Revista Iberoamericana de Derecho, Cultura y Ambiente
RIDCA - Edición Nº2 - Derecho Animal
Laura C. Velasco. Directora
20 de diciembre de 2022
A tutela dos animais nos direitos ambiental e animal brasileiros e a senciência como fundamento da sua proteção jurídica
La protección de los animales en los derechos ambientales y animales brasileños y la sentencia como base de su protección jurídica
Autora. Letícia Yumi Marques. Brasil
Letícia Yumi Marques[1]
Resumo: Ao mesmo tempo em que o mercado pet cresce rapidamente no Brasil, com acentuado ritmo durante a pandemia, aumentam as listas de espécies silvestres em risco de extinção. Eventos climáticos e antrópicos também colocaram em evidência o sofrimento de animais silvestres, de companhia e de produção em várias regiões brasileiras. Apesar da crescente relevância que os animais têm ganhado na sociedade brasileira, a produção acadêmica sobre a sua tutela jurídica no Brasil ainda é tímida e se encontra dividida entre os que opõem o direito animal ao direito ambiental e vice-versa. A proposta deste artigo é analisar o tratamento jurídico dos animais tanto no Direito Ambiental quanto no Direito Animal, com a finalidade de aproximar esses olhares, para que possam caminhar lado a lado em defesa dos animais, tendo a senciência como fundamento e amparo da sua proteção jurídica.
Palavras-Chave: Direito Ambiental (Brasil); Direito Animal (Brasil); senciência.
INTRODUÇÃO
Os animais ganharam destacada importância no Brasil na última década. O Instituto Pet Brasil (2019) estimou, com dados de 2018, que o Brasil está entre os países com maior número de animais de estimação em todo o mundo: mais de 139 milhões, dos quais 54 milhões são cães e 23 milhões são gatos. Segundo esses mesmos dados, que há mais animais que crianças nos lares brasileiros. Para a economia, esses números mostram um mercado promissor para produtos e serviços pet friendly que, no Brasil, cresceu mais de 300% no período de seis anos, entre 2016 e 2022 (JANONE, 2022). Em termos jurídicos, esses números alertam para um cenário em que a intensificação e proximidade das relações entre humanos e não-humanos deve, em breve, requer a elaboração de marcos regulatórios, revisão de conceitos e da tutela jurídica desses animais que, há muito, já não são considerados coisa por parcela significativa da jurisprudência brasileira.
Os animais silvestres também têm atraído mais atenção dos brasileiros. Desastres como o de Brumadinho, em 2019, e os incêndios no Pantanal, em 2020, repercutiram nas redes sociais e mobilizaram instituições, organizações e cidadãos comuns na defesa da vida silvestre e do seu habitat. Como resultados, essas organizações têm usado seu espaço para cobrar mais eficiência na formulação e aplicação de políticas públicas para protegê-los. Temas como caça, posse ou guarda de animais silvestres e o uso de animais em experimentação científica, manifestações culturais, religiosas ou esportivas também já fizeram seu caminho até os tribunais, inclusive os superiores, na capital federal, Brasília.
Apesar da crescente relevância que os animais têm ganhado na sociedade brasileira, a produção acadêmica sobre a sua tutela jurídica no Brasil ainda é tímida e se encontra dividida. Para os que atuam na área do Direito Animal, que conta com o vanguardismo dos professores da Universidade Federal da Bahia (UFBA) e do Instituto Abolicionista Animal (IAA) e sua publicação Revista Brasileira de Direito Animal, o olhar que esse ramo jurídico tem sobre o tema é diferente daquele tratado pelo Direito Ambiental, já que, em resumo, o animal é reconhecido como ser senciente e de valor intrínseco. Os juristas do Direito Ambiental, por sua vez, com raras exceções, não lidam a questão do animal para além do seu papel como recurso natural.
Embora cada ramo jurídico tenha sua própria visão sobre o tema, é importante que esses olhares sejam complementares e não excludentes. Entendemos que, no Brasil, os animais têm dupla proteção constitucional, pois o fundamento da sua tutela pelos direitos ambiental e animal se encontra no mesmo artigo da Constituição Federal (BRASIL, 1988). Trata-se do artigo 225 que, em seu caput e parágrafo I, inciso VII, determina a proteção das espécies para manutenção do meio ambiente ecologicamente equilibrado e, ao mesmo tempo, veda a sua submissão a tratamento cruel. Neste ponto, vale destacar que a proibição de tratamento cruel aos animais pressupõe a capacidade de sentir dor e, portanto, a senciência, reconhecida em animais silvestres, domésticos ou domesticados; de companhia e de produção.
A proposta deste artigo é analisar o tratamento jurídico dos animais tanto no Direito Ambiental quanto no Direito Animal, com a finalidade de aproximar esses olhares, para que possam caminhar lado a lado em defesa dos animais, tendo a senciência como fundamento e amparo da sua proteção jurídica.
A pesquisa recorreu à revisão da literatura jurídica brasileira de Direito Ambiental e de Direito Animal, além da seleção e análise da jurisprudência da corte constitucional brasileira sobre proteção animal.
Para evitar interpretações inadequadas e direcionar o leitor de forma clara e objetiva aos significados pretendidos pela autora, convém delimitar o termo “Direito Animal” como a tradução do termo inglês Animal Law e concernente ao ramo autônomo do direito positivo, derivado do Direito Ambiental, que trata da relação entre seres humanos e animais não-humanos (SANTANA; OLIVEIRA, 2019). Este termo distingue-se da expressão “Direito dos Animais”, que diz respeito a um movimento que busca proteger os animais não-humanos de práticas cruéis e de maus-tratos, de forma a garantir a sua proteção (RIBEIRO, 2020) e da expressão “Direitos Animais” tem origem na expressão inglesa Animal Rights, frequentemente relacionada à Declaração Universal dos Direitos dos Animais, estabelecida na Bélgica, em 1978, e que busca atribuir direitos subjetivos a animais não-humanos (SANTANA; OLIVEIRA, 2019).
1 – A proteção jurídica dos animais na legislação brasileira
No Direito Animal brasileiro, o fundamento para proteção jurídica dos animais está inserido na vedação de tratamento cruel do art. 225, §1º, VII da Constituição Federal (BRASIL, 1988), que estipula a proteção da “(…) fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade”. A vedação ao tratamento cruel implica no reconhecimento da senciência animal, na medida em que pressupõe a capacidade de sentir emoções negativas como dor, medo, ansiedade, estresse e angústia.
O Direito Ambiental brasileiro também tutela os animais, porém, embora compartilhe do mesmo fundamento constitucional, ou seja, o art. 225, §1º, VII da Constituição Federal (BRASIL, 1988), seu viés de proteção é distinto.
Em um primeiro momento, que remonta ao advento do Direito Ambiental brasileiro – ele mesmo um ramo recente do Direito, com os primeiros trabalhos surgidos na década de 1970 (MARQUES, 2021) – entendeu-se que ficava a seu cargo a proteção dos animais, especialmente porque essa noção era reforçada pelo crime tipificado no artigo 32 da Lei 9.605, de 12 de fevereiro de 1998 – Lei de Crimes e Infrações Ambientais (BRASIL, 1998). Todavia, essa proteção passa a ser, cada vez mais, atribuída a um novíssimo ramo do Direito brasileiro, o Direito Animal.
Para Luciano Rocha Santana e Thiago Pires Oliveira (2019), o Direito Animal pode ser definido como “a ciência que estuda a relação jurídica dos seres humanos com os animais”. A doutrina jurídica animalista (ATAÍDE JR., 2018) considera que a autonomia do Direito Animal brasileiro surgiu com o julgamento, pelo Supremo Tribunal Federal (STF), do caso da vaquejada (BRASIL, 2016). Todavia Paulo de Bessa Antunes entende que a proteção aos animais é anterior a essa data:
Fato é que o Decreto n. 4.645, de 10 de junho de 1934, já estipulava diversas normas de proteção aos animais, com a importante e esquecida inovação de atribuir ao Ministério Público a defesa dos animais (ANTUNES, 2017, p. 70).
No entanto, a senciência, tão importante no Direito Animal brasileiro, não demanda do Direito Ambiental pátrio uma resposta jurídica específica. Nesse sentido, Vicente de Paula Ataíde Jr. (2018) aponta que, no Direito Ambiental, a tutela dos animais tem por objetivo tão somente assegurar o equilíbrio do meio ambiente, sem considerá-los, individualmente, como seres sencientes e de valor intrínseco.
Édis Milaré (2015, p. 555) reforça a noção do animal como recurso natural ao sustentar que a importância da fauna está relacionada aos “serviços” que presta ao homem, dentre eles a manutenção da biodiversidade e do equilíbrio dos ecossistemas. Paulo Affonso Leme Machado (2016, p. 967) sustenta, de forma semelhante, que a fauna silvestre deve ser entendida como bem público, de forma a obrigar o Estado a proteger os animais com o intuito de resguardar o equilíbrio ecossistêmico: “Não foi pela vontade de aumentar o seu patrimônio que a União procurou tornar-se proprietária da fauna silvestre; razões de proteção do equilíbrio ecológico ditaram essa transformação da lei brasileira”. Assim, para esses autores, o fundamento da proibição da crueldade prevista na Constituição Federal é o resguardo da vida do animal para que bem desempenhe seu papel no ecossistema.
Paulo de Bessa Antunes (2017, p. 80) sustenta, no Direito Ambiental brasileiro, análise mais aderente ao valor intrínseco dos animais, em que argumenta pela alteração do seu status jurídico, considerados bens semoventes na legislação vigente:
Entretanto, a constitucionalização da proteção aos animais, sobretudo a proibição a maus tratos, em meu ponto de vista, indica que há necessidade de uma alteração do status jurídico ostentado pelos animais que, efetivamente, não podem ser classificados como res, sendo razoável a adoção, por exemplo, do modelo alemão que coloca o animal em posição intermediária entre persona e res. A modificação sugerida, na minha opinião, assegura um status civil mais compatível com a dignidade constitucional atribuída aos animais.
Ingo Wolfgang Sarlet e Tiago Fensterseifer (2014, 2017, 2019) também sustentam argumentos favoráveis à elevação do status jurídico dos animais para sujeitos de direito.
As diferenças da tutela dos animais pelo Direito Ambiental e pelo Direito Animal brasileiros estão sintetizadas no Quadro 1:
Quadro 1 – Diferenças entre a tutela dos animais no Direito Ambiental e no Direito Animal
Área do Direito |
Fundamento constitucional |
Objeto da proteção jurídica |
Direito Ambiental |
Art. 225, §1º, VII, CF/88 |
Proteção da fauna enquanto recurso natural e parte do equilíbrio ecossistêmico para garantia da sadia qualidade de vida. |
Direito Animal |
Art. 225, §1º, VII, CF/88 |
Vedação à crueldade e maus-tratos a animais não-humanos. |
Fonte: Letícia Yumi Marques, 2022.
Os animais possuem dupla tutela sob a legislação brasileira: são protegidos como recurso natural e em função do seu papel no equilíbrio ecológico pelo Direito Ambiental e como seres sencientes, de valor intrínseco, pelo Direito Animal contra tratamento cruel e maus-tratos. A dupla tutela ressalta a necessidade de análise multidisciplinar dos casos envolvendo animais também no Direito, pois as tutelas devem ser complementares, jamais excludentes. Sobre o conflito entre os direitos ambiental e animal, Kristen Stilt (2021), que sustenta a equivalência desses campos do Direito, aponta que eles estão interligados porque, afinal, animais humanos e não-humanos coexistem no mesmo meio ambiente.
No âmbito infraconstitucional, o Decreto n. 24.645, de 1934 (BRASIL, 1935) é considerado a primeira norma de proteção animal brasileira. Para o período em que foi editado, foi considerado inovador (SARLET; MACHADO; FENSTERSEIFER, 2015). A norma, revogada desde 1991, listava 31 atos que configurariam maus-tratos (provocar ferimento ou mutilação, açoite, abandono, expor a trabalho excessivo, não dar morte rápida etc.) e impunha ao infrator sanção pecuniária e pena de prisão de dois a quinze dias. Também dispunha que todos os animais existentes no país seriam tutelados pelo Estado e que competia ao Ministério Público, como substituto legal, representá-los em juízo. A norma não tratava da natureza jurídica dos animais, embora, no Código Civil vigente à época (BRASIL, 1917), os animais fossem considerados coisas ou bens semoventes. Mais tarde, em 1967, a Lei Federal n. 5.197 (BRASIL, 1967) ratificou o status jurídico dos animais como propriedades pertencentes ao Estado. No plano legislativo, os animais permanecem com status jurídico de bens[2]. No entanto, o reconhecimento dos animais como seres sencientes de valor intrínseco já conta com decisões favoráveis no STF.
2 – A evolução da tutela dos animais na jurisprudência constitucional brasileira até o reconhecimento da senciência animal
Em 1998 e 2011 respectivamente, o STF julgou as primeiras ações sobre a questão animal: o caso “Farra do Boi”, relativo ao Recurso Extraordinário n. 153.531 (BRASIL, 1997); e o caso “Briga de Galo”, relativo à Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 1.856 (BRASIL, 2011). Nesses casos, embora a decisão tenha sido no sentido de reconhecer a inconstitucionalidade de leis e práticas cruéis, a proteção animal ainda tinha por fundamento a integridade da fauna para manutenção do equilíbrio ecológico.
O reconhecimento da senciência animal e seu valor intrínseco pelo STF tem sua origem no caso “Vaquejada”, relativo à Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 4.983 (BRASIL, 2016, p. 18), conforme trecho a seguir.
A vedação da crueldade contra animais na Constituição Federal deve ser considerada uma norma autônoma, de modo que sua proteção não se dê unicamente em razão de uma função ecológica ou preservacionista, e a fim de que os animais não sejam reduzidos à mera condição de elementos do meio ambiente. Só assim reconheceremos a essa vedação o valor eminentemente moral que o constituinte lhe conferiu ao propô-la em benefício dos animais sencientes
Posteriormente, em 2019, quando foi julgado o Recurso Extraordinário n. 494.601 (BRASIL, 2019), o STF, ao considerar constitucional a prática de sacrifício de animais em religiões de matriz africana, ponderou que o maltrato ou tratamento cruel se caracteriza pelo sofrimento prolongado e não pelo abate em si, concluindo que a prática religiosa não contraria as disposições constitucionais. Em 2021, por ocasião do julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 5.995 (BRASIL, 2021), o STF ponderou que os animais gozam de proteção constitucional contra tratamento cruel, cuja exceção é o uso em experimentos científicos para produção de drogas, medicamentos, alimentos e imunobiológicos, regulado pela Lei Federal n. 11.794, de 8 de outubro de 2008 – Lei Arouca (BRASIL, 2008).
A jurisdição da tutela dos animais no Direito brasileiro é benestarista, ou seja, considera aceitável o uso de animais não-humanos para seus propósitos, ainda que para finalidades específicas, em contraposição ao posicionamento abolicionista, que se volta favoravelmente à eliminação ou considerável redução do uso de animais não-humanos para as atividades humanas (FRANCIONE; GARNER, 2010).
Kristen Stilt (2021) aponta que a constituição brasileira é uma das poucas que aborda algum tipo de proteção animal, ao lado das constituições da Suíça, Índia, Eslovênia, Alemanha, Luxemburgo, Áustria, Egito e Rússia – em todas, segundo a autora, são empregados termos como “bem-estar animal”, “dignidade animal”, “proteção animal” e “crueldade contra animais” – mas nenhuma referência a direitos de animais não-humanos.
A formulação de leis e de políticas públicas segue também o viés benestarista, embora tenha sido possível identificar, em 2020, produção legislativa tendente a aumentar a proteção dos animais não-humanos (MARQUES, 2020).
- A comprovação científica da senciência e o bem-estar animal
Na legislação brasileira, a vedação ao tratamento cruel tem por fundamento a presunção de que animais são sencientes, ou seja, sentem dor, medo, ansiedade, angústia e que, por essas razões, impor-lhes sofrimento é uma conduta reprovável.
Charlotte Blattner (2019) afirma que, em muitos países, as leis protegem os animais em função da sua senciência e que o seu reconhecimento jurídico se contrapõe a tentativas de negar proteção aos animais, especialmente aqueles que não têm utilidade econômica ou não são bonitos. Proctor, Carder e Cornish (2013) afirmam que a demonstração objetiva da senciência animal é a chave para mudanças positivas na relação com os animais não-humanos e para o seu bem-estar. Por isso, a comprovação da senciência é importante para legitimar a sua proteção jurídica, inclusive como fundamento da vedação ao tratamento cruel na Constituição do Brasil (BRASIL, 1988).
A senciência tem comprovação científica. Mejdell et al. (2016) conduziram uma pesquisa em que ensinaram 23 espécimes de Equus ferus caballus (cavalo doméstico) a usar símbolos para expressar suas preferências sobre o uso ou não de cobertores. Durante duas semanas, eram mostrados aos animais símbolos que significavam manter o cobertor, retirar o cobertor ou colocar o cobertor. Os símbolos estavam estampados em placas de madeira de 35×35 cm, conforme a figura 1. O símbolo da esquerda significava “colocar cobertor”; o do centro, “sem mudanças”, ou seja, permanecer como está; e o da direita, “tirar cobertor”.
Figura 1 – Símbolos utilizados na pesquisa de senciência animal de Mejdell et al. Ver ANEXO1
Fonte: Mejdell et al. (2016)
A pesquisa concluiu que todos os 23 cavalos obtiveram, com ritmos de aprendizagem diferentes, sucesso no treinamento e aprenderam a usar os símbolos para se comunicar, associando cada um deles à sua própria percepção de bem-estar (calor, frio etc.). O experimento foi fotografado e gravado em vídeo (Figura 2). Ver ANEXO2
Figura 2 – Experimento com cavalos
Fonte: Mejdell et al. (2016)
Entende-se que são sencientes os animais vertebrados, que possuem sistema nervoso central, já que é a existência do sistema nervoso que confere ao animal a capacidade de organizar comportamentos a partir de estímulos externos, originalmente ligadas ao reflexo, mas que, com o processo de evolução, permitiram aprendizado e sentimentos (GRINDE, 2013). Existem discussões sobre a existência de senciência em animais com sistema nervoso central pouco desenvolvido ou em invertebrados, o que, segundo Smith (1991), deve levar à revisão da senciência em invertebrados, ainda que se trate de uma questão de difícil solução, pois a simples resposta a estímulos externos, como fugir de um predador, pode ser considerada instinto e não necessariamente senciência. Proctor, Carder e Cornish (2013) sustentam que é frequente, na literatura, a associação de emoções humanas a animais não-humanos, sem que muita pesquisa sobre o que os animais sencientes efetivamente sentem tenham sido feitas. Elas alertam para a necessidade de aprofundamento dessas pesquisas, pois a definição da senciência é ponto central para as discussões sobre bem-estar animal. Mais recentemente, Marshall (2021) aponta que existem “fortes evidências científicas” sobre a senciência em animais invertebrados. Para o Conselho Federal de Medicina Veterinária (CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA VETERINÁRIA, 2018b), são sencientes e, portanto, beneficiários das regras de bem-estar, os animais vertebrados.
A senciência denota a capacidade de sentir dor e emoções como estresse, angústia e medo. Por isso, está relacionada a critérios de aferição do bem-estar dos animais não-humanos.
Broom e Molento (2004) sustentam que a avaliação do bem-estar de um animal deve considerar as necessidades fisiológicas e psíquicas (felicidade, capacidade de adaptação e antecipação de eventos, sofrimento, dor, ansiedade, medo, tédio, estresse, etc.) de um animal individual, sem incluir aquilo que lhe pode ser provido pelo humano. Essas variáveis podem ser objetivamente aferidas por meio de avaliações físicas e exames clínicos, como um teste de cortisol para aferição de níveis de estresse. Os autores reconhecem a falta de métodos para avaliação dos sentimentos dos animais, dado que são subjetivos, mas defendem mais pesquisas nessa área e que “evidências sobre sentimentos devem ser consideradas, pois são importantes na avaliação do bem-estar” (BROOM; MOLENTO, 2004, p. 7).
O critério mais comum para aferir o bem-estar animal são as Cinco Liberdades, que foram definidas no Reino Unido, em 1979, no Farm Animal Welfare Council que, por sua vez, foi criado após a publicação, em 1965, do livro Animal Machines, de Rachel Carson, que denunciava as péssimas condições dos animais de produção, destinados a abate, naquele país. As cinco liberdades estão sintetizadas no quadro 7, a partir de definições do Conselho Federal de Medicina Veterinária (CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA VETERINÁRIA, 2018a).
Quadro 2 – Cinco Liberdades Animais
Liberdade nutricional |
Acesso do animal a comida e água em quantidade, qualidade e frequência adequadas. Dietas inadequadas que levem a desequilíbrio nutricional são consideradas violação à liberdade nutricional. |
Liberdade de dor e doença |
Qualidade da saúde física, inclusive na prevenção a zoonoses e vacinação. Animais obesos, desnutridos ou desidratados representam violação à liberdade de dor e doença. |
Liberdade de desconforto |
Abrigo em ambiente com temperatura e superfícies confortáveis para a espécie. Animais em recintos pequenos, como gaiolas, representam violação à liberdade de desconforto. |
Liberdade para expressar o comportamento natural |
Ambiente que não impeça o animal de exercer o comportamento natural da espécie, como, por exemplo, viveiros com medidas e densidade populacional adequadas para que o animal nade, voe ou corra, conforme característica da espécie. Animais que não tenham estímulos para exercer o seu comportamento natural representam violação à liberdade para expressar seu comportamento natural. |
Liberdade de medo e estresse |
Ausência de sentimentos negativos, que provoquem sofrimento. Um animal que vive encarcerado em ambiente inadequado e possa desenvolver estresse crônico representa violação à liberdade de medo e estresse. |
Fonte: CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA VETERINÁRIA, 2018a.
Não existe, na legislação ambiental ou animal brasileira, conceito jurídico para maus-tratos. A Lei Federal n. 9.605, de 1998, limita-se a determinar que “Praticar ato de abuso, maus-tratos, ferir ou mutilar animais silvestres, domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos” pode implicar em pena de detenção de três meses a um ano e multa (BRASIL, 1998)[3]. Como mencionado na seção 4.1.1, o STF, no julgamento Recurso Extraordinário n. 494.601 (BRASIL, 2019), ponderou que o maltrato ou tratamento cruel se caracteriza pelo sofrimento prolongado.
Em âmbito infralegal, portanto sem força de lei, o Conselho Federal de Medicina Veterinária (CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA VETERINÁRIA, 2018b) conceituou maus-tratos como “qualquer ato, direto ou indireto, comissivo ou omissivo, que intencionalmente ou por negligência, imperícia ou imprudência provoque dor ou sofrimento desnecessários aos animais” e, crueldade, como “qualquer ato intencional que provoque dor ou sofrimento desnecessários nos animais, bem como intencionalmente impetrar maus-tratos continuamente aos animais”. Também estipulou que a prática da eutanásia, por meio que garanta morte sem dor e sofrimento, não constitui maus-tratos.
4 – A senciência nas ações de conservação da biodiversidade
No Brasil, ações de conservação dos animais silvestres e do seu papel no equilíbrio ecossistêmico, tutelado pelo Direito Ambiental, são urgentes. Segundo a Lista Nacional Oficial de Espécies da Fauna Ameaçadas de Extinção do Ministério do Meio Ambiente (BRASIL, 2014), existem 1.173 espécies de fauna ameaçadas de extinção, incluindo 310 peixes continentais, 233 aves, 233 invertebrados terrestres, 110 mamíferos, 98 peixes marinhos, 80 répteis, 66 invertebrados aquáticos e 41 anfíbios. A Lista Nacional Oficial indica o grau de risco de extinção, de acordo com a seguinte classificação: Extintas na Natureza (EW), Criticamente em Perigo (CR), Em Perigo (EN) e Vulnerável (VU). Das 1.173 espécies que integram a lista, 318 estão criticamente em perigo e o Pauxi mitu (mutum-do-nordeste) já está extinto na natureza.
Ainda, oito espécies estão oficialmente reconhecidas como extintas: Noronhomys vespuccii (rato-de-noronha), Numenius borealis (maçarico-esquimó), Glaucidium mooreorum (caburé-de-pernambuco), Anodorhynchus glaucus (arara-azul-pequena), Philydor novaesi (limpa-folha-do-nordeste), Cichlocolaptes mazarbarnetti (gritador-do-nordeste), Sturnella defilippii (peito-vermelho-grande) e Phrynomedusa fimbriata (perereca-verde-de-fímbria). O maçarico-esquimó, a arara-azul-pequena e o peito-vermelho-grande estão extintas no Brasil, mas ainda podem ser encontradas em outros países (BRASIL, 2014).
As causas para a perda de espécies incluem a destruição de habitats, espécies invasoras, poluição e caça e pesca descontroladas; porém, a principal delas é a destruição de habitat decorrente de ações antrópicas (FRANCO, 2013). Como exemplo, pode-se citar a fragmentação de paisagens ocasionada pela implantação de grandes áreas de pastagens, agricultura convencional ou extrativismo descontrolados; instalação de empreendimentos minerários e hidrelétricas, expansão urbana e da malha viária. No Brasil, obras dessa natureza são incentivadas por meio de políticas públicas federais, para desenvolvimento do país, geração e distribuição de renda.
Nesse sentido, a legislação ambiental brasileira busca, por meio de instrumentos como o licenciamento ambiental e medidas de mitigação e compensação da degradação ocasionada pela implantação desses empreendimentos, assegurar a conservação da biodiversidade e equilibrar desenvolvimento e sustentabilidade. Infelizmente, como o foco da legislação ambiental brasileira tem sido quase que exclusivamente a tutela dos animais como recursos naturais, o seu bem-estar fica relegado a segundo plano e é tratado somente em âmbito infralegal, nas ações de conservação tocadas pelas autoridades ambientais.
Os conceitos de conservação da biodiversidade e de bem-estar animal lidam ambos com os animais, mas com olhares diferentes. Fraser (2010) considera que conservação da biodiversidade e bem-estar animal são campos de pesquisa multidisciplinar, que tratam de preocupações sociais sobre os animais. O autor explica que, enquanto a conservação da biodiversidade está focada em animais silvestres em nível de populações, sistemas ecológicos e lida com ameaças à integridade ecológica, o bem-estar animal se concentra em indivíduos e grupos e lida com ameaças à saúde e à qualidade de vida dos animais. Já Harrop (2013) afirma que, enquanto a conservação da biodiversidade busca preservar espécies para manutenção da diversidade e prevenir sua extinção, o bem-estar busca a proteção de animais individuais do sofrimento, a despeito do seu status de conservação. A lógica que, ao mesmo tempo, assemelha e separa os conceitos de conservação da biodiversidade bem-estar animal é a mesma que hoje é preponderante nos direitos ambiental e animal brasileiros.
As diferenças, a despeito das semelhanças, parecem ter separado esses dois campos. Isto porque, por muito tempo, se entendeu que a conservação da biodiversidade, ainda que, em alguns casos, expusessem alguns animais a situações desagradáveis (reprodução em cativeiro, por exemplo), deveria prevalecer sobre questões de bem-estar animal porque sua finalidade, muitas vezes ligada a programas para evitar extinção de espécies, justificava esses episódios, por mais indesejados que fossem. Esse cenário, porém, passou a mudar entre o final dos anos 1990 e início dos anos 2000 (FRASER, 2010).
Dentre essas mudanças, convém destacar os argumentos de McMahon et al. (2012), que pontuam que, cada vez mais, pesquisadores que lidam com animais selvagens no campo da conservação da biodiversidade enfrentam dificuldades na oposição de grupos ligados ao bem-estar animal. Harrop (2013) confirma que o interesse pelo bem-estar animal está se espalhando pelo mundo com a criação de organizações não-governamentais com atuação global, dedicadas à causa animal. Sekar e Shiller (2020) defendem que critérios de bem-estar animal devam passar a ser considerados em ações conservacionistas, uma vez que as evidências científicas têm comprovado a senciência animal e isso não pode ser mais ignorado no escopo da conservação da biodiversidade.
E, de fato, as ações e políticas de conservação da biodiversidade de bem-estar animal devem focar mais em suas semelhanças e menos em suas diferenças porque, apesar de verem o animal por lentes diferentes, os dois campos estão interligados pelos mesmos impactos antrópicos que ameaçam a biodiversidade e causam sofrimento aos animais.
Sekar e Shiller (2020) apontam as seguintes sugestões para conciliação dos interesses do conservacionismo e do bem-estar animal: (i) criação consensual de princípios; (ii) construção de bases científicas para boas práticas; e (iii) criação de instituições conselheiras, que busquem o aprimoramento dessas boas práticas. Tais medidas seriam construídas em conjunto por ativistas e especialistas nas áreas privada e governamental.
É possível conciliar conservacionismo e bem-estar animal, considerando que as causas de ameaça à conservação da biodiversidade e de sofrimento animal têm a mesma origem, como propõe Fraser (2010): os impactos negativos resultantes das atividades humanas. No âmbito jurídico, para que haja tutela eficaz, as políticas públicas animais e ambientais devem também buscar convergências e caminhar lado a lado.
5 – Discussão
A legislação brasileira, embora não promova, de forma explícita, a adequada correlação entre normas de Direito Ambiental e Animal, deixa claro que os animais devem ser protegidos, tanto no papel que desempenham como partes de ecossistemas que devem ser preservados, quanto em sua dimensão individual, em razão da sua senciência. No Brasil, os Direitos Ambiental e Animal seguem paralelos, sem conexão dos seus pontos comuns no que concerne aos animais e a conservação da biodiversidade. Isso representa um quadro legislativo segregado e complexo para tutela dos animais nessas duas dimensões nos âmbitos federal e estadual, o que, na prática, faz com que a dupla tutela dos animais não seja óbvia, mas resulte de esforços interpretativos sujeitos ao crivo do Poder Judiciário e dos órgãos ambientais. Os animais estão sujeitos a um cenário de insegurança jurídica muito grande. Quanto mais um direito precisa ser explicado, menores são as chances de se tornar efetivo.
É possível que, com o reconhecimento dos animais como sujeitos de direito despersonalizados, sui generis, como propõe Antunes (2017), a conjugação da dupla tutela dos animais se torne efetiva. Como votou o Ministro Luís Barroso por ocasião do julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 5.995, o homem precisa lidar com mais esta
ferida narcísica da condição humana: não somos o centro do universo desde Copérnico, pertencemos ao reino animal desde Darwin, não mandamos nem na nossa plena consciência plena desde Freud e talvez tenhamos que reconhecer, em breve, a titularidade de direitos por animais (BRASIL, 2021d, p. 67).
Como a legislação brasileira é falha em explicitar a interligação entre as normas ambientais e animais (que tenho chamado de dupla tutela dos animais não-humanos no Direito), exigi-la dos órgãos licenciadores é um desafio porque seus servidores se pautam pelo Princípio da Legalidade e não tomam nenhuma ação que não esteja expressamente prevista em lei. Como disse, quanto mais se precisa explicar um direito, menores são as chances de que se torne efetivo. Para que a dupla tutela dos animais tenha sucesso, é importante que a legislação preveja expressamente que os instrumentos de política pública, incluído o licenciamento ambiental, considerem as normas de conservação da biodiversidade e bem-estar animal no processo de tomada de decisão que subsidia a concessão e fiscalização das licenças.
6 – Conclusão
O referencial teórico indica que há insegurança jurídica e uma certa resistência, entre juristas brasileiros e cientistas, na conciliação da conservação da biodiversidade e do bem-estar animal. No entanto, a jurisprudência do STF caminha no sentido de reconhecer a senciência animal e recentes pesquisas científicas reforçam que as ações para conservação da biodiversidade não podem mais ignorar o bem-estar animal.
A proteção dos animais no seu papel como partes do equilíbrio ecossistêmico e como indivíduos sencientes também deve acompanhar a tendência demonstrada pelo referencial teórico e ser considerada nos processos de tomada de decisão de agentes públicos, inclusive nos processos e trâmites ambientais necessários para liberação de atividades e empreendimentos que possam causar significativos impactos ambientais, com repercussões negativa para animais, especialmente os silvestres.
De toda forma, a ausência de normas expressas não exime as autoridades ambientais e demais agentes estatais do dever de proteger os animais previsto na Constituição Federal (BRASIL, 1988) e, portanto, considerar o bem-estar animal no âmbito de políticas públicas de desenvolvimento econômico.
A alteração da natureza jurídica dos animais para “sujeitos de direito despersonalizados” como propõe Antunes (2017) pode ser favorável para a execução integrada das políticas públicas para proteção dos animais e do meio ambiente de forma holística.
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[1]Mestra em Sustentabilidade pela Universidade de São Paulo (2022). Especialista em Direito Ambiental pela Universidade Presbiteriana Mackenzie (2012). Pós-graduada em Direitos dos Animais pela Universidade de Lisboa (2022) e pós-graduada em ESG: Diversidade e Inclusão pela FGV Law (2022). Bacharel em Direito pela PUC-SP (2008). Coordenadora e professora dos cursos de extensão em Direito Animal e Direito Ambiental Empresarial da Universidade Presbiteriana Mackenzie. Advogada em São Paulo, Brasil.
[2] Em 07.08.2019, o Senado Federal aprovou o Projeto de Lei n. 27/2018 (BRASIL, 2018), que atribui aos animais natureza jurídica sui generis, classificando-os como sujeitos de direito despersonificados e garantindo-lhes tutela jurisdicional em caso de violação de seus direitos. O projeto foi recebido na Câmara dos Deputados sob o n. 6.054/2019 (BRASIL, 2019) em novembro do mesmo ano. Em 2021, após regular tramitação, foi retirado da pauta de votação da Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável em 8 de julho pela presidente da Comissão, Deputada Carla Zambelli. Em 1º de dezembro de 2021, a deputada apresentou o Projeto de Lei 4.249/2021 (BRASIL, 2021), que reforça a vedação ao tratamento cruel de animais, mas sem reconhecê-los como sujeitos de direito e passa a permitir, expressamente, seu uso em manifestações culturais, além da prática da agropecuária e de pesquisa científica.
[3] Para juristas da área penal, a inobservância das Cinco Liberdades não necessariamente caracteriza o crime de maus-tratos previsto na Lei Federal n. 9.605/1998 (BRASIL, 1998) porque não há conceito legal que o defina e, em razão do princípio Nullum crimen, nulla poena sine lege, a conduta criminosa deve estar previamente estabelecida em lei.