conduta das pessoas em determinado momento e lugar. O que, de certa forma, gera uma ambiguidade no seu entendimento (Rawls, 2008, p. 66).
Contudo, Rawls (2008, p. 68) aduz que o ideal para definir as regras deve ser organizado de tal maneira que as pessoas sejam levadas por seus interesses dominantes a agir de modo que promovam fins sociais desejáveis do ponto de vista da justiça social. Entretanto, o autor reconhece que é concebível que o sistema social possa ser injusto, embora nenhuma de suas instituições seja injusta em separado.
Ademais, a justiça formal é uma obediência ao sistema, pois, ao supor que as instituições são razoavelmente justas, as autoridades devem ser imparciais, para que, ao lidar com determinados casos, não sofram influências pessoais ou financeiras (Rawls, 2008, p. 71). Outrossim, a justiça sempre expressa algum tipo de igualdade, na medida em que a justiça formal requer que as instituições sejam agente de aplicação da igualdade.
Para entender a relevância de tais premissas, analisa-se os dois princípios de justiça firmados por Rawls. Logo, não é possível conceber uma ideia de justiça que não leve em consideração cada um dos indivíduos, uma vez que são detentores de um mínimo de direitos pela sua própria condição de seres humanos. Com isso, Rawls estabelece o princípio das liberdades iguais e o princípio da diferença (Brito Filho (2021, p. 81).
Rawls (2008, p. 73) defende que o primeiro princípio de justiça se preocupa com o fato de que cada pessoa deve ter um direito igual ao sistema mais extenso de iguais liberdades fundamentais, compatíveis com a liberdade de outras pessoas. E o segundo princípio determina que as desigualdades sociais e econômicas devem observar (a) a razoabilidade de se esperar que seja estabelecido em benefício de todos, e (b) devem estar vinculadas a cargos e posições acessíveis a todos. Acentua-se que o primeiro princípio é prioritário ao segundo.
Em sendo assim, o primeiro princípio, ao salientar que as liberdades fundamentais sejam iguais entre todos, objetiva que se dê importância para a liberdade política; de expressão; de reunião; de consciência; de pensamento; a liberdade individual, que abrange a proteção contra opressão psicológica, agressão e mutilação; o direito à propriedade pessoal e proteção contra prisão e detenção arbitrária (Rawls, 2008, p. 74).
Dessa forma, acerca do segundo princípio Brito Filho (2021, p. 82) defende a ideia de «desigualdade controlada», ou seja, para o autor as pessoas podem ter ganhos de acordo com a suas ações desde que contribuam para uma adequada redistribuição, para que ninguém possa receber direitos abaixo de um patamar mínimo. Esse princípio se aplica à distribuição de renda e riqueza, de modo que seja vantajosa e acessível para todos.
Dessarte, com relação ao entendimento dos princípios e sua aplicabilidade na sociedade, Rawls vislumbra que exista uma igualdade de oportunidades entre as pessoas. É por esse motivo que aceita uma «desigualdade controlada» no que se refere aos fatores econômicos e sociais. O autor entende que isso pode trazer um benefício para aqueles que são menos favorecidos, alcançando, então, uma igualdade equitativa para a oferta de bens primários.
Para Rawls (2008, p. 110), bens primários «[…] são coisas que se presume que um indivíduo racional deseje, não importando o que ele mais deseje. Assim, sejam quais forem as minúcias dos planos racionais de um indivíduo, presume-se que há várias coisas que ele preferiria ter mais a ter menos». Com isso, independentemente de quais forem os objetivos pessoais dos indivíduos, é possível ir em busca do seu propósito, com o respeito à satisfação dos bens primários.
Nesse sentido, os bens primários são, no plano interno dos Estados, os direitos fundamentais inerentes a todo ser humano. Por isso, indica que os bens primários se referem aos bens primários sociais, que podem ser entendidos como liberdades e oportunidades, renda e riqueza (Brito Filho 2021, p. 82).
Realizadas as considerações gerais sobre o liberalismo igualitário, passa-se ao exame da realidade em que se encontram pessoas em situação de refúgio. Com isso, e consequentemente, é possível identificar se refugiados conseguem ser assistidos por direitos básicos na sociedade que os acolhe. Dessa feita, busca-se compreender de que forma o país acolhedor consegue promover, ou não, a justa distribuição de bens primários para essas pessoas em condição de vulnerabilidade.
3 OS REFUGIADOS VENEZUELANOS NO BRASIL E A GARANTIA DE CONDIÇÕES DE VIDA DIGNA
A migração é uma situação habitual na dinâmica do mundo, uma vez que a mobilidade espacial é comum para a humanidade, pelos mais diversos motivos. A Organização Internacional para as Migrações (OIM) faz parte do Sistema das Nações Unidas e visa promover a migração humana e ordenada para o benefício de todos. Com isso, busca-se a concretização da Agenda 2030, por meio da cooperação entre governos e academia.
O termo migração[4] é abrangente, e não definido no Direito Internacional. Ele reflete a mudança de uma pessoa de sua residência habitual, dentro do mesmo país ou atravessando uma fronteira internacional de forma temporária ou permanente, podendo ocorrer pelos mais variados motivos (OIM, 2023). Essa é uma definição desenvolvida pela OIM para seus próprios fins e não visa criar qualquer categoria legal.
Além disso, existem várias nomenclaturas referentes à migração, cada uma abordando uma situação específica em que a pessoa se encontra. Não obstante, a OIM (2009) criou um glossário sobre migração com quase cem páginas, a fim de servir de guia. O objetivo é elucidar os conceitos que envolvem a área de migração, e ser uma ferramenta útil na promoção da cooperação nacional.
Desta forma, diante dessa grande variedade de nomenclaturas e com base em um breve entendimento sobre migração, o presente estudo analisa a compreensão de pessoas em situação de refúgio. Para isso, é necessário entender o que é um refugiado.
Em 1951, a Convenção das Nações Unidas, relativa ao Estatuto dos Refugiados, definiu o que é uma pessoa refugiada, além de estabelecer direitos para essas pessoas e as responsabilidades das nações que as recebem.
Dessa forma, em consonância com a referida Convenção, a Agência da ONU para Refugiados (ACNUR) define que refugiados «[…] são pessoas que estão fora de seu país de origem devido a fundados temores de perseguição relacionados a questões de raça, religião, nacionalidade, pertencimento a um determinado grupo social ou opinião política, bem como devido à grave e generalizada violação de direitos humanos e conflitos armados» (Acnur, 2023).
A trajetória política traçada pela Venezuela desde a década de 80 desencadeou fortes consequências sociais e econômicas, com uma grave crise de cunho político e moral. Inicia-se com o mandato de Hugo Chávez e todo o conjunto de políticas implementadas até o período de sua morte, quando Nicolás Maduro assume o poder e provoca uma crise generalizada no país (Bastos e Obrigón, 2018).
Nesse contexto, em observância à Resolução 2/18 da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), evidenciou-se a grave crise humanitária que se instaurou na Venezuela, devido às intensas violações de direitos humanos. Esse fato ocasionou um crescimento exponencial de venezuelanos forçados a migrar para outros países (CIDH, 2018).
De acordo com Pinto e Obrigón (2018), essa crise ocasionou um dos maiores índices de inflação do mundo, a ponto de fazer com que a economia do país despencasse. Gerou altas taxas de desemprego e condições degradantes de cidadania. Assim, houve um forte êxodo de venezuelanos pelo mundo, buscando melhores condições de vida e refúgio em outras nações.
Desde então, o Brasil tem sido um dos destinos dos cidadãos venezuelanos, que, em sua maioria, tiveram como principal entrada o estado de Roraima, chegando a outras regiões, inclusive ao Pará (Milesi, Coury e Rovery, 2018). Dessa forma, busca-se entender se essa acolhida consegue satisfazer os ditames legislativos para proporcionar condições dignas de estadia.
Milesi, Coury e Rovery (2018) denotam um importante reflexo de xenofobia brasileira, protagonizado pelo estado de Roraima, ao enxergarem os refugiados como «os invasores» ou «os outros», como já dito anteriormente. O referido estado propôs uma Ação Civil Originária 3121 ao Supremo Tribunal Federal (STF) para que a União fosse obrigada a repassar recursos para o cumprimento de serviços essenciais, pois a entrada dos venezuelanos tem causado enormes prejuízos à população.
Parcela da população de Roraima afirma que a entrada dessas pessoas poderia desencadear o risco de possíveis epidemias e o aumento da criminalidade. Entretanto, o que se observa é que esse argumento é discriminatório, e baseado no fato de que a única solução seria o fechamento das fronteiras para impedir a passagem dos venezuelanos. Isto porque o controle de circulação de vírus pode ser realizado através de sugestão de políticas adequadas, a exemplo da vacinação. Além disso, a correlação do aumento de criminalidade com a entrada dos refugiados se torna um argumento frágil, diante dos altos índices de homicídios no estado (Milesi, Coury e Rovery, 2018).
Ainda em consonância com os referidos autores, resta evidente que medidas dessa feita violam o compromisso de caráter humanitário do Brasil. Ademais, o compromisso enquanto signatário da Convenção sobre o Estatuto dos Refugiados de 1951 que evidencia o princípio do Non-Refoulement (não-devolução) em que nenhum Estado expulsará um refugiado quando sua vida ou liberdade estejam sendo ameaçadas.
E em âmbito nacional, a Lei de Refúgio (Lei 9.474/1997) reforça o entendimento do princípio supracitado. Cita-se também a Lei de Migração (Lei 13.445/2017), que prescreve que os direitos humanos devem ser observados quando houver situação de mobilidade humana diante das fronteiras territoriais (Milesi, Coury e Rovery, 2018).
Inclusive, no que se refere à mobilidade, a ACNUR (2021) indica que o 7º Relatório do «Refúgio em Números» anunciou que a nacionalidade com maior número de pessoas refugiadas reconhecidas entre 2011 e 2021 é a venezuelana, com 48.789 solicitações. E que apenas no ano de 2021 foram feitas 29.107 solicitações da condição de refugiado no Brasil.
Ao direcionar a atenção para as leis brasileiras que versam sobre migração e refúgio, identifica-se que o país possui uma lei para cada temática, são elas: Lei de Migração de 2017 e Lei de Refúgio de 1997. Cabe salientar que o Brasil tinha como lei, em 1980, o Estatuto do Estrangeiro (Lei 6.815/1980), que foi revogado com a publicação da Lei de Migração.
O antigo Estatuto do Estrangeiro possuía um viés voltado para a segurança e os interesses nacionais. Com isso, a chegada de um estrangeiro era vista com desconfiança e, por isso, o texto trazia restrições aos direitos e garantias das pessoas. Aponta-se também que, mesmo após a promulgação da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (CRFB/88), a referida lei ainda produziu efeitos até o início de 2017 (Botelho e Souza, 2020).
No entanto, ao longo dos anos, esse entendimento foi se modificando e sendo mais alinhado aos ditames internacionais. Em 1997, a Lei de Refúgio já trouxe uma proteção maior para a pessoa humana e não mais com um olhar restrito a segurança nacional. Visando à proteção do refugiado, o diploma possui em seu texto a preocupação contra graves e generalizadas violações de direitos humanos, em consonância com a Convenção de 51 e o Protocolo de 67.
A Nova Lei de Migração inova ao tratar o migrante como sujeito de direitos, uma vez que nos artigos 3º e 4º denotam a ideia de universalidade, indivisibilidade e interdependência dos direitos humanos e das liberdades civis, sociais, culturais e econômicas (Brasil, 2017).
Nesse sentido, ainda é acentuado por Botelho e Souza (2020) que a Lei de Migração busca combater a xenofobia e a não criminalização por razões discriminatórias. Dessa forma, é possível que o refugiado tenha mais facilidade para ter autorização de residência temporária, possa transitar no país, tenha assistência jurídica e condições de trabalho para o seu sustento e de seus familiares. Portanto, é significativo o avanço que o Brasil teve na forma em que refugiados conseguem ser amparados pelas leis vigentes.
Entende-se que a concessão de refúgio é dada pelo governo brasileiro e a decisão sobre a condição de refúgio cabe ao Comitê Nacional para os Refugiados (CONARE), o qual é composto por órgãos do governo federal, organizações da sociedade civil. Tal decisão objetiva garantir a defesa dos direitos fundamentais e a integração do refugiado na sociedade, de forma que essa oportunidade seja uma alternativa para iniciar uma nova vida (Paula et al., 2019).
Como alternativa, o Estado brasileiro se viu sem estrutura para a recepção de tantas pessoas ao mesmo tempo, no entanto, iniciou a chamada Operação Acolhida, a qual tem por objetivo três vertentes: garantir documento, cuidados médicos e imunização; abrigos com alimentação, educação, proteção social; e uma interiorização voluntária em outras regiões do país a fim de alcançar oportunidades econômicas (OIM, 2023).
Em 2019, a ACNUR continuou a expansão de suas atividades e abriu um escritório na cidade de Belém, em razão da alta demanda e das condições de vulnerabilidade identificadas como parte do processo de acolhida dessa população. Por isso, buscou as autoridades locais para desenvolver ações com o objetivo de fortalecimento humanitário (Acnur, 2022).
Antes disso, de acordo com a Acnur (2022), as pessoas se encontravam em situações precárias nas ruas, principalmente na cidade de Boa Vista, pois buscavam de qualquer modo um acolhimento, mesmo que fosse de forma improvisada. Também não conseguiam se alimentar e dependiam prioritariamente de doações. Portanto, percebe-se que o contexto envolvendo a assistência aos refugiados é bastante delicado.
Por isso, é primordial entender de que forma as pessoas em situação de refúgio conseguem ter acesso a direitos básicos, em observância ao que a legislação brasileira prevê. Além disso, é fundamental refletir de que forma o Brasil busca desenvolver políticas que possam estar em harmonia com as previsões legais ou se ainda não consegue estabelecer um equilíbrio nessa relação com os refugiados, à luz do entendimento de justiça de John Rawls.
4 A SITUAÇÃO DOS REFUGIADOS VENEZUELANOS NO BRASIL: UMA ANÁLISE DA ATUAÇÃO ESTATAL COM BASE NO LIBERALISMO IGUALITÁRIO DE JOHN RAWLS
Rawls (2008, p. 110) aduz que há direitos que toda e qualquer pessoa precisa ter, ainda que existam coisas que mais queiram. Depreende-se que a análise desse estudo percebe que os direitos fundamentais, como o trabalho, o direito à moradia e o direito à saúde são preponderantes para que um indivíduo tenha condições dignas de vida. Tais medidas, sejam governamentais ou por outras entidades, visam direcionar os refugiados para um lugar em que possam morar e verificar alguma oportunidade de trabalho para que seja um (re)começo.
A partir dos estudos já realizados nas subseções anteriores, repara-se que o Estado brasileiro não consegue direcionar medidas efetivas que possam garantir direitos mínimos a pessoas em situação de refúgio, uma vez que há ineficiência estatal para um controle efetivo dessas demandas, assim como a própria sociedade, por vezes, não os reconhecem como detentores de direitos e, ao invés de incluir, os excluem.
Nesse sentido, Rawls (2008, p. 68) indica que as regras devem buscar a justiça social e que o sistema pode ser injusto, no entanto, as instituições não são injustas em separado. Iniciando pela perspectiva do trabalho, verifica-se que o governo federal criou, em 2018, a Operação Acolhida para garantir o atendimento humanitário aos refugiados venezuelanos em Roraima. (Gov.br, 2018)
A coordenação dessa força-tarefa coube ao Governo Federal, com apoio dos demais entes federativos, agências da ONU, organismos internacionais, organizações da sociedade civil e entidades privadas. Totaliza mais de 100 parceiros que oferecem assistência emergencial. A Operação Acolhida, com vistas a oportunizar trabalho para os venezuelanos, fez parceria com empresas. Todavia, há casos em que esses refugiados foram submetidos ao trabalho escravo contemporâneo.
Através do trabalho dos auditores fiscais, o Sindicato dos Auditores Fiscais do Trabalho (SINAIT), notificou, no ano de 2021 que 22 venezuelanos foram encontrados em condições de trabalho análogas à de escravo no estado de São Paulo, trabalhando para a empresa Sider, a qual era contratada pela Ambev e Grupo Heineken, empresas multinacionais no ramo da cervejaria (Sinait, 2021).
Ainda em consonância com o Sinait (2021), os refugiados tiveram seu contrato de trabalho assinado ainda na cidade de Boa Vista, capital de Roraima. Contudo, ficou evidenciado que trabalhavam sem folgas e com jornadas de trabalho extenuantes. Moraram, por meses, na boleia dos caminhões que ficavam estacionados na sede da empresa Sider. Não havia água potável, eram obrigados a arcar com taxas e descontos, como a cobrança de concessão de camisa e bota para o trabalho. Se o pneu furasse ou acontecesse algum acidente com a carga, também era descontado de seus salários.
Há possibilidade de criticar o sistema como um todo, tendo em vista a falta de fiscalização. No entanto, há de se perceber também que a falta de compromisso dos agentes privados dificulta a efetivação de direitos básicos aos seres humanos. A condição de vulnerabilidade a qual o grupo de refugiados está submetido pela necessidade de amparo em outra nação os torna suscetíveis a exploração por parte de aliciadores que se passam por benfeitores, mas querem explorar a mão-de-obra vulnerável e negar qualquer direito trabalhista.
No âmbito da moradia, que é fundamental para que se busquem novos objetivos na vida, de acordo com Fernandes (2005, p. 17), mais do que um direito individual, o direito à propriedade e moradia constitui uma obrigação social. Portanto, o Estado precisa ser agente dessa garantia, pois constitui um direito essencial à pessoa humana.
Em reportagem na cidade de Boa Vista, por exemplo, há relatos de superlotação nos abrigos que são improvisados, em sua maioria. É necessário enfrentar filas para ter onde dormir e há pessoas que dizem preferir ficar pelas ruas, pois a superlotação é extrema. Acentuam ainda que é melhor isso do que retornar para a Venezuela, pois no Brasil ainda conseguem ter algum alimento e às vezes um lugar para dormir (Brasil de Fato, 2021).
No que se refere à saúde, Barbosa, Sales e Souza (2020), por exemplo, inferem que, pela sobrecarga no sistema público de saúde de Roraima, um de seus maiores desafios foi acomodar e integrar parte dos milhares de migrantes venezuelanos, pois, ao ocuparem espaços públicos, a saúde desse grupo restou fragilizada. Não obstante, houve decretação do estado de emergência na cidade de Boa Vista, uma vez que os hospitais da cidade ficaram superlotados, a exemplo do Hospital Geral de Roraima (HGR).
Por outro lado, na cidade de Belém do Pará, ressalta-se que a OIM, no ano de 2021, promoveu um evento com a participação de empresários locais e o poder público, a fim de motivar a contração de refugiados e migrantes venezuelanos (OIM, 2021). O foco do evento concentrou-se em disseminar a ideia de empresas mais diversas, para que estejam abertas a contribuir no combate à xenofobia com a inserção da população migrante no mercado de trabalho.
Não obstante, no ano de 2023, a Secretaria do Estado de Justiça e Direitos Humanos do estado do Pará, na cidade de Belém, promoveu o I Encontro sobre Trabalho, Emprego e Renda à Pessoa Refugiada e Migrante, na oportunidade, houve esclarecimentos sobre regularização migratória e direitos trabalhistas; entendimento sobre trabalho e emprego no estado, cadastro de currículos e emissão de carteira de trabalho (Sejudh, 2023).
Há também, por parte da referida Secretaria, um trabalho que visa propor a implementação da municipalização de uma política estadual de enfrentamento ao tráfico de pessoas e ao trabalho escravo. Bem como, postos com funcionamento semanal de atendimento humanizado ao migrante para que sejam acolhidos e direcionados para uma triagem adequada de acordo com sua necessidade (Sejudh, 2023).
Denota-se que o foco principal da presente pesquisa não visa estudar com profundidade as condições de trabalho, moradia e saúde de refugiados, mas entender se há assistência mínima de direitos para que possam viver de maneira digna. Durante a coleta de dados, percebeu-se que o principal objetivo deste grupo é buscar melhores condições de vida, o que se relaciona diretamente com a possibilidade de ter um trabalho.
Nesse ínterim, é primordial a atuação efetiva do Estado para conciliar não apenas os interesses de pessoas em situação de refúgio, mas assegurar direitos mínimos a fim de que a dignidade da pessoa humana seja preservada. Contudo, esse grupo, desde sua entrada no Brasil no ano de 2017, vem sofrendo diversas restrições e privações de direitos ao ponto de que, a própria Lei de Refúgio que lhes asseguraria condições básicas, não se perfaz na realidade. Afastando-se do entendimento de justiça por equidade de John Rawls.
A concepção de bens primários em Rawls abrange direitos fundamentais que são essenciais para uma vida digna, incluindo direitos sociais como moradia, saúde e trabalho decente. No entanto, quando se observa a situação dos venezuelanos refugiados no Brasil, percebe-se que o Estado e a sociedade em geral não estão agindo de forma efetiva para garantir a vida digna dessas pessoas, limitando-se a algumas políticas públicas ainda insuficientes e prejudicadas pelo preconceito.
Nesse contexto, é evidente que a atuação estatal e social não se pauta em uma teoria liberal igualitária de justiça. Essa teoria, como defendida por Rawls, busca assegurar uma distribuição justa dos bens primários a todos os membros da sociedade, independentemente de méritos morais ou origem. No entanto, a realidade dos venezuelanos refugiados no Brasil revela uma clara ausência dessa justa distribuição de bens primários.
Nota-se que muitos vivem em condições precárias, sem acesso adequado à moradia e serviços de saúde. Além disso, enfrentam obstáculos para obter trabalho decente, sendo frequentemente explorados e submetidos a condições de trabalho desfavoráveis. É necessário um maior comprometimento do Estado e da sociedade em geral na garantia dos direitos fundamentais dessas pessoas, buscando promover uma sociedade mais justa, inclusiva e igualitária.
Nesse sentido, muitos vivem em condições precárias, alojando-se em abrigos improvisados, ocupações irregulares ou até mesmo nas ruas. A escassez de moradias adequadas e o alto custo dos aluguéis dificultam a obtenção de um lar seguro e estável para essas pessoas. A saúde dos venezuelanos refugiados é frequentemente comprometida devido à falta de acesso a serviços médicos adequados. A demanda por atendimento de saúde é alta, e muitos enfrentam dificuldades para obter consultas, exames e medicamentos; gerando um maior risco de doenças.
No que diz respeito ao trabalho, os venezuelanos refugiados, muitas vezes, enfrentam dificuldades para obter empregos dignos. Muitos são explorados em trabalhos informais, recebendo salários baixos e sem direitos trabalhistas básicos. A falta de reconhecimento de suas qualificações profissionais e as barreiras linguísticas também representam obstáculos para a inserção no mercado de trabalho formal.
É importante ressaltar que a situação dos venezuelanos refugiados no Brasil é complexa e variada. Enquanto alguns encontram apoio e oportunidades de integração, muitos continuam enfrentando dificuldades e exclusão social. A falta de políticas públicas adequadas e efetivas para atender às necessidades específicas desses refugiados contribui para a perpetuação da desigualdade e da vulnerabilidade.
Diante dessa conjuntura, é fundamental que o Estado brasileiro, em parceria com organizações da sociedade civil e da comunidade internacional, implemente medidas que assegurem o pleno respeito aos direitos dos venezuelanos refugiados. Isso envolve a criação de políticas públicas inclusivas, o fortalecimento dos serviços de saúde, a garantia de moradia adequada e a promoção de oportunidades de trabalho decente.
Pondera-se que há trabalhos realizados por diversas organizações, seja de cunho internacional ou local, que buscam assumir um papel de agentes de mudanças para refugiados. Indica-se que no ano corrente da referida pesquisa houve avanços importantes para a preservação de direitos das pessoas refugiadas, contudo, ainda há um longo caminho a percorrer.
Ressalta-se também que a sociedade como um todo precisa ser mais bem instruída para que haja entendimento e compreensão sobre a necessidade de receber refugiados e lhes prestar um auxílio digno. Pois, enxergá-los como invasores em nada colabora com o sofrimento que já enfrentam. A xenofobia e o preconceito os deixam ainda mais sem a oportunidade de galgar direitos que poderiam ser um mecanismo de libertação das privações que já sofriam em seu país, afastando-os de direitos essenciais à dignidade da pessoa humana.
Somente por meio de uma abordagem que priorize a justiça social, a igualdade de oportunidades e o respeito aos direitos fundamentais, é possível garantir uma atuação estatal e social alinhada com uma teoria liberal igualitária de justiça, assegurando assim uma vida digna para todos, independentemente de sua origem ou status migratório.
Uma vez feitas as considerações acima, já é possível apresentar uma breve conclusão do estudo proposto.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A presente pesquisa teve como objeto de estudo analisar, a partir de uma concepção específica de justiça, o liberalismo igualitário de John Rawls, se a atuação estatal em relação a distribuição de direitos, e bens primários, aos refugiados venezuelanos no Brasil pode ser considerada justa.
Diante de tudo o que foi exposto, é possível perceber que a realidade brasileira ainda é incapaz de oferecer o suporte necessário para os venezuelanos em situação de refúgio. A falta de acesso adequado à moradia, trabalho e saúde, por exemplo, gera desigualdades e vulnerabilidades, o que não coaduna com os princípios de justiça elaborados e defendidos por John Rawls.
A teoria da justiça de John Rawls visa assegurar que as pessoas, independentemente da origem, sejam detentoras de direitos básicos, os quais define como bens primários. Pois, a partir do véu da ignorância, todos estariam na posição original em condição de igualdade e livres de quaisquer benefícios ou privilégios para que possam ir em busca de seus objetivos. E aceita uma desigualdade controlada no que se refere a fatores sociais e econômicos, para que haja benefícios àqueles que são menos favorecidos.
A Venezuela protagoniza uma crise humanitária que se arrasta por vários anos. Em virtude disso, diversos venezuelanos se viram obrigados a sair de seus países em busca de melhores condições de vida em outras nações. Contudo, é uma decisão muito penosa para essas pessoas, uma vez que ficam sujeitos a diversos tipos de intempéries, dos quais se acentua: falta de emprego, moradia, acesso à saúde, vergonha pela situação vivenciada, humilhações, fome, entre outros.
Ao atravessarem a fronteira do Brasil, pelo estado de Roraima, almejam novas oportunidades de vida, no entanto, encontraram diversas situações de xenofobia e preconceito. Aliado a isso, houve, por um momento, o fechamento das fronteiras, os deixando sem qualquer alternativa de melhoria.
Restou evidente que há um desrespeito à garantia de direitos fundamentais para o grupo de refugiados, uma vez que a falta de trabalho digno acabou ocasionando a inserção dessas pessoas em condições de trabalho precário. A falta de abrigos adequados faz com que permaneçam se abrigando em ruas, praças e/ou terrenos abandonados. E a falta de políticas adequadas no que se refere à saúde ocasionou a superlotação dos hospitais, deixando esses indivíduos em condições ainda mais vulneráveis.
O Brasil, ao perceber que algo necessitava ser feito, estabeleceu estratégias para assegurar melhores condições. Momento em que se iniciou a Operação Acolhida para que houvesse a regularização dessas pessoas na condição de refugiados, para que fossem direcionados a abrigos, e tivessem oportunidades de trabalho.
Conforme analisado, a teoria da justiça como equidade de Rawls consegue ofertar uma fundamentação densa para se concretizar a justa distribuição de bens primários (direitos fundamentais) entre os integrantes do corpo social, devendo beneficiar e alcançar todas as pessoas. No entanto, a situação dos venezuelanos refugiados no Brasil mostra uma falta de garantia desses direitos fundamentais.
A escassez de moradia adequada, o acesso limitado à saúde e as dificuldades para obter trabalho decente são alguns dos problemas enfrentados por essas pessoas. A atuação estatal e social não está alinhada com uma abordagem igualitária de justiça, prejudicando a busca por uma vida digna para os refugiados.
A saída dos venezuelanos de seu país de origem foi em busca de melhores condições de vida, a fim de que pudessem recomeçar sua trajetória em outra nação ou mesmo ter o mínimo de segurança diante da crise humanitária na Venezuela. Logo, é fundamental que o Estado brasileiro, em parceria com organizações da sociedade civil e a comunidade internacional, implemente medidas que assegurem o pleno respeito aos direitos fundamentais dos refugiados.
Por isso, reforça-se que o Estado deve buscar alternativas através de políticas públicas, para que todas as pessoas, inclusive as pessoas refugiadas, que são o objeto de estudo desta pesquisa, consigam ter os seus direitos fundamentais assegurados e a garantia de condições materiais mínimas para que possam usufruir de uma vida digna, o que é pressuposto basilar para se alcançar efetivamente o desenvolvimento social.
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Citas
[1] Doutor em Direito pela PUC/SP. Pesquisa de Pós-Doutorado no UniCEUB. Vice coordenador do PPGD e Editor-chefe da Revista Jurídica do CESUPA. Titular da Cadeira nº 26 da ABDT.
[2] Doutora em Direitos Humanos (USAL/Espanha). Mestre em Direitos Fundamentais (Unama/PA). Professora da Graduação e Mestrado do Curso de Direito do CESUPA. Auditora do TCE/PA.
[3] Mestrando em Direito, Políticas Públicas e Desenvolvimento Regional (CESUPA). Bolsista CAPES. Pós-Graduando em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho (CESUPA). Contador. Advogado.
[4] Para os fins da presente pesquisa é utilizada a definição de migrante com base na OIM.